Judiciário se une à luta de pessoas com deficiência para concretizar direitos

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Foto: Ana Araújo/Agência CNJ de Notícias
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Meia-noite em ponto em São Sebastião, cidade que fica a 20 km do centro de Brasília, no Distrito Federal. O dia quente e seco foi longo, mas nem todos dormem. Cláudia Souza Coelho, de 51 anos, tenta agendar a van para levar seu filho Carlos a uma consulta no Hospital da Criança, da rede pública de saúde. Ela não consegue, apesar de o transporte ser um direito previsto em política pública. Essa tentativa se repete duas vezes por semana. A cada vez que não consegue, Cláudia é obrigada a gastar R$ 40,00 para completar, com um motorista de aplicativo, o trajeto de mais de um ônibus na ida e na volta. Carlos, o filho de 10 anos, nasceu com distrofia muscular, doença degenerativa incurável. “Infelizmente, ele só piora”, lamenta a mãe, que tenta dar ao filho o mínimo conforto que sua condição permite. Além de Carlos, ela tem outros dois filhos.  

Carlos e sua mãe, Cláudia. Foto: Ana Araújo/Agência CNJ de Notícias

A história de Carlos e sua mãe Cláudia soma-se aos quase 19 milhões de brasileiros (cerca de 9% da população) que serão lembrados, neste sábado (21/9), quando se comemora o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. Instituído em 2005, por meio da Lei n. 11.133, a data marca a conscientização de reivindicações anticapacitistas, no Brasil, e a mobilização social para maior inclusão dessas pessoas. 

 

 

Ações do CNJ 

No Conselho Nacional de Justiça (CNJ), essas e outras necessidades são tratadas pelo Comitê dos Direitos de Pessoas com Deficiência no Âmbito Judicial. O conselheiro Pablo Coutinho preside o colegiado instituído em 2022. “Para além do uso dos equipamentos e dos programas, mães e pais de pessoas com deficiência têm assegurados seus direitos, e isso deve continuar avançando. É preciso assegurar a saúde e corrigir problemas, disponibilizando judicialmente recursos que planos de saúde ou o Poder Público ainda não disponibilizam”, afirma o conselheiro. 

Os avanços na questão de acessibilidade física e eletrônica são inegáveis, na opinião do conselheiro, mas é preciso avançar mais. Para ele, a defesa dos direitos coletivos representa um mecanismo importante no sentido de tirar da Justiça parte dessas questões. “O processo judicial é caro, moroso e demanda esforço, energia e tempo em muitas situações que poderiam ser resolvidas extrajudicialmente”, reforça o conselheiro. 

Ele explica que as demandas são inúmeras, mas o comitê direcionou a atuação para questões colocadas a partir da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que detém status de norma constitucional. “A convenção detalha aspectos referentes à não discriminação, à igualdade perante a lei, à livre independência, ao direito a trabalho e emprego. E a análise da limitação precisa avançar sobre o aspecto biopsicossocial e não ficar somente no aspecto médico”, acredita Pablo Coutinho. 

Conquistas ao longo da história 

A luta de Cláudia para conseguir acessar os serviços e produtos a que Carlos tem direito não deveria ser tão penosa. Em 1989, foi criada a Coordenação da Pessoa com Deficiência no Brasil, por meio da Lei n. 7.853, e o primeiro Estatuto da Pessoa com Deficiência, prevendo penalidades para a recusa de matrícula escolar de crianças com deficiência. Em 2000, foi promulgada a Lei de Acessibilidade (Lei n. 10.098), e o Judiciário estabeleceu normas e definiu sete critérios básicos para promover a acessibilidade de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.  

Desde então, os maiores marcos legais no Brasil são a ratificação da Convenção Internacional da Pessoa com Deficiência no Brasil, por meio do Decreto n. 6.949/2009, e a Lei Brasileira de Inclusão (Lei n. 13.146/2015). 

Carlos conseguiu, na Justiça, cadeira de rodas, aspirador de secreção e acaba de receber um respirador portátil. “Se a criança precisa, deveria haver um caminho mais fácil”, reivindica a mãe, que diz ainda faltar muita coisa no cotidiano. No meio de tanta dificuldade, Cláudia só não se permite desistir. “Mãe de filho deficiente não pode parar de lutar nunca”, afirma. 

Luta diária 

Adriana Monteiro com seus filhos, Ana Luísa e João Arthur. Foto: Ana Araújo/Agência CNJ de Notícias.

Advogada desde 1999, Adriana Monteiro também está nessa batalha, defendendo os direitos das pessoas com deficiência. Ela é mãe de Ana Luísa, de 23 anos, que tem síndrome de Angelman, e de João Arthur, de 21 anos, com transtorno do espectro autista (TEA) nível 1 de suporte. “Embora tenhamos muitos avanços tanto legislativos quanto práticos, estamos falando de milênios de exclusão e de preconceitos solidificados socialmente”, diz, ao destacar que a vida das pessoas com deficiência ainda não é uma vida festejada, valorizada e cuidada. “Basta ver como a sociedade reage às Olimpíadas e às Paralimpíadas. O Brasil teve um excelente desempenho nas Paralimpíadas, mas a maioria dos brasileiros não parou para ver uma competição”, lamenta. 

Acesso à Justiça 

Para promover o que foi contemplado na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência — Lei 13.146 de 2015 —, o CNJ editou, em 2016, a Resolução CNJ n. 401, que estabeleceu diretrizes para acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência no âmbito do Poder Judiciário. A norma determinou a adoção de medidas para eliminar e prevenir quaisquer barreiras urbanísticas ou arquitetônicas, de mobiliário, de acesso aos transportes, comunicações, informações e tecnológicas, além de barreiras atitudinais. 

Nesse contexto, o CNJ realizou, em agosto, o primeiro curso de formação de instrutores do Protocolo Polícia Judicial Amiga dos Autistas, com o objetivo de formar multiplicadores para capacitação de policiais judiciais e outros agentes da segurança institucional do Poder Judiciário para lidar com pessoas no transtorno do espectro autista de maneira empática e respeitosa. O objetivo é garantir que todos os profissionais de segurança institucional do Poder Judiciário estejam preparados para reconhecer e responder adequadamente às necessidades específicas da população com TEA que, segundo dados do Conselho Nacional de Saúde, é formada por 2 milhões de pessoas no Brasil.  

O CNJ também atua pela representatividade de pessoas com deficiência em seus quadros funcionais. Políticas judiciárias preveem a reserva de até 20% das vagas para PcD e, recentemente, novas regras foram aprovadas quanto à cota e à avaliação de pessoas com deficiência no Exame Nacional da Magistratura. Com a alteração da Resolução CNJ n. 75/2009, os candidatos autodeclarados com deficiência terão nota mínima diferenciada para aprovação, semelhante ao que já foi instituído para os candidatos autodeclarados negros e indígenas. 

Em outra frente, uma pesquisa promovida pelo órgão fará a análise dos dados de pessoas com deficiência que buscaram atendimento no Sistema de Justiça brasileiro nos últimos três anos. O resultado vai mostrar a evolução da acessibilidade e da inclusão nos serviços do Judiciário. Além de usuários do Sistema de Justiça, também participam do estudo magistrados e magistradas, servidores e servidoras, advogados e advogadas, integrantes da Defensoria Pública e membros do Ministério Público, com deficiência.  

Texto: Ruth Simões
Edição: Sarah Barros e Beatriz Borges
Agência CNJ de Notícias 

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