O fotógrafo Sebastião Salgado, que tem mobilizado globalmente em prol da proteção da Amazônica e dos povos indígenas em meio à pandemia da Covid-19, afirma que o Poder Judiciário tem promovido uma “resistência colossal em defesa do meio ambiente”. Ele participou em 21 de agosto da Audiência Pública Clima, Florestas e parcerias – ODS 13, 15 e 17, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para aprimorar as ações dos tribunais que apoiam o atingimento da Agenda 2030 no Brasil.
A reunião, que contou com a contribuição de mais de 30 entidades e órgãos públicos, foi presidida pela conselheira Maria Tereza Uille Gomes, que também é coordenadora da Comissão Permanente de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e da Agenda 2030, com a participação da juíza auxiliar da Presidência do CNJ Dayse Starling.
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Sebastião Salgado emocionou o público e demais participantes com seu relato em prol da defesa da Amazônia. Ele foi o responsável por trazer a necessidade de proteção aos povos indígenas em meio à pandemia da Covid-19 ao Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impactos e Repercussão, iniciativa do CNJ e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
O fotógrafo, apesar do “drama” que o vírus trouxe para o Brasil, afirma seu otimismo sobre o desfecho da crise ambiental. “Hoje existe mesmo um despertar brasileiro, um despertar nacional em direção a essa parte esquecida por muitos anos pelos brasileiros, a Amazônia.”
Salgado enaltece o potencial de riqueza do território amazônico e denuncia as queimadas e o desflorestamento, apresentando dados sobre o valor do hectare da floresta amazônica e o investimento desproporcional para reconstruí-lo. Ele defende um projeto econômico para a região, mas “sem derrubar uma só árvore” e que atenda às necessidades da população brasileira.
Diálogo
A conselheira Maria Tereza Uille Gomes destacou a Portaria Conjunta nº 3, de 8 de maio deste ano, assinada pelo ministro Dias Toffolli e pelo procurador-geral da República e presidente do CNMP, Augusto Aras. O documento criou uma força tarefa para atuar em prol da Amazônia legal e da questão indígena.
Uille afirma que o Poder Judiciário está sensível às causas socioambientais e destaca a importância da audiência pública propor um espaço de diálogo a representantes tão diversos. “É preciso ter esperança. Mas, para além da esperança e da boa vontade no diálogo, a certeza de as instituições querem cumprir o seu papel.”
Para ela, o debate vai além da questão climática e ambiental. “Acho que estamos falando de um tema que diz respeito a direitos humanos, o direito humano das pessoas, de qualidade de vida, de ter a condição climática preservada, de não ter desastres ambientais provocados pelo aquecimento global e pela escassez de água. Portanto, o direito humano de viver com qualidade de vida.”
A conselheira Maria Tereza Uille agradeceu a todos que “constroem o Poder Judiciário”, afirmando que “o país precisa que a magistratura saiba dialogar, saiba encontrar o espaço pacífico de solução de conflitos. Mas, sobretudo, que saiba garantir a cidadania das pessoas que vivem nessas florestas, os povos das florestas e a floresta em si”.
Soluções interdisciplinares
Segundo a desembargadora aposentada do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), Vera Lucia Jucovsky, “o Judiciário brasileiro foi pioneiro no mundo em promover ações em seu planejamento estratégico para a integração dos ODS e da Agenda 2030 nas metas do Judiciário”. Ela sugere a capacitação continuada de conciliadores e mediadores especializados em direito ambiental, em mudanças climáticas e em direitos indígenas.
Mara Elisa Andrade, juíza do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), trouxe a sua experiência de trabalho no Fórum. “O debate sobre desenvolvimento econômico e proteção ambiental é um debate que vem para as nossas varas ambientais com uma carga de tensão enorme e trazendo muitos desafios e complexidades”, relatou. Ela classificou o crescimento do desmatamento da Amazônia como “uma cadeia de ilícitos que envolve a grilagem de terra, a exploração ilícita de madeiras e também o desenvolvimento de uma agropecuária predatória que não se conforma com os padrões legais já estabelecidos”.
Alexandre Vidigal, secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia, representa um setor “mal compreendido pelos brasileiros”, como reconhece. Ele explicou que a mineração é transversal a, pelo menos, 15 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). “Falar em mineração é falar de geração de riqueza”, afirmou. Ele defendeu um modelo de mineração modernizada, que visa à redução das desigualdades e que não condiz com os desastres de Mariana e Brumadinho, classificando esses exemplos como “mineração do passado”. “A mineração contemporânea é absolutamente compatível com os mais rigorosos critérios de sustentabilidade.”
A coordenadora do projeto da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável – Indicadores ODS na presidência do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Denise Kronemberger, apresentou detalhado estudo sobre métricas e indicadores dos ODS, reportando como o IBGE funciona junto à Agenda 2030. Segundo Denise, são 17 grupos coordenados pelo IBGE para se discutir os 79 indicadores globais. Após a exibição de métricas feitas a partir de tantas interações, experiências e diálogos, a coordenadora destaca a coletividade como o caminho para avançar nas pesquisas. “A colaboração interinstitucional é fundamental em qualquer ação relativa à Agenda 2030 e à construção de indicadores.”
