Judiciário é fundamental na conquista e na manutenção dos direitos dos povos indígenas

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Juiz auxiliar da presidência, Jônatas Duarte, vice-presidente e ministro do TST, Aloysio Corrêa da Veiga, presidente do STF e do CNJ, ministra Rosa Weber, ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, estagiária do CNJ, Alcineide Cordeiro e o conselheiro do CNJ, João Paulo Schoucair, no Seminário Dignidade Humana, no CJF, em Brasília. Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ.
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No dia em que o Brasil homenageia seus povos originários, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) reuniram, nesta quarta-feira (19), durante o Seminário Dignidade Humana – Promoção dos Direitos Humanos e Proteção às Diversidades e Vulnerabilidades, lideranças indígenas e membros do Judiciário para apresentar os avanços e os desafios no acesso desses povos à Justiça. A presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, defendeu, em sua fala, a Constituição de 1988 e ressaltou o papel do Conselho para a concretização dos direitos. “O CNJ seguirá firme na busca pela concretude da promessa constitucional firmada em 1988, que inaugurou nova relação entre Estado e povos indígenas, garantindo respeito aos direitos desses povos”.

A ministra afirmou que os povos indígenas precisam ser reconhecidos como grupo dotado de estruturas organizacionais próprias, com costumes, línguas, crenças e tradições particulares, tal qual enunciado pela Constituição Federal desde 1988. “Em uma sociedade heterogênea e democrática, as políticas estatais não podem ser direcionadas apenas à maioria, [mas] devem alcançar todas as pessoas, disso decorrendo a assimilação das especificidades como pressuposto à efetiva aplicação das políticas em prol das minorias”, afirmou.

Rosa Weber fez uma retrospectiva das ações do CNJ em direção à proteção dos direitos dos povos originários, destacando a recriação do Fórum Nacional do Poder Judiciário para Monitoramento e Efetividade das Demandas relacionadas aos Povos Indígenas (Fonepi), formado para elaborar estudos e propor medidas para o aperfeiçoamento do sistema judicial em relação ao tema. O Fonepi conta, em sua composição, com a participação de instituições da sociedade civil e de organismos representantes dos povos indígenas, além de entes estatais.

Coordenador do Fórum, o conselheiro do CNJ João Paulo Schoucair relembrou a situação humanitária do povo indígena Yanomami. “As fotos que comprovaram as violações graves de direito à vida e à saúde circularam o mundo e aumentaram a consciência sobre a situação de vulnerabilidade dos povos indígenas brasileiros”, disse.

Regulamentação

A presidente do Conselho também citou atos normativos aprovados pelo Plenário do órgão. Entre eles, a Resolução CNJ n. 287/2019, que estabelece procedimentos no tratamento das pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade, e dá diretrizes para assegurar os direitos dessa população no âmbito criminal do Poder Judiciário, e a Resolução CNJ n. 299/2019, que dispõe sobre o sistema de garantias de direitos das crianças e dos jovens vítimas ou testemunhas de violência, com diretrizes especificamente direcionadas para as crianças indígenas.

Além dos normativos, foram editados manuais orientadores aos órgãos do Poder Judiciário, assim como realizadas pesquisas, a fim de acurar os dados e aprimorar a prestação jurisdicional nesse tema. As contribuições do Poder Judiciário também vêm ao encontro da Agenda 2030 das Nações Unidas, voltada ao desenvolvimento sustentável e à redução da desigualdade.

Conquistas

No evento, a ministra dos povos indígenas, Sônia Guajajara, ressaltou a importância, nas comemorações deste ano, da mudança da nomenclatura “Dia do Índio” para “Dia dos Povos Indígenas”, como reforço da pluralidade e da diversidade da cultura do país. Ela também destacou a urgência de defender o Estado Democrático de Direito, assim como de falar sobre a situação dos indígenas. “Há menos de 40 anos, não tínhamos sequer o direito de representação nos tribunais. Éramos tutelados pelo Estado e não tínhamos capacidade postulatória. Hoje estamos fazendo parte das organizações do Estado e temos muito orgulho desse caminho”, disse.

A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, no Seminário Dignidade Humana, no CJF, em Brasília. Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ.

Ela ponderou, porém, que essas são conquistas que precisam ser absorvidas de maneira integral pelo Estado e pela sociedade. “É injusto submetermos as minorias a uma eterna luta por seus direitos. A manutenção do Estado Democrático de Direito pressupõe a intransigência com governantes antidemocráticos e o Judiciário tem papel importante […] Precisamos de mais magistrados e magistradas com comportamento antirracista. Democratizar o Judiciário é fundamental para garantir os direitos dos indígenas, o exercício das particularidades”, disse Guajajara.

O primeiro advogado indígena do Brasil, Paulo Pankararu (Paulo Celso de Oliveira), ressaltou a trajetória de lutas dos povos indígenas no país, desde a colonização imposta pelos europeus, e ressaltou que muitas gerações de indígenas tiveram de insistir em manter sua educação e cultura nos últimos séculos.

Paulo Pankararu chamou atenção para a invisibilidade “ampla e geral” dos indígenas, de seus direitos e dos direitos coletivos de seus povos durante anos. “A previsão que havia nos tempos coloniais era de que os povos indígenas iriam desaparecer e, até quase o final do século XX, as políticas eram voltadas para o desaparecimento dos povos indígenas.”

Marco constitucional

O advogado citou a Constituição Federal de 1988 como marco importante para a mudança desse olhar, quando organizações da sociedade civil defenderam a alteração da relação do Estado e da sociedade brasileira com os povos indígenas. A partir de então, foram reconhecidos os direitos dos povos indígenas e a demarcação de suas terras. Atualmente, há 14% do território brasileiro em terras indígenas, sendo que 98% dessas terras se encontram na Amazônia – ao todo são 113 milhões de hectares.

O juiz federal do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4) Fabiano Henrique de Oliveira, vencedor do Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos 2022 na Categoria Indígenas, fez um apanhado normativo e histórico sobre a proteção da cultura e dos povos indígenas e detalhou a sentença que fez trazendo o reconhecimento das terras indígenas. A decisão incluiu as que ainda não foram homologadas.

Segundo ele, mesmo depois da colonização e ainda após a Independência, houve uma relação de colonialidade, por meio da inferiorização dos povos originários. “Os próprios indígenas e seus saberes foram ignorados […] O poder branco normativo, o direito é produzido por pessoas brancas, ensinado por pessoas brancas e aplicado por pessoas brancas, mas os destinatários não são brancos”, afirmou.

A juíza federal do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF1) Raffaela Cassia de Souza abordou a necessidade da proteção dos grupos vulneráveis e do respeito à sua autodeterminação. Ela alertou também para decisões judiciais que ainda mencionam “indígenas integrados à sociedade” como forma de não cumprirem determinações do CNJ nessa temática, violando direitos.

O juiz auxiliar da Presidência do CNJ Jônatas Andrade ressaltou a relação dos povos indígenas com seus territórios, lembrando que, para eles, o território tem uma relevância cultural e religiosa que não pode ser afastada da pessoa, do indivíduo. “Para o indígena, perder a terra é perder a razão da vida, perder a razão de ser, perder sua essência. Precisamos efetivamente considerar a cultura dos povos, sua organização política e espiritual e considerá-las em nossas decisões”, disse.

Jurisprudência do STF

Durante o evento, as juízas Karen Luise Souza, do CNJ, e Patrícia Perrone Campos Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), apresentaram a 4.ª edição do Caderno de Jurisprudência do STF, nessa edição com o tema direitos indígenas. Karen Luise reforçou a importância da Recomendação n. 123/2022 do Conselho, que indica a aplicação, por todos os órgãos do Poder Judiciário, dos tratados e das convenções de direitos humanos. Para ela, o lançamento desse material contribui para a garantia dos direitos indígenas pelo Judiciário.

Juiz auxiliar da presidência, Jônatas Duarte, vice-presidente e ministro do TST, juíza Karen Luise Souza, do CNJ, e juíza Patrícia Perrone Campos Mello, do STF, no Seminário Dignidade Humana, no CJF, em Brasília. Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ.

Já a juíza Patrícia Perrone explicou que o objetivo desses cadernos é não apenas selecionar e destacar a jurisprudência do Supremo em relação ao tema. “Eles também mostram que existe uma tendência de progressivo diálogo entre o STF, o direto internacional dos direitos humanos e a jurisprudência produzida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Também queremos dar destaque àquilo que nós já consideramos conquistas desses grupos minoritários e que precisam ser conhecidas não apenas pelas demais instâncias, mas também pelos demais operadores do direito”, completou.

Além das autoridades, o evento contou com a apresentação cultural dos estagiários indígenas do CNJ. A estudante de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e indígena do povo Piratapuya, Alcineide Cordeiro – estagiária do Conselho Nacional de Justiça -, contou parte dos desafios enfrentados em sua comunidade. “Temos muito a comemorar, mas também muito a lutar. Falar em dignidade humana é questão de saúde, educação […] e muitas vezes o discurso fica apenas na teoria, ainda somos calados de maneira violenta”. Ela acrescentou que o sistema é feito por pessoas e, por isso, pode ser melhorado. “Somente nós não damos conta de todo o planeta. Precisamos de mais aliados.”

Texto: Regina Bandeira
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias

Macrodesafio - Garantia dos direitos fundamentais