Ao longo das décadas, o Judiciário cearense tem empreendido esforços para se adaptar às mudanças sociais, tecnológicas e legislativas de seu tempo, facilitando o acesso do cidadão. Essas transformações não consistem apenas na busca por soluções digitais e na automação de rotinas, mas também na produção de decisões impactantes, que representam uma mudança para a sociedade.
Diariamente, as Varas, os Juizados e os Colegiados do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) avaliam casos em busca de solucionar dores e angústias das partes envolvidas, destacando a missão do Judiciário de garantir direitos. “A Justiça desempenha um papel ativo na promoção de mudanças sociais ao reconhecer e corrigir injustiças, além de contribuir para a transformação de atitudes e normas culturais. O impacto vai além das partes diretamente envolvidas nos processos, influenciando a sociedade como um todo e moldando o caminho em direção a uma comunidade mais inclusiva e diversificada”, defende Erinaldo Dantas, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Ceará (OAB-CE).
O presidente da OAB-CE lembra ainda do desempenho alcançado pelo Tribunal na aceleração da implantação do Processo Judicial Eletrônico (PJe) e na criação de novas ferramentas durante o período da pandemia de Covid-19. “Essas iniciativas demonstram a capacidade de reinvenção da Justiça diante de desafios extraordinários.”
Defesa da Mulher
Em 2010, a então 6ª Câmara Cível do Tribunal julgou o caso de uma noiva que foi abandonada pelo noivo no dia do casamento civil, em 1998, no município de Palhano. O homem, que desistiu do matrimônio por afirmar que a então companheira não era mais virgem, desejava alterar a decisão judicial da Comarca que o condenou a pagar R$ 10 mil em indenização por danos morais.
Considerando a garantia constitucional da inviolabilidade da intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, o colegiado de 2º Grau manteve a sentença inalterada. Destacou-se que o não comparecimento do noivo à celebração do casamento civil, por si só, já ensejava reparação, mas que a situação foi ainda mais grave, uma vez que houve “exposição social ao ridículo e ampla repercussão do fato na pequena cidade”.
Ainda no âmbito da defesa dos direitos de gênero, houve o julgamento de um dos crimes de grande repercussão nesse contexto. Envolveu homem acusado de atear fogo à ex-companheira no Dia dos Namorados por não aceitar o término do relacionamento. A mulher, que teve 80% do corpo queimado, morreu após passar 21 dias internada. No ano passado, apenas seis meses após o crime, o acusado foi julgado no Fórum Clóvis Beviláqua e condenado pelo Conselho de Sentença da 3ª Vara do Júri de Fortaleza a 29 anos de prisão, sendo 28 por feminicídio qualificado e um ano por perseguição.
Combate à Homofobia
A então 8ª Câmara Cível do TJCE decidiu favoravelmente a um garçom cearense, para que pudesse utilizar o sobrenome do companheiro suíço. Conforme o processo, o brasileiro foi morar no país europeu nos anos 2000 e formalizou a união em 2007, seguindo a legislação da Suíça. Em 2008, o cearense pediu a inclusão do sobrenome do parceiro, mas teve a solicitação negada, uma vez que a Justiça brasileira, na época, ainda não reconhecia o casamento homoafetivo. Em 2012, a inclusão foi revista e concedida, observando que esse era um direito de todos e que o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar consistia em um importante passo contra a discriminação.
Em 2017, os olhos do país se voltaram para o Ceará em decorrência do Caso Dandara, a travesti que foi brutalmente assassinada em fevereiro daquele ano, no bairro Bom Jardim, em Fortaleza. Dandara foi agredida e morta com dois tiros, sendo a ação gravada e divulgada na internet. Em 2018, os acusados pelo assassinato foram julgados e condenados. Francisco José Monteiro de Oliveira Júnior recebeu pena de 21 anos de prisão; Jean Victor Silva Oliveira, Rafael Alves da Silva Paiva e Francisco Gabriel Campos dos Reis foram sentenciados a 16 anos de reclusão; Isaías da Silva Camurça foi condenado a 14 anos e seis meses; e Júlio César Braga da Costa recebeu pena de 16 anos.
