Tornar a equidade de gênero nos tribunais brasileiros e, por consequência, na sociedade em geral, uma realidade. Esse alvo foi o ponto central dos debates do evento “Equidade de Gênero: a atuação da mulher nas instituições públicas”, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com a participação de representantes de todos os ramos da Justiça, com atuação direta na temática. O evento permitiu a reflexão sobre a necessidade de dar continuidade à discussão sobre o tema, composto de tantas nuances, e também de manter esforços para implementar as políticas e os projetos com esta finalidade em andamento na Justiça brasileira.
Um dos pilares desse trabalho é o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5, da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que traça metas para alcançar a igualdade de gênero e eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas. Segundo a corregedora nacional de Justiça, ministra Maria Thereza de Assis Moura, essas metas buscam garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública. “Nessa perspectiva, a igualdade passa a ser determinante da participação integral das mulheres, em igualdade de condições, nos espaços de poder, notadamente da esfera pública.”
Também na abertura do evento realizado em 17 de março, a conselheira do CNJ Salise Sanchotene destacou o fato de a Resolução CNJ n. 255/2018, que instituiu a Política de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário, tratar das ações do Poder Judiciário em relação a si mesmo. “O Poder Judiciário tem que ser um exemplo vivo da equidade de gênero e da representatividade da mulher no espaço público.”
Segundo a conselheira, o trabalho do CNJ tem sido abrangente e efetivo em favor das mulheres, com o estabelecimento de políticas e campanhas para enfrentamento da violência contra a mulher e a recomendação aos tribunais para a adoção do protocolo para julgamento com perspectiva de gênero. Uma nova página no portal do CNJ reúne informações sobre as ações do Judiciário para assegurar a igualdade de gênero no ambiente institucional e está em formulação o repositório nacional de dados sobre mulheres juristas para estimular a citação em produção acadêmica no campo do direito.
Uma das palestras foi dedicada ao Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, desenvolvido sob coordenação do CNJ para que juízes e juízas não repitam estereótipos, nem perpetuem diferenças entre gêneros em seus julgamentos. “O espaço da Justiça pode ser aquele que deixa de replicar a discriminação para ser aquele que garanta a igualdade”, afirmou a procuradora da Justiça Ivana Farina, que apresentou julgamentos recentes realizados já com a perspectiva de gênero. Ao longo do mandato como conselheira do CNJ, entre 2019 e 2021, Ivana coordenou grupo de trabalho para estabelecer o guia de conduta para os tribunais.
Ações concretas
Quanto à Política Nacional de Incentivo a Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário, membros do Sistema de Justiça apresentaram ações inspiradas na política instituída pela Resolução CNJ 255/2018. É o caso do Programa Equilibra, criado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para assegurar a equidade na ocupação de vagas, inclusive de chefia, por homens e mulheres, prevenir assédio, violência ou discriminação contra a mulher, incentivar a participação feminina e aumentar a conscientização em relação às desigualdades de gênero.
Segundo a juíza auxiliar da Presidência do STJ Sandra Silvestre, o programa permitiu revelar outra desigualdade somada à de gênero: o racismo. “Se a igualdade de gênero é difícil, quando incluímos o recorte racial, a desigualdade fica ainda em maior evidência. Precisamos jogar luz sobre esse tema”, disse Sandra. De acordo com dados apresentados pela juíza, após a implementação da política, o STJ atingiu o percentual de 49% dos cargos ocupados por mulheres e 51% por homens. No contexto dos cargos terceirizados, 51% das chefias estão nas mãos de mulheres.
Dados colhidos do tribunal também revelaram a necessidade de maior envolvimento dos homens na construção de caminhos para enfrentar essas desigualdades: 72% das mulheres que trabalham no STJ já se sentiram desconfortáveis com comentários machistas no seu ambiente de trabalho e quase metade das trabalhadoras do órgão disse sentir receio de descer as escadas no fim do expediente, quando o prédio está mais vazio. “São dados que mostram que é muito necessário envolver os colegas homens nessas discussões. Essa não é uma pauta de mulheres ou uma pauta de mulheres contra os homens, mas uma pauta de todos nós. Paternidade responsável, masculinidade tóxica: temos de falar e trazer a dimensão e o papel dos homens”, afirmou o chefe da Assessoria de Ética e Disciplina do STJ, Alessandro Garcia Vieira.
Desafios
Por meio de vídeo, a presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Renata Gil – que é a primeira presidente mulher da instituição – lembrou que, apesar de ter avançado na pauta da equidade de gênero e de combate à violência contra a mulher, o Judiciário ainda tem muitos desafios. Entre eles, o fato de apenas 38% da magistratura ser composto por mulheres. Nas cortes superiores, esse percentual gira em torno de 17%: “Tudo isso pode ser melhorado num esforço conjunto das autoridades públicas, especialmente do CNJ, que tem atuado de forma muito séria nessa agenda”, completou a magistrada do Rio de Janeiro.
O evento ainda contou com a palestra da ministra do Superior Tribunal Militar Maria Elizabeth Rocha, que falou sobre o tema ‘Violência de gênero nas Forças Armadas’. De acordo com a fala da ministra, a ampliação recente do rol de crimes militares – no âmbito da lei 13.491/2017 – com a inclusão de crimes que estão na lei penal comum, trouxe algumas dificuldades para a distinção desses crimes no contexto militar, mas, a despeito dessas dificuldades, é preciso perceber uma visão transformadora. “Estamos diante de uma luta emancipatória longe de terminar, seja pela distinção positiva das mulheres em relação aos homens, seja pela teoria dos gêneros. Ao impulsionarmos a cidadania e descontruirmos o padrão heteronormativo, para dar espaço para novas identidades, seus modos de ser e de viver, numa fusão de horizontes que une fragmentando, construiremos a história”.
Maria Ferreira e Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias