Justiça pela Paz em Casa: Brasil chega ao milésimo julgamento de Feminicídio

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A Justiça brasileira alcançou, ontem (21/8), a marca de mil julgamentos de feminicídio ou tentativa de homicídio contra mulher, durante a XI edição da Semana Justiça pela Paz em Casa, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com todos os Tribunais de Justiça do País. Nos primeiros dois dias do mutirão, São Paulo realizou quatro julgamentos de feminicídio e tentativa de homicídio. No Rio de Janeiro, foram dois Tribunais de Júris. Outros Estados também julgaram crimes dolosos contra vida de mulheres, entre eles Acre, Paraíba, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Norte.

Em Cabo Frio, Região dos Lagos do Rio, o primeiro dia da Semana – que vai até sexta-feira (24/8) em todo o País – foi marcado pelo julgamento de um crime cometido em 2016. O réu foi considerado culpado pela tentativa de feminicídio contra a ex-companheira. A motivação do crime: a não aceitação da separação. O acusado, que já está preso, foi sentenciado a quatro anos de prisão. A violência foi cometida na frente da filha mais velha do casal, que tinha à época 15 anos. 

Durante a sessão, o juiz que presidiu o Júri precisou advertir a vítima sobre a importância de seu relato. “Toda essa estrutura que está aqui foi criada para fazer Justiça não apenas em relação ao seu caso, mas de todas as mulheres que passam ou sofrem cotidianamente por violências desse tipo”, afirmou Danilo Marques Borges, juiz que auxilia a comarca de Violência Doméstica de Cabo Frio durante os mutirões da Semana Justiça pela Paz em Casa.

Segundo o magistrado, muitas vítimas vulneráveis sócio e economicamente emudecem diante de seus agressores, por medo de não se sentirem capazes de viverem sem a sua ajuda. “No início, a vítima estava reticente e amenizou os depoimentos que deu na delegacia e na primeira fase do procedimento do Júri. Mas, depois que expliquei o quanto aquilo era importante para a defesa das mulheres, não apenas simbolicamente, mas de maneira concreta, ela contou o que realmente tinha acontecido. E foi um relato marcante”, disse o juiz, que presidirá ao longo da Semana 30 audiências sobre situações de violência doméstica. 

> Leia mais: Violência doméstica: Justiça pela Paz em Casa movimenta tribunais

Na Região Norte do País, a cidade de Cruzeiro do Sul (AC), a 600 km de Rio Branco, próximo à fronteira com o Peru, também participou do julgamento de um caso de tentativa de homicídio qualificado contra uma mulher. A vítima sobreviveu a 10 facadas. O casal vivia junto havia 10 anos e o crime também foi justificado por “inconformismo pelo rompimento do relacionamento afetivo”, ocorrido cinco dias antes da violência.

O conselho de sentença foi composto por quatro homens e três mulheres e o réu foi condenado a seis anos e três meses de reclusão. O esforço concentrado no Acre mobiliza 18 juízes, que deverão presidir 560 audiências durante a Semana Justiça pela Paz em Casa.  A coordenadora Estadual das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Acre, desembargadora Eva Evangelista, informou que serão realizadas oito sessões do Júri em todo o Estado, nos quais serão julgados os casos de feminicídios.

Passarão pelo Júri Popular quatro casos ocorridos na capital (Rio Branco) e quatro no interior do Estado (Feijó, Brasileia, Porto Acre e Xapuri). “Não temos como reparar a vida das vítimas ceifadas pela violência doméstica. Cada Júri, cada audiência ou sentença realizadas jamais atenuarão a dor das vítimas nem de suas famílias, mas consistirão em resposta da Justiça à sociedade”, afirmou a desembargadora, que vê na cultura machista grande parte da responsabilidade pelas mortes de mulheres. Outra parcela, diz, deve ser creditada ao uso abusivo de álcool e drogas.

> Leia mais: Feminicídio: 10,7 mil processos aguardavam decisão da Justiça em 2017

Metendo a colher

Na Paraíba, na comarca de Alagoa Grande, próxima à Campina Grande, o Tribunal de Júri – composto por seis mulheres e um homem – foi unânime ao condenar Jorge Cândido da Rocha a 25 anos de prisão pelo assassinato de sua ex-companheira, também por não aceitar reatar o relacionamento. O juiz titular da comarca de Alagoa Grande, José Jackson Guimarães, acredita que aos poucos a cultura machista vai sendo superada. “No julgamento de hoje, o promotor aproveitou para falar do padrão cultural em que crescemos de ‘não meter a colher em briga de marido e mulher’. Estamos mudando isso. Os mutirões da Justiça contribuem para isso”, diz.

O esforço concentrado para julgar casos de violência doméstica contra as mulheres foi idealizado pela presidente do CNJ, ministra Cármen Lúcia, e faz parte da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Mais de 1 milhão de processos relativos à violência doméstica tramitam na Justiça brasileira, atualmente. Para a desembargadora Eva Evangelista, a ação do CNJ por meio do mutirão e do empenho pessoal da ministra Cármen Lúcia já provocou uma mudança significativa em relação ao tema.

A última edição da campanha ocorreu em março de 2018. Nas 10 edições do mutirão, foram mais de 147 mil audiências realizadas e 127 mil sentenças prolatadas e concedidas 65 mil medidas protetivas.

Mutirão

A Semana Justiça Pela Paz em Casa conta com a parceria das varas e juizados especializados em violência doméstica, assim como do trabalho do Ministério Público e da Defensoria Pública, para os julgamentos de Tribunais de Júri, garantindo o julgamento dos processos de crimes de violência doméstica e familiar contra as mulheres.

Ocorre anualmente em março em homenagem ao Dia Internacional da Mulher; em agosto, por ocasião do aniversário da promulgação da Lei Maria da Penha, e em novembro, durante a semana internacional de combate à violência de gênero, estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Violência contra a mulher

A violência pode se manifestar em diversas formas, como assédio sexual, agressão moral, patrimonial, física, tentativa de homicídio e feminicídio. Combater a violência doméstica contra a mulher tem sido uma das prioridades do Poder Judiciário, e o cumprimento estrito da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340, de 2006), é um de seus maiores desafios.

Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias