As normas legais e as iniciativas aplicadas no Sistema de Justiça representam um avanço na defesa do direito de pessoas com deficiência. Mesmo assim, ainda há muito a ser feito para se vencer o capacitismo — que é o preconceito contra as pessoas com deficiência — e o desconhecimento que impedem a efetivação prática de direitos e que têm efeitos também no acesso à Justiça. A questão começou a ser debatida no I Encontro Nacional do Comitê dos Direitos de Pessoas com Deficiência no Âmbito Judicial, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre os dias 18 e 20 de setembro.
Durante a abertura, o coordenador do Comitê dos Direitos de Pessoas com Deficiência em Âmbito Judicial e conselheiro do CNJ, Pablo Coutinho Barreto, destacou que a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência evidencia que a deficiência faz parte da diversidade humana. “Cabe à sociedade cuidar para a diminuição das barreiras, de modo que, quanto mais acessível, mais as pessoas com deficiência poderão exercer seus direitos em igualdade de condições com as demais pessoas”, afirmou.
O conselheiro, que é presidente da Comissão Permanente de Políticas Sociais e de Desenvolvimento do Cidadão, também falou sobre a presença dessas pessoas nos quadros do Judiciário. Embora o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registre 18 milhões de pessoas com deficiência no país, no Judiciário, apenas 0,8% da magistratura e 2,9% de servidores e servidoras apresentam essa condição. “Cabe ao Judiciário promover a efetiva inclusão da pessoa com deficiência, eliminando as diversas barreiras que são impostas a essas pessoas”, afirmou.
Atuando no Sistema de Justiça há 40 anos, o ministro Sérgio Luiz Kukina, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nasceu sem o antebraço e destacou sua trajetória de pessoa com deficiência. “Ainda há uma atmosfera de algum desconhecimento e desconfiança. Mas todos sabemos das potencialidades que temos”. Ele afirmou que a única deficiência insuperável é a deficiência moral. “Das demais, conseguimos harmonizar e encontrar saídas. Não é mais tempo de discutir os direitos humanos, mas de colocá-los em prática”, disse.
O I Encontro Nacional do Comitê dos Direitos de Pessoas com Deficiência no Âmbito Judicial é transmitido ao vivo no canal do CNJ no YouTube. A transmissão foi feita com recursos de acessibilidade, como tradutor de libras e transcrição simultânea. Os participantes também fizeram a autodescrição antes de iniciarem suas falas.
Autonomia, liberdade e independência
Sobre as discussões que acontecerão no evento, os princípios da convenção internacional nortearão os debates, como o respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, a liberdade de fazer as próprias escolhas e a independência das pessoas. Também serão abordadas a não discriminação, a plena e efetiva participação e a inclusão na sociedade.
Para o defensor público-geral federal, Leonardo Cardoso de Magalhães, esses temas transcendem o ambiente jurídico e trazem a ideia de humanidade. “Essas pessoas enfrentam barreiras que vão além do que é visível: preconceito, discriminação, subestimação de suas capacidades e o distanciamento das posições de poder que são, por direito, também suas”.
Já para o ministro do STJ Reynaldo Soares da Fonseca, é preciso buscar uma sociedade fraterna. “O princípio da fraternidade é o reconhecimento da possibilidade de inclusão como direito a todos os vulneráveis, que é a concretização da promessa constitucional”, disse.
Palestra magna
A professora de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Izabel Maria Loureiro Maior apresentou a palestra magna no evento. Ela foi a primeira pessoa com deficiência a comandar a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência e é liderança há mais de trinta anos do Movimento das Pessoas com Deficiência.
A palestrante lembrou que o novo modelo de definição da deficiência é o baseado no modelo social, e não mais o médico, no qual as barreiras têm que ser eliminadas, não as pessoas. “As barreiras precisam ser substituídas por facilitações, situações em que as pessoas com deficiência poderão, naturalmente, exercer diversas atividades, desde que todos os recursos estejam colocados à sua disposição”.
Os recursos de acessibilidade, conforme explicou Izabel Maior, são a principal diferença de um conceito que era meramente biológico para o atual modelo. “Essa relação é algo novo. A deficiência não é mais da pessoa, mas da sociedade”. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Banco Mundial, citados por Izabel, apontam que 15% da população mundial apresentam alguma alteração das suas atividades e, portanto, podem ter limitações de atividade e restrição de participação social se as devidas medidas não forem tomadas.
Campanha
Ao final da abertura do I Encontro Nacional do Comitê dos Direitos de Pessoas com Deficiência no Âmbito Judicial, foi apresentado o lançamento da campanha de conscientização “Capacitismo”, lançada pelo CNJ em parceria com o Supremo Tribunal Federal (STF). Um dos idealizadores da campanha, o advogado Emerson Damasceno, pessoa autista e com deficiência física após um acidente, explicou a importância da campanha para conscientizar a sociedade, para que “sejamos vistos e tenhamos nosso direito efetivado”.
Por meio de uma série de ações, incluindo vídeos educativos, postagens em redes sociais e eventos, o CNJ e o STF pretendem fomentar um diálogo aberto e construtivo sobre a importância da inclusão e da acessibilidade.
Reveja abaixo a abertura e a palestra magna do I Encontro Nacional do Comitê dos Direitos de Pessoas com Deficiência no Âmbito Judicial:
Texto: Lenir Camimura
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias