Garantir o acesso a um serviço atualizado e adotar critérios técnicos para julgar a inclusão de novas tecnologias na saúde são alguns dos desafios que o Judiciário brasileiro deve enfrentar em relação à demanda crescente do setor. Para participantes do Seminário “Judicialização da Saúde Suplementar”, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) naa quarta-feira (27/4), é preciso lembrar que não é possível oferecer uma cobertura universal dessas tecnologias, mas também é preciso dar, minimamente, acesso a tratamentos atualizados.
Para o juiz federal e membro do Comitê Executivo do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (Fonajus), Clênio Jair Schulze, há um sistema multiportas para a adesão a novos tratamentos, medicamentos e procedimentos em saúde: o Comitê Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), do Ministério da Saúde, e a ANS, que analisam e fazem os estudos científicos na incorporação no âmbito da saúde pública e suplementar, respectivamente. “Mas há uma terceira forma de incorporação dessa tecnologia que é pela atuação do Poder Judiciário.”
Schulze ressaltou que o Judiciário precisa levar em consideração os aspectos técnicos adotados pela Conitec e pela ANS ao tomar suas decisões. O juiz do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) afirmou que há uma perspectiva equivocada de conceder tudo a todos, ou seja, a ideia de que exista uma cobertura universal das tecnologias em saúde. Segundo ele, esse pensamento é equivocado, já que isso não é possível de ser oferecido nem pela saúde pública, muito menos na saúde suplementar, cujas limitações já foram definidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). “A magistratura brasileira precisa atuar com critérios já definidos pelo STF de prevenção e precaução na saúde.”
Para o defensor público do Distrito Federal Ramiro Nóbrega Santana – que também integra o Comitê Executivo do Fonajus -, apesar dos limites contratuais e legais, é preciso garantir o acesso a tratamentos efetivos e atualizados. “Se não podemos oferecer a todos uma tecnologia de ponta, qual é a alternativa? Não pode ser um tratamento desatualizado.” Santana lembrou ainda que a continuidade de cobertura também precisa ser assegurada. “Esse é um problema fundamental para vários pacientes que têm planos cancelados ou descontinuados de maneira dramática e desumana nos falsos planos coletivos por adesão, por exemplo.”
Segundo o defensor público, há duas saúdes paralelas: a pública e a privada. Não há mais que se falar em uma que seja suplementar. “Nós temos dois caminhos: de um lado, o direito constitucional da saúde; e do outro, o direito consumerista, relacionado aos planos de saúde. Mas eles se encontram na judicialização da interface do público-privado.”
Ele ressaltou que a desregulação do setor privado permitiu a comercialização de planos de baixa cobertura, chamados também de populares. “Um nicho da judicialização que tem crescido muito é a decorrente dessa interface que não está muito bem encaixada entre o privado e o público, o que se reflete na política pública e na questão institucional e de regras para atendimento dos pacientes.”
Para Santana, é preciso que os dois aspectos da saúde conversem para que haja efetivamente um plano constitucional de uma saúde única, “que pode não ser única no tratamento, mas única institucionalmente. Para dar um recado para a sociedade brasileira de que temos um tratamento de saúde para o cidadão e não um tratamento para a classe mais abastada; e outro precarizado para a população geral”.
O desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) Mário Augusto Albiani Alves Júnior observou que juízes e juízas têm um papel que extrapola os limites do processo e olham para a medicina baseada em evidências e a resolução de conflitos como ferramentas para atender a sociedade sem sobrecarregar o Judiciário.
Jair Schulze reforçou esse pensamento ao afirmar que o Brasil migrou de uma jurisprudência “outrora sentimental em relação à judicialização da saúde, para uma jurisprudência baseada em evidências. Quem sabe tenhamos futuramente uma visão na jurisprudência baseada em valores, em que o olhar tenha um pé no resultado em que se entrega a sociedade brasileira”.
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Rol da ANS
No último painel do seminário, foram levantadas questões relativas ao rol da ANS, que define a cobertura mínima dos planos de saúde. Apesar de sua atualização ser periódica – a cada 180 dias, como determina a Lei n.14.307/2022, que alterou a Lei dos Planos de Saúde (9.656/1998), para dispor sobre o processo de atualização das coberturas no âmbito da saúde suplementar -, os palestrantes apontaram os debates e questões sobre o rol e os desafios econômicos da cobertura.
Para o juiz Luiz Mario Moutinho, do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), a estrutura normativa do Estado regulador pode ampliar os conflitos plurilaterais que existem entre beneficiários e operadoras de planos de saúde. Ressaltou que os magistrados gostariam de “dar tudo a todos”, mas que isso poderia fazer faltar tudo a todos. “É preciso observar a questão regulatória, pois o rol pretende limitar os caminhos terapêuticos sem negar um caminho.”
Moutinho acredita que “precisamos rever a forma de enxergar o rol”. “A nova lei diz que a amplitude da cobertura será estabelecida pela ANS, mas é preciso levar em conta a perspectiva do consumidor de forma coletiva, defendendo o direito do consumidor, mas sem tirar do outro esse mesmo direito.”
Falta definir, segundo o professor de mestrado em direito médico da Universidade Santo Amaro (Unisa) Georghio Alessandro Tomelin, se o rol seria o piso de serviços oferecidos ou o teto. De acordo com ele, o julgamento do STJ sobre tema poderá trazer interpretações diferentes em cada situação. “O rol é uma lista mutável, aplicado a um ambiente regulado, no qual empresas privadas podem participar, onde o lucro é uma questão importante, mas a disputa das narrativas aponta variáveis que miram o equilíbrio entre o cuidado e a economia.”
Lenir Camimura
Agência CNJ de Notícias
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