Pôr fim à invisibilidade e romper o ciclo de discriminação e segregação centenárias dos índios Waimiri Atroari: com essa finalidade, o Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR) e o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), em parceria inédita, vão oferecer, ao longo desta semana, serviços básicos aos cerca de 2 mil indígenas que vivem na localidade.
Localizada na divisa dos dois estados, a área tem 2.585.911 hectares e está divindade em dois núcleos: rodoviário (BR-147) e fluvial. “O primeiro significado [dessa visita] é romper a histórica indiferença com o indígena e à limitada disposição de ação do sistema judicial em atender às demandas desses povos”, afirma o juiz Erick Linhares, coordenador do programa Justiça Itinerante do TJRR, iniciativa pioneira no atendimento a comunidades indígenas.
A cerca de 348 quilômetros de Boa Vista e a 260 de Manaus, a terra indígena se divide em 45 aldeais. O planejamento da ação, que será feito em duas etapas, durou um ano. A primeira ocorre esta semana, de 25 de fevereiro a 3 de março, no núcleo rodoviário e, a segunda, programada para abril, vai atender o núcleo fluvial.
Entre magistrados, servidores e entidades parceiras – como Instituto de Identificação, cartórios e Secretaria de Justiça –, a equipe é formada por 44 pessoas, que vão oferecer serviços como emissão de Carteira de Identidade, registro de nascimento e CPF (Cadastro da Pessoa Física).
“A documentação básica põe fim a longo período de invisibilidade dos povos indígenas, propicia a incorporação deles à cidadania e materializa seus direitos de serem reconhecidos como iguais aos demais brasileiro”, disse Erick Linhares, idealizador do projeto. Devidamente identificados, os Waimiri Atroari poderão evitar situações constrangedoras que passam no dia a dia.
Em reunião prévia com as lideranças da etnia – realizada em novembro do ano passado –, eles relataram situações humilhantes que vivenciavam em hospitais e repartições públicas por não terem documentação básica. Confira aqui álbum com fotos da visita que ocorre até o próximo sábado (3/3).
A parceria entre os dois tribunais se deu por meio de um acordo de cooperação técnica que permite ações conjuntas de atendimento judicial itinerante voltadas às populações dos municípios limítrofes dos dois estados da Região Norte, incluindo indígenas e ribeirinhos. A ação contempla as três espécies de cooperação disciplinadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ): compartilhamento de recursos (Recomendação CNJ n. 28/2009), cumprimento de atos fora da competência (Recomendação CNJ n. 38/2011) e desenvolvimento conjunto de projetos de Justiça Itinerante (Meta n. 6/2017 da Corregedoria Nacional de Justiça).
O acordo foi assinado pela presidente do TJRR, desembargadora Elaine Bianchi, e pelo presidente do TJAM, desembargador Flávio Pascarelli, na sede do Supremo Tribunal Federal, com a presença da ministra Cármen Lúcia, em 20 outubro de 2017.
Povo guerreiro
O contato do Poder Judiciário com os Waimiri Atroari ocorreu por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai). Fluentes na língua portuguesa, eles puderam discutir previamente com os responsáveis pelo projeto, juízes Erick Linhares e Alexandre Novaes, coordenador do Projeto Justiça Itinerante do TJAM.
Até a década de 1970, o grupo vivia praticamente isolado e tinha fama de ser arredio e guerreiro. Ao longo dos anos 1980, conflitos armados – por conta da construção da BR-147 – e surtos de doenças (em especial o sarampo) houve uma queda da população de cerca de 3 mil para 300 indivíduos. Atualmente, estima-se que nas aldeias tenham menos de 2 mil pessoas.
Violações
Este mês, a Justiça Federal, por meio de uma liminar na Ação Civil Pública n. 1001605-06.2017.4013200, reconheceu violações praticadas contra os Waimiri Atroari durante a construção da BR-147 e determinou que empreendimentos capazes de causar grande impacto na terra indígena não poderão ser feitos sem consentimento prévio da comunidade local.
Os indígenas devem ser consultados, conforme a Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de forma livre e informada, com base em regras a serem definidas pela comunidade.
Thaís Cieglinsk
Agência CNJ de Notícias