Em novembro de 2020, durante o primeiro ano da pandemia da Covid-19, uma trabalhadora de uma empresa de energia de Cuiabá (MT) descobriu que estava grávida. Com medo de expor a si mesma e o bebê à doença para a qual ainda não havia vacina, ela comunicou o fato à empresa e, certa de que estava amparada pela legislação, se afastou do trabalho.
Em fevereiro de 2021, ela foi demitida por justa causa por abandono de emprego. Em junho do mesmo ano, buscou o Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (TRT23) para reverter a decisão da empresa. O processo foi julgado pela 4ª Vara do Trabalho de Cuiabá, que acolheu o pedido e determinou pagamento de indenização correspondente aos salários que ganharia entre a data da dispensa e setembro de 2021, quando acabaria o período de estabilidade da gestante. Ainda cabe recurso em segunda instância.
A juíza Deizimar Mendonça conta que a decisão foi tomada com base no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, instituído em 2021 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo a magistrada, o protocolo reconhece as desigualdades históricas a que as mulheres estão submetidas e as consequências no reconhecimento de direitos nas decisões judiciais.
Ela explicou que a jurisprudência exige, quando há uma acusação de abandono de emprego, prova de que houve convocação para o retorno ao trabalho. Além disso, “em se tratando de empregada gestante no ápice da pandemia, a empresa deveria ter oferecido alguma alternativa, como a realização de teletrabalho ou mesmo a suspensão do contrato”.
A empresa alegou que a lei 14.151/2021, que disciplinou o afastamento de empregada gestante não imunizada durante a pandemia, não se aplicaria à trabalhadora, já que entrou em vigor após ela ter sido dispensada. Deizimar Mendonça destacou medidas provisórias e os decretos que possibilitavam o direcionamento da trabalhadora para qualificação, a redução proporcional da jornada e do salário e também a suspensão do contrato de trabalho, por até seis meses, ficando os salários do trabalhador a cargo do governo federal.
“A empresa, conhecedora de que era possível minimizar os riscos da pandemia, inclusive com a suspensão do contrato de trabalho e, mesmo ciente de que a trabalhadora estava grávida, não tomou nenhuma providência, tampouco notificou a obreira para comparecer, deixando transcorrer prazo suficiente para aplicar a justa causa por suposto abandono”, avaliou.
Além dos salários que receberia até o final do período de estabilidade, a empresa deverá pagar à empregada o aviso prévio proporcional, gratificação natalina e demais verbas trabalhistas. Deverá também comunicar o desligamento para fins de saque do FGTS e expedir as guias do seguro-desemprego, sob pena de pagar indenização substitutiva.
Fonte: TRT23