O caso Dandara foi julgado no âmbito do programa “Tempo de Justiça”, que vem acompanhando homicídios com autoria esclarecida desde janeiro de 2017. A denúncia do Ministério Público do Ceará foi recebida em março de 2018 e a decisão do Conselho de Sentença foi proferida oito meses depois.
Chacina
No último ano, o Estado parou para acompanhar o julgamento de policiais acusados de 11 homicídios ocorridos em novembro de 2015, no Curió, na região da Grande Messejana.
Em junho, a imprensa do país inteiro, e até a internacional, acompanhou o desenrolar do primeiro de três julgamentos ocorridos no 1⁰ Salão do Júri da Comarca de Fortaleza, no qual quatro réus foram condenados a mais de 275 anos de regime fechado, cada um.
Em agosto e setembro, aconteceram outros dois julgamentos. No segundo, os oito réus foram absolvidos. Já no terceiro, foram duas condenações e seis absolvições, incluindo a desclassificação de um dos réus para julgamento na Vara de Auditoria Militar.
Com mais de 13 mil páginas e envolvendo 30 policiais militares acusados de homicídios consumados e tentados, além de crimes conexos, como tortura, o processo foi desmembrado em três (1, 2, 3) para facilitar a análise e agilizar os trabalhos. Outros dez réus foram pronunciados por crimes relacionados ao caso, mas aguardam resultados de recursos em instâncias superiores e novos julgamentos do caso ainda serão realizados. Atualmente, esse é considerado o julgamento mais longo dos 150 anos de Tribunal de Justiça, somando 214 horas e 50 minutos.
Amor Além do Sangue
Em 2017, a 2ª Câmara de Direito Privado do TJCE restabeleceu o direito de uma mulher que foi adotada de receber a herança deixada pelo pai. De acordo com o processo, após o falecimento do ente querido, os tios paternos entraram com ação de nulidade do registro civil, impedindo que a mulher tivesse acesso à herança.
Os tios argumentaram que a mulher, entregue ao homem e à esposa, também já falecida, com poucos dias de nascida, não mantinha vínculo familiar com o casal, uma vez que, na verdade, apenas morava na residência exercendo trabalhos domésticos. O restabelecimento da herança já havia sido garantido em decisão anterior, porém, os familiares apelaram ao TJCE. Considerando que “o registro de criança como filha biológica, além de demonstrar a posse do estado de filha, revela o amor e a vontade dos adotantes de ter aquele bebê como filha”, a Câmara manteve a sentença a favor da mulher.
Contra o Racismo
Em janeiro de 2012, a então 5ª Câmara Cível do TJCE condenou um supermercado a pagar R$ 10 mil em indenização por danos morais a uma cliente que foi falsamente acusada de furto.
Conforme o processo, depois de pagar pelos produtos adquiridos no estabelecimento, uma quantia de R$ 10,66, a mulher foi abordada por um funcionário, que lhe tomou a sacola das mãos e espalhou as mercadorias no balcão, chamando-a de “negra” e acusando-a de furto diante de muitas pessoas. O gerente do mercado compareceu ao local e a vítima apresentou a nota fiscal para comprovar a aquisição dos produtos. A mulher é hipertensa e passou mal em decorrência do episódio. Por isso, buscou a Justiça para pleitear uma reparação pelos danos sofridos. Ao proferir a decisão, o relator ressaltou a função pedagógica da decisão que visou combater “a repetição desse reprovável comportamento”.
Em um outro caso, de 2021, a 2ª Câmara de Direito Privado condenou uma barraca de praia a pagar R$ 10 mil em indenização a um casal que foi impedido de participar de um evento junino que ocorria no restaurante, reservado a taxistas e seus familiares. O homem, que era taxista, compareceu ao evento acompanhado da esposa, mas foi impedido de entrar na barraca por um funcionário que afirmou que a festa era restrita e que a mulher não seria esposa dele, pois era loira, e ele, negro. A barraca chegou a recorrer ao TJCE, porém, considerando a situação vexatória vivenciada pelo casal, os desembargadores decidiram manter a sentença.
Fonte: TJCE