A população do sul do Amazonas recebe a Justiça Itinerante Cooperativa da Amazônia Legal, havendo a presença de pessoas desde a madrugada em frente às escolas onde acontece a ação coordenada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e encampada por 50 instituições. No primeiro dia da ação, segunda-feira (17/6), os atendimentos – inclusive médicos e odontológicos – chegaram, em Humaitá e Lábrea, ao total de 1.724. A previsão é superar a estimativa de 7.500 atendimentos ao final dos cinco dias de trabalho até a sexta-feira (21/6).
Antes da abertura dos portões, centenas de pessoas se organizam à espera da distribuição de senhas para o acesso às salas onde ocorre a emissão de documentos e são dadas soluções a questões previdenciárias, fundiárias, indígenas, ambientais, trabalhistas e para assistência à infância, à juventude e à população indígena. Uma avaliação preliminar, feita pela organização da ação, destaca o engajamento e a integração das instituições participantes para a solução de demandas diversas como razão para o resultado que, inicialmente, supera as expectativas.
“Temos conseguido uma entrega melhor e mais robusta para o cidadão”, afirma a juíza auxiliar da Presidência do CNJ Lívia Peres. “O engajamento de cada uma das instituições é grande. As equipes querem entregar, querem prestar um bom serviço ao cidadão, há empenho para levar dignidade às pessoas e isso é muito bom, é lindo ver essa mobilização para fazer a ação acontecer”, explica a magistrada. Ela participa diretamente da ação cooperativa em Humaitá e atuou no planejamento dos atendimentos dessa e da primeira edição do Justiça Itinerante Cooperativa em julho do ano passado, em São Félix do Xingu (PA).
O primeiro atendimento em Humaitá foi feito à agricultora Vana Ruthe Souza Oliveira, de 48 anos de idade. Ela saiu de casa, a 90 quilômetros de Humaitá, num assentamento, ainda na manhã de domingo para dar entrada num pedido de auxílio-doença. Ao se abrirem os portões do Centro Educacional de Tempo Integral (Ceti) Tarcila Padro de Negreiro Mendes, às 8h, a mão direita de Vana, evidentemente inchada, segurava envelopes com exames e documentos.
Vana se queixa de dores que há anos dificultam e até impedem que a mãe de três jovens e adolescentes cumpra as tarefas diárias para garantir a produção de mandioca e banana no terreno com 60 hectares, onde trabalha com a ajuda do segundo marido e dos filhos. “A gente está doente, contribui para o governo, enfrenta demora de mais de dois anos para conseguir um exame de saúde e vim aqui em busca do meu direito”, justificou a agricultora.
Perto das 10h da manhã, depois de passar por duas triagens, Vana tinha apresentado seus exames e laudos a uma funcionária da Justiça Federal e passava por perícia. À frente de um juiz federal e de representantes da Defensoria Pública da União (DPU) e da Procuradoria Federal, Vana apresentou o laudo pericial que atesta que as dores no braço direito se devem a uma tenossinovite. A responsável pela apresentação da demanda junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contou com o testemunho de uma vizinha para confirmar informações sobre a sua realidade.
Depois de aproximadamente meia hora para manifestação de todas as partes, a sentença deu fim à empreitada que Vana começou na manhã da véspera, quando saiu de casa, na garupa de uma moto conduzida pelo marido, em direção à itinerância. A sentença assinada pelo juiz reconheceu o direito ao recebimento de auxílio-doença, no valor de um salário mínimo, por um ano. “É uma ajuda importante, vai servir para remédio, para eu usar com passagens de ônibus”, disse pouco antes de começar o trajeto de volta para casa. Ela deverá aguardar o primeiro crédito, previsto para daqui a 90 dias, e caso o problema persista, deverá, em um ano, buscar a prorrogação do auxílio em uma agência do INSS.
“O atendimento foi bom e o resultado também”, avaliou a agricultora a respeito dos serviços que recebeu. E, na iminência de começar o trajeto para casa, para retomar a rotina no assentamento onde vive com a família, deu o seu caso como encerrado. “Valeu a pena”.
Etapas
Em Humaitá, a demanda por serviços previdenciários como a de Vana, no primeiro dia, justificou a distribuição de 150 senhas e fez com que a equipe da Justiça Federal fizesse atendimentos até as 21h30. Em geral, são pedidos de pensão por morte; de pagamento de benefícios por incapacidade permanente e temporária, por idade e por deficiência; auxílio-reclusão; e auxílio-maternidade. Depois de uma primeira triagem, a pessoa pode passar por quatro etapas: a apresentação de documentos para a composição de um processo; a fase de pesquisa e de juntada de provas; a perícia, se necessária; e, por fim, pela audiência, que resulta em decisão sobre o eventual deferimento do pedido.
A manhã desta terça-feira marcou a conclusão de um processo para a produtora rural Maria Cleonice da Cruz, de 44 anos de idade. A demanda se desenrolava desde o nascimento da caçula dos seus cinco filhos, há quatro anos. Depois de três tentativas de efetivar a apresentação de um pedido de salário-maternidade, a responsável pela residência onde vivem dez pessoas, inclusive genros, nora e sobrinho, saiu do atendimento segura de que finalmente receberá R$ 6,5 mil. “Agora, vou reformar a casa, rebocar e investir num forno novo de fazer farinha.” Para aproveitar a viagem de duas horas e meia de barco da sua comunidade até Humaitá, Cleonice adiantou que, na quarta-feira de Justiça Itinerante Cooperativa, voltará à escola em busca de assistência médica. “O atendimento foi excelente.”
“O trabalho é sempre árduo e complexo, envolve negociação, a construção conjunta de um entendimento, com muitos parceiros, e a rotina chega a ser desgastante. A equipe trabalha sem hora para parar, mas digo que traz satisfação”, conta a diretora do Gabinete Executivo de Apoio a Juizados Especiais da Justiça Federal de Rondônia, Luana Aria. “É um caminho muito rápido, uma ação de fase única e, quando se conclui um atendimento, percebo surpresa, emoção até, na hora que o cidadão consegue resolver tudo, questões que se desenrolam há anos, de uma só vez.” A tradição no atendimento a populações ribeirinhas e de comunidades distantes de centros urbanos rende um diferencial para essa equipe, que integra o Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1).
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Parceiros
O Poder Judiciário reúne, nessa ação, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Tribunal Superior do Trabalho (TST), o Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1), o Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO), o do Amazonas (TJAM) e o do Acre (TJAC), além dos Tribunais Regionais do Trabalho da 11.ª Região (Amazonas e Roraima), e da 14.ª (Rondônia e Acre). Também reforçam a itinerância a Seccional do Amazonas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Amazonas (Arpen-Am).
Do Executivo Federal, são participantes os ministérios da Defesa; da Justiça e Segurança Pública; da Previdência Social; do Meio Ambiente e Mudança do Clima; do Trabalho e Emprego; dos Povos Indígenas; dos Direitos Humanos e Cidadania; e do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. Também integram a ação a Advocacia Geral da União (AGU), o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Também estão envolvidos o Ministério Público Federal (MPF), o do Trabalho (MPT), o do Amazonas (MPAM) e o de Rondônia (MPRO), as Defensorias Públicas da União (DPU) e do Amazonas, o Governo do Amazonas e de Rondônia e as prefeituras de Lábrea e Humaitá.
Texto: Luís Cláudio Cicci
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias
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