O Judiciário tem um compromisso constitucional com a garantia de direitos da população em situação de rua. Com essa afirmação, o presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, deu início ao I Encontro Nacional PopRuaJud, nesta segunda-feira (25/11), em São Paulo. De acordo com o ministro, essa é uma das questões mais complexas e difíceis no Brasil. “Os dados mostram que temos 300 mil pessoas vivendo nessas condições. É preciso enfrentar esse problema com a participação de todos”, disse.
Barroso destacou que há uma grande preocupação do Judiciário em cuidar desse assunto. Entre as medidas adotadas para esse enfrentamento está a decisão do Supremo em relação à ADPF 976, que determinou a elaboração de um plano para a implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua, com base no Decreto n. 7053/2009. No CNJ, como lembrou, a Resolução CNJ n.425/2021 instituiu a Política Judiciária de Atenção a Pessoas em Situação de Rua. “Milhares de pessoas encontram-se nessa situação, sem moradia fixa, habitando em logradouros públicos e instalações precárias. É preciso observar os direitos garantidos na constituição e atuar para que eles sejam reais para todos”, destacou.
O ministro informou ainda que, apenas em São Paulo, cerca de 70 mil pessoas vivem nas ruas. Os números totais ainda tendem a crescer. Nos últimos 10 anos, houve um aumento de 211% dessa população, segundo dados do Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). “Às vezes, diante de um problema muito grande, as pessoas têm a tendência de virar o rosto e seguir viagem. Mas os problemas não desaparecem porque não damos atenção. É imprescindível enfrentar”, afirmou Barroso.
De acordo ainda com o IPEA, algumas causas foram identificadas como motivos para o crescimento dessa população. Entre elas estão as econômicas/estruturais, conflitos familiares e problemas de saúde, especialmente mentais. O enfrentamento dessas desigualdades, como pontuou o ministro, foi previsto não apenas pela Constituição Federal, como nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).
Além disso, esses problemas ainda são agravados pelo racismo estrutural. Como afirmou Barroso, cerca de 70% das pessoas que estão na rua são negras. “A questão histórica condenou uma parte da população à situação de marginalidade e subalternidade. Mas, hoje, a maior parte da população aprova as ações afirmativas para essa população”.
Nesse contexto, o ministro lembrou a ação afirmativa adotada pelo CNJ que pretende dar bolsas de estudo para os candidatos e candidatas negros e indígenas à carreira da magistratura. “Queremos que a magistratura nacional tenha mais a cara da demografia brasileira. Precisamos ser capazes de integrar essas pessoas e criarmos exemplos inspiradores de pessoas negras para que eles tenham em quem se espelhar”.
Mutirões
Luís Roberto Barroso reforçou ainda as ações do Judiciário em prol dos brasileiros e brasileiras que vivem em situação de rua. Os mutirões que têm sido realizados com a participação de todo o sistema de Justiça, por exemplo, aliviam a situação das pessoas a partir da regularização de documentação. Também há ações para reconhecimento de direitos trabalhistas, reconhecimento de paternidade, casamentos e divórcios, além da oferta de atendimento médico e odontológicos. “São ações limitadas, mas que ajudam essas pessoas a terem acesso à vida digna”.
Além disso, o ministro destacou a importância do voluntariado, com a participação dos juízes na produção de diagnósticos e soluções; do movimento social que dá alimentação, abrigo, roupas cobertores; e a participação de todas as pessoas para o bem-estar do outro. “A democracia que todos nós defendemos é uma espécie de autogoverno coletivo, isto é, exige a participação de todos. Quem não consegue inclusão social, não se sente participante desse processo. Nesses 36 anos da democracia brasileira, tivemos muitos avanços nos direitos, pois ela pressupõe inclusão de todos”, afirmou.
Durante a abertura, os representantes do movimento nacional da população de rua Anderson Lopes e Darcy da Silva Costa também ressaltaram a importância do trabalho desenvolvido pelo Judiciário. Eles destacaram ainda que não é possível discutir políticas públicas sem a participação dos interessados. Para eles, a Justiça tem contribuído para que a população deixe de ser invisível e garanta os direitos intersetoriais de cada indivíduo vulnerabilizado.
O coordenador do Comitê Nacional PopRuaJud, conselheiro Pablo Coutinho Barreto, destacou a relevância do trabalho em rede para desenvolver a política. “Acredito que esse evento vai contribuir para que todos os tribunais e agentes públicos pensem em como construir essa política, os fluxos permanentes, estabeleçam comitês e discutam um protocolo de julgamento sob a perspectiva da população em situação de rua”, disse.
Também participaram da mesa de abertura a secretária-geral do CNJ, Adriana Cruz, e o diretor da Faculdade de Direito da USP, Celso Fernandes Campilongo. O I Encontro Nacional PopRuaJud é promovido pelo CNJ e conta com a participação de 450 inscritos.
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Texto: Lenir Camimura
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias