Um grupo de 61 presos do regime semiaberto que cumpriam pena no interior de São Paulo recebeu da Justiça o direito da prisão domiciliar, por fazer parte do grupo de risco para contágio da Covid-19. Entre os beneficiados, há idosos, portadores do vírus HIV, tuberculose, câncer, presos com doenças respiratórias, cardíacas e imunodepressoras, além de diabéticos. A concessão do direito a prisão domiciliar a presos dos regimes semiaberto e aberto está baseada na Recomendação CNJ n. 62. Ela reúne orientações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aos tribunais para resguardar a saúde da população dentro e fora das prisões durante a pandemia provocada pelo novo coronavírus.
De acordo com o relatório da juíza Sueli Zeraik, a decisão levou em consideração o risco epidemiológico que representaria a permanência dos doentes crônicos e idosos em uma unidade prisional que foi parcialmente destruída durante uma rebelião no último dia 16/3. Seguindo as indicações do CNJ, a prisão domiciliar foi concedida mediante algumas condições. Na decisão do último dia 27/3, a magistrada proibiu os 61 homens de sair de casa ou se mudar da comarca sem autorização judicial.
Riscos estruturais
Durante o motim, um incêndio consumiu quatro pavilhões do CPP de Tremembé. Parte das instalações agora corre risco de desabamento, de acordo com a engenharia da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo (SAP). Contrários à decisão da Justiça paulista que suspendeu as visitas em unidades prisionais do estado como medida de prevenção à Covid-19, os rebelados foram responsáveis pelo fogo que também consumiu os estoques de material de higiene e limpeza da unidade, além de pertences pessoais e dos colchões onde os presos dormiam.
“Sem peças de vestuário para troca e com a proibição da visitação, os presos permanecem com a roupa do corpo desde o dia da rebelião”, relatou na decisão a magistrada, que esteve na unidade prisional depois dos incidentes e constatou a condição do local. A insalubridade do ambiente também foi registrada pela Vigilância Sanitária e da Defesa Civil do Estado, em laudos que integram a decisão judicial.
Para identificar os doentes crônicos, foi necessário contar com médicos voluntários da região e de funcionários do CPP, uma vez que prontuários médicos e os remédios também foram incendiados.
“É sabido ser alto o risco de transmissão deste vírus, que obviamente se intensifica sobremaneira em ambientes precários de confinamento, como no caso do (CPP de Tremembé), onde, além da grande destruição na parte estrutural, se observa aglomeração de indivíduos em espaços reduzidos, insalubridade no ambiente, inexistência de equipes de saúde, carência de itens básicos de higiene, impossibilidade de identificação/isolamento de presos sintomáticos ou de pronta implementação das recomendações e protocolos determinados pelas autoridades sanitárias”, afirmou a juíza Sueli Zeraik, em decisão que atendeu a parte de um pedido apresentado pela Defensoria Pública do Estado.
A magistrada propôs ainda a interdição do CPP de Tremembé à Corregedoria-Geral da Justiça do Estado, órgão que tomará uma decisão a respeito da situação. A sugestão da juíza é proibir a entrada de novos presos até que a estrutura física e material da unidade seja restabelecida, em nome do princípio da dignidade humana, assegurado pelo Artigo 1º da Constituição Federal.
Referência na pandemia
A declaração de pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11 de março, e a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, decretada pelo Ministério da Saúde no início de fevereiro, levaram o CNJ a editar um conjunto de procedimentos para garantir a integridade física da população carcerária, agentes prisionais, magistrados e servidores da execução penal, além da sociedade em geral, diante do alto grau de disseminação da Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus. A norma também abrange o sistema socioeducativo, onde adolescentes cumprem medida socioeducativa por atos infracionais.
Desde a edição do ato normativo, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) já recomendou aos países do continente a adoção do protocolo do CNJ de prevenção à Covid-19. Outras entidades que também monitoram as condições de encarceramento – o Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege) e a Associação para a Prevenção da Tortura (APT) – também manifestaram apoio à Recomendação CNJ n. 62.
A norma do CNJ se baseia nos direitos e nas liberdades fundamentais das pessoas mantidas em privação de liberdade pelo Estado brasileiro, conforme previsto na Constituição Federal, na legislação da área e nos tratados internacionais firmados pelo Brasil. A orientação considera o elevado risco de contágio da doença para todos que trabalham nos sistemas da justiça penal e da juvenil, sem deixar de observar o devido processo legal.
Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias