Justiça Restaurativa é aplicada em presídios

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Resgatar o domínio de algo que se perdera; recuperar; começar novamente; recomeçar. Essas são algumas das definições do Dicionário Michaelis para a palavra restaurar. O conceito é o mesmo que norteia a aplicação da Justiça Restaurativa em alguns presídios brasileiros e em centros de ressocialização de adolescentes infratores. 

Em Tocantins, o juiz titular da 2ª Vara Criminal e Execuções Penais de Araguaína, Antônio Dantas, é o responsável por implantar a prática na comarca. “Estou convicto de que, atualmente, o formato do sistema prisional não consegue recuperar ninguém. A Justiça Restaurativa ajuda as pessoas a se reencontrarem, apresentando caminhos para reintegração à sociedade e fortalecimento de vínculos”, afirma o magistrado. 

Em Araguaína, a metodologia está sendo implementada em cinco frentes: com presos em flagrante; com agentes de socialização, policiais e agentes penitenciários; na solução de conflitos ocorridos dentro dos presídios; na progressão de regime e entre vítimas e reeducandos.

Em abril, em decisão inédita, o juiz Antônio Dantas concedeu a progressão antecipada de regime – do fechado para o “aberto domiciliar” – a um presidiário. Outros 63 foram beneficiados com diversas medidas que integram os projetos de implantação gradativa da Justiça Restaurativa na comarca. 

De fevereiro a maio, o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) da comarca realizou 18 sessões referentes a processos da 2ª Vara Criminal e Execuções Penais da Comarca e do Juizado da Infância e Juventude. “É uma tentativa de fazer com que o presidiário pense no crime que cometeu, mude sua concepção. O que percebemos é que, quando um reeducando sai da prisão, ele assume a seguinte postura: ‘Já cumpri a minha pena, não devo mais nada’. O problema é que ele não analisa quais foram as consequências causadas a ele próprio, à vítima e à sociedade. Então, a possibilidade de essa pessoa reincidir é muito grande”, diz o magistrado. 

Neste mês, será iniciado o terceiro curso de Formação de Facilitadores Restaurativos, oferecido pela Escola Superior da Magistratura (Esmat). “O Tribunal de Justiça de Tocantins (TJTO) já institucionalizou a Justiça Restaurativa e isso é muito importante”, diz Antônio Dantas. 

A iniciativa é voltada aos servidores, mas também para operadores de direito, assistentes sociais, psicólogos, pedagogos e professores da Rede de Ensino Público estadual e municipal das comarcas de Araguaína, Araguatins, Augustinópolis, Colinas, Gurupi, Palmas, Paraíso do Tocantins e Porto Nacional.

Histórico 

A política desenvolvida em Tocantins segue as diretrizes da Resolução CNJ n. 225, que, em 2016, instituiu a Política Nacional de Justiça Restaurativa no Poder Judiciário. Alguns tribunais, no entanto, já desenvolviam ações que priorizavam a prática antes da edição da norma. Esse é o caso do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que, de forma pioneira, desde 2005, desenvolve diversas iniciativas na área, entre elas projetos no sistema prisional. Em 2015, a ação foi iniciada no Presídio Central, em Porto Alegre, unidade que abriga cerca de 5 mil detentos.

Entre os resultados mais expressivos está a redução de conflitos dentro dos presídios. “Os reflexos são muito positivos. Este ano, por exemplo, não registramos nenhuma morte no Presídio Central, enquanto a média anual de assassinatos era de 22”, informa o juiz Sidinei Brzuska, da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre.  

Coordenador do Programa Justiça para o Século 21, o juiz Fábio Heerdt afirma que, entre as ideias de atuação com os presos, a aplicação da Justiça Restaurativa se destaca por ter reflexos diretos na sociedade. “O trabalho dentro do presídio pode evitar mortes aqui fora, uma vez que muitos crimes são ordenados pelos detentos”. 

Interesse brasileiro 

Reconhecido mundialmente como um dos pioneiros da Justiça Restaurativa, o sociólogo norte-americano Howard Zehr diz que o Brasil tem feito esforços efetivos para a implementação da prática. Em entrevista à Agência CNJ de Notícias, o professor da Eastern Mennonite University em Harrisonburg, Virgínia (EUA) destacou que muitos juízes brasileiros têm feito cursos na universidade, o que mostra o interesse crescente pelo tema. “Sei que muito está sendo feito pela Justiça Restaurativa e vejo uma maior abertura do Poder Judiciário brasileiro a esse método do que no sistema de Justiça dos Estados Unidos”, afirma.

Especificamente sobre a aplicação da prática em presídios, Zerh destaca a relevância e eficácia da metodologia. “A Justiça Restaurativa ajuda os presidiários a entender os impactos das suas ações na vida da vítima e a tomar a responsabilidade por esses atos”, diz Howard  Zerh. 

Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias