O Brasil está envelhecendo. O cenário demográfico em pleno processo de mudança exige que a sociedade aprenda a cuidar de suas mulheres idosas. Mais que isso, o país precisa ressignificar a mulher com mais de 60 anos a partir da criação de políticas públicas focadas não apenas em saúde e proteção, mas com educação e inserção no mercado de trabalho.
Se no passado recente o país era jovem e tinha alta taxa de fecundidade, o cenário mudou drasticamente nas últimas décadas. Levantamento divulgado pelo IBGE no ano passado revelou que, em 2022, 51,5% da população brasileira era composta por mulheres, 6 milhões a mais do que os homens em números absolutos. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), coletados em 2022, mostram que havia 32,4 milhões de idosos no país, dos quais 18,1 milhões eram mulheres. A longevidade feminina, historicamente superior à masculina, no entanto, nem sempre é sinônimo de qualidade de vida e cuidados.
Na avaliação da juíza Monize Marques, coordenadora da Central Judicial do Idoso (CJI) do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios desde 2012 , a despeito de todos os esforços do Estado, não houve um olhar mais atento para a figura do cuidador. “Precisamos urgentemente cuidar dos cuidadores, uma vez que essas pessoas que se tornam os potenciais agressores. Os cuidadores são um ponto crítico para atenção da pessoa idosa”, alertou.
A técnica de enfermagem e cuidadora de idosos Débora Moura, 28 anos, há alguns anos cuidou de uma senhora que sofria de Alzheimer e era vítima de maus-tratos por parte de familiares. Logo que perceberam os primeiros sinais de demência de Cléria (nome fictício), o ex-marido e os filhos a interditaram, venderam seus bens e passaram a gerenciar seus cuidados. “Enquanto foi possível, a mantiveram escondida, até que uma vizinha a viu já bem debilitada. Dali em diante, só piorou. Em pouco tempo, ela começou a ficar muito magra, extremamente desnutrida, era alimentada somente com mingau. Além do quadro de demência, tinha também Parkinson e, assim, o corpo começou a atrofiar”, lembrou.
O quadro de violência vivenciado incluiu a apropriação da pensão recebida pela vítima, uma situação bem comum nesses casos. Nesse contexto, o silêncio costuma imperar. No caso específico de Débora, o medo de represália por parte de parentes da vítima, que eram policiais, a impediram de levar o caso às autoridades na época. “Visivelmente, ela tinha muito medo e acabava se tornando agressiva com a gente. Quase não nos deixava trocar a fralda ou dar banho. Foi tudo muito difícil”, lamenta.
Desde 2007, o TJDFT concentra atendimentos a idosos por meio da Central Judicial da Pessoa Idosa (CJI), uma rede que reúne também o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e a Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF).
Coordenada pela juíza Monize Marques, a central tem como principal foco ser um ponto de segurança da pessoa idosa. “Quando a idosa ou o idoso inicia um acolhimento aqui não precisa mais repetir sua história em lugar nenhum. Durante muito tempo, o trabalho esteve focado em conscientizar, educar e sensibilizar. A fase da pedagogia já passou, agora estamos no momento da repressão mesmo. Ou seja, de uma resposta mais efetiva do Estado. Não podemos mais ter um olhar de pena para o filho que gasta todo o dinheiro da mãe. Hoje, sabemos que isso é uma violência. Precisamos tomar atitudes para que essa seja reprimida”, explica.
Afeto e abandono
Aos 58 anos, Éder Gonçalves Caetano sofreu um acidente vascular cerebral que lhe tirou a fala e grande parte dos movimentos. Em 2020, desde que teve o AVC, o profissional de lanternagem automotiva foi acolhido pela irmã, Sirlene Gonçalves Caetano de 64 anos, moradora de Taguatinga Sul (DF).
No início, não havia a estrutura adequada para receber Éder e Sirlene foi obrigada a pedir doações e fazer rifas para construir um cômodo capaz de abrigar o irmão. Éder, pai de sete filhos foi abandonado logo após o acidente vascular. Depois de alguns anos, Sirlene recorreu à Central Judicial da Pessoa Idosa para conseguir a participação dos sobrinhos nos cuidados.
A demanda foi encaminhada para o Núcleo de Mediação do Idoso, que realizou encontros com cinco dos sete filhos, dos quais dois foram declarados não aptos aos cuidados de Éder. No acordo, ficou definido que o idoso ficará com as filhas a cada 15 dias e se responsabilizarão pela compra dos remédios do pai. Para Sirlene, igualmente idosa e que tinha preocupação de envelhecer sem ter condições plenas de cuidar do irmão, a Justiça permitiu uma solução mais harmônica para um problema familiar que jamais teria uma saída apenas pelo diálogo, canal que havia sido fechado por muitas razões. “Sem a mediação não seria possível chegarmos a esse acordo. Para ele, o convívio com os filhos é muito positivo”, completou.
Entrevista
Em entrevista à Agência CNJ de Notícias, a juíza Monize Marques, Central Judicial da Pessoa Idosa (CJI) do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios fala sobre o panorama do envelhecimento no Brasil, relações familiares, retrato da violência e perspectivas para as próximas décadas. ”Nossa sociedade vai precisar ressignificar o envelhecimento, trazer mais para perto, conviver de forma mais harmônica para podermos construir uma comunidade que, segundo a ONU, seja boa para todas as idades”, destaca a magistrada.
A Justiça por Todas Elas
Ao longo do mês de março, a Agência CNJ de Notícias publica uma série de reportagens sobre ações do Judiciário pela garantia do direitos das mulheres. Esses conteúdos compõem a campanha “A Justiça por Todas Elas”, idealizada pelo CNJ em alusão ao Dia Internacional da Mulher, em 8/3. Uma página dedicada à campanha e uma cartilha são algumas das iniciativas da ação que tem como foco idosas, crianças, trabalhadoras, mulheres privadas de liberdade, com deficiência, adolescentes, vítimas de tráfico, grávidas, mães e lactantes, indígenas e LGBTQIAPN+.
Texto: Ana Moura
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias