O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) selecionou os quatro tribunais que irão receber os projetos pilotos para implementação do depoimento especial de crianças e adolescentes vítimas de violência (Lei nº 13.341/2017), com resguardo das normas protetivas dos valores sociais e culturais dos povos e comunidades tradicionais. A escolha ocorreu na primeira reunião do GT, realizada de forma virtual nesta sexta-feira (29/1), sob coordenação da conselheira Flávia Pessoa, que também é presidente do Fórum Nacional da Infância e da Juventude (Foninj).
Foram escolhidos dois tribunais de Justiça da região Norte, um da região Centro-Oeste e um da região Nordeste. A próxima etapa será a formalização dessas parcerias com os tribunais e o pedido de indicação de um representante de cada um para participar do próximo encontro, previsto para fevereiro. Os projetos serão elaborados em conjunto com os tribunais para melhor adequação às especificidades locais e dos povos e comunidades tradicionais.
Ao final de todo o processo, será produzido um manual prático de depoimento especial para o juiz dessas causas e a rede de proteção atuarem diante de uma situação de violência contra crianças e adolescentes de povos e comunidades tradicionais. A conselheira informou que a ideia é que o manual fique pronto em novembro e que o GT faça uma apresentação no dia 10 de dezembro, por ocasião do Dia Internacional dos Direitos Humanos. “Será bem emblemático dar uma resposta à sociedade e mostrar o que está sendo feito, mostrar pelo olhar do Judiciário. Há necessidade de pensarmos uma política pública de efetiva inclusão dos povos e comunidades tradicionais no sistema de Justiça e na proteção das nossas crianças e adolescentes”, afirmou.
Metodologia
Além dos indígenas, os povos e comunidades tradicionais englobam ainda ciganos, quilombolas e extrativistas, entre outros. Segundo a conselheira Flávia, a próxima fase, de validação dos projetos pilotos, será construída a partir de referenciais locais do processo de desenvolvimento do depoimento ou de todo trâmite até chegar ao depoimento especial das crianças e adolescentes. “É um campo metodológico e vai ter que ser construído localmente, levando em consideração as limitações de cada tribunal e das organizações que vão se envolver com as comunidades tradicionais.”
A juíza auxiliar da Presidência do CNJ e integrante do Foninj Lívia Cristina Peres falou sobre a necessidade de ter um olhar macro, pois são quatro tribunais de regiões diversas. “Vamos contar muito com a participação das equipes locais dos próprios tribunais, porque o projeto será desenvolvido na ponta.” A magistrada anunciou a contratação de um consultor, via parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), para dar apoio ao GT, documentando todo o trabalho do grupo e dos projetos pilotos.
A metodologia de aproximação inclusiva também considera o cenário da pandemia de Covid-19 que impacta na maneira de estabelecimento de contato com as lideranças, a forma de garantir a efetiva participação das comunidades e o mapeamento das organizações que atuam localmente.
O GT foi instituído pela Portaria 298/2020. Também integram o grupo de trabalho: o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) José Antônio Daltoé Cezar, e o juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, Gabriel da Silveira Matos – ambos integrantes do Foninj –, e ainda: a subprocuradora-geral da República e coordenadora da 6ª Câmara da Procuradoria-Geral da República, Eliana Peres Torelly de Carvalho; o juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) Eduardo Rezende Melo; a promotora de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul Denise Casanova Vilela; a defensora pública federal Daniele de Souza Osório; a servidora da Fundação Nacional do Índio (Funai) Lídia Neira Alves Lacerda; o professor da Faculdade de Etnodiversidade da Universidade Federal do Pará Assis da Costa Oliveira; e o professor doutor, antropólogo e consultor da Childhood Brasil e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Benedito Rodrigues dos Santos.
Depoimento especial
O depoimento especial visa preservar a integridade física e emocional das crianças que já passaram por uma violência e não podem ser revitimizadas pela Justiça. A medida atende às determinações previstas na Resolução CNJ 299/2019, que garante a crianças e adolescentes, vítimas ou testemunhas de violência, terem seus depoimentos colhidos em espaços adaptados e por pessoas com treinamento específico. Para as crianças e jovens pertencentes a povos e comunidades tradicionais, o tratamento deve ser adequado às normas aplicáveis em razão das suas especificidades, como a Constituição Federal (art. 231) e da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (artigos 13.2, 21 e 22).
Carolina Lobo
Agência CNJ de Notícias