Papel decisivo
Caio Borges, representante do Instituto Clima e Sociedade, também reconheceu a atuação do Judiciário em prol do meio ambiente. “O Judiciário brasileiro e de outras jurisdições têm sido chamados a decidir sobre questões envolvendo mudanças climáticas”, contou. Borges destacou a importância da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 708, no STF, e discute uma possível inação do governo federal na aplicação do Fundo Clima. “O Judiciário deve ser parte dessa governança climática.”
O engenheiro agrônomo Amarildo Souza de Paula destacou a Lei 9985/2000, que implantou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e comemora 20 anos este ano. “Segundo dados do Ministério do Meio ambiente, há 2.446 áreas de conservação, 1.667 de proteção integral e o resto de uso sustentável. Há apenas 352 áreas de conservação na Amazônia”, afirmou. Ele defendeu que a lei seja efetivamente aplicada, pois ela regulamenta políticas públicas para o sistema de preservação e conservação da natureza.
Marcelo De Nardi, magistrado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), indicou a regulação como principal caminho de tornar o meio ambiente um valor para a sociedade. Ele considera o cenário da via internacional pouco efetivo uma vez que “a dificuldade da regulamentação e implantação efetiva desse sistema de mitigação dos resultados e dos danos ambientais é traduzido nos créditos de carbono e nas transferências internacionais”. O juiz aposta em soluções nacionais para a regulação como o sistema de créditos de carbonização, já inserido na política de biocombustível do país e acessível a qualquer pessoa que queira investir.
O representante do Núcleo do Meio Ambiente da Universidade Federal do Pará (UFPA), Marcio Teixeira Bittencourt, reportou a diminuição de 50% do número de processos relacionados à temática ambiental de 2018 a 2019. Nesse cenário, “mesmo dentro de um quadro do INPE que comprova o aumento da degradação, [o baixo número de processos] diminui a possibilidade de reparação da degradação”, explicou. Ele sugeriu a publicação de resolução do CNJ proibindo expressamente acordos ou transações que não contemplem a recuperação dos danos ambientais, que, segundo Bittencourt, embora prevista na legislação, não é efetivada.
Luciane Munch, corregedora do TRF4, compartilhou a atuação de seu segmento no meio judiciário. “A corregedoria não tem só uma função fiscalizadora do trabalho dos juízes, não é só um órgão de punição. Nós temos, na minha gestão, utilizado a corregedoria como uma função educativa, de orientação”, afirmou. Ela relatou a estratégia de dar igual peso a responsabilidade socioambiental em todas as varas e unidades judiciais e administrativas relacionada ao meio ambiente para aferir a produtividade dos juízes e juízas. E ainda destacou o projeto “Pertencer para a Futuridade”, que estimula os servidores a desenvolverem o protagonismo sobre a própria vida, motivação para o dia a dia e atuação em prol do bem do planeta.
Já Vânila Moraes, juíza titular da 18ª Vara Federal em Belo Horizonte (MG), deixou o agradecimento dos juízes federais do Centro Nacional de Inteligência, organismo de onde é membro. E trouxe uma mensagem de esperança. “A certeza de que os trabalhos coletivos que estão sendo realizados com advogados, com as instituições, com acadêmicos, com defensores, com o Ministério Público, vão certamente transformar nossa nação.”
O conselheiro na Delegação Permanente junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), Sergio Aguiar Viana de Carvalho, reforçou como a promoção do desenvolvimento sustentável se encaixa nas regras do sistema multilateral de comércio. “De forma geral, o que se pretende é autorizar os membros da OMC a possibilidade a adotar medidas de desenvolvimento sustentável. E garantir que essas medidas não sejam usadas como forma de protecionismo disfarçado”, contou. O potencial agrícola e energético do Brasil são os exemplos que oferece para falar dos resultados comerciais alcançados. “Nas últimas décadas, o Brasil tem investido em tecnologia e produtividade proporcionando o crescimento da produção e preservando o meio ambiente.”
A audiência pública ainda contou com a exibição de vídeo da Associação de Indicadores de Direitos Humanos para o Desenvolvimento (AiDH) sobre o desafio: como integrar a Agenda 2030 com a revisão periódica universal do Conselho de Direitos Humanos de Genebra, que traz a visão de outros países sobre o que eles querem e esperam do Brasil.
O vídeo retrata as Recomendações Periódicas Universais (RPU), mecanismo cooperativo que visa a implementação dos direitos humanos nos territórios dos países membros da ONU e prevê avaliações de 4 a 5 anos. Nos relatórios anteriores, duas das sugestões de outros países ao Brasil foram: a fiscalização mais intensa e a proteção aos povos indígenas.
Clara Wardi
Agência CNJ de Notícias