O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deve apresentar, no segundo semestre deste ano, normativa orientadora para o combate ao racismo estrutural na Justiça. O grupo de trabalho criado para elaborar o Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial debateu, na sexta-feira (21/6), contribuições encaminhadas por especialistas, acadêmicos, entidades e órgãos públicos que trabalham com o tema de raça e justiça.
O novo protocolo tem como referência o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, lançado em 2021 e transformado em resolução em 2023 pelo CNJ. O objetivo de ambos os documentos é garantir mais igualdade nos julgamentos e nas decisões judiciais e, com isso, superar preconceitos que se materializam em diversas áreas.
“Temos uma dívida histórica com a questão racial e acredito que esse é o momento de começarmos a pagar essa dívida. Temos uma magistratura formada, ainda, por poucos juízes negros, mas estamos dispostos a mudar essa realidade”, afirmou o presidente do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Equidade Racial (Fonaer), conselheiro do CNJ João Paulo Schoucair.
Ele afirmou acreditar na aderência da magistratura brasileira em relação essa causa. “Nosso anseio é julgarmos de acordo com os fatos e a magistratura tem esse compromisso. O protocolo vai nessa direção e pode contribuir sobremaneira para isso”, disse Schoucair. Instalado por força da Resolução n. 490/2023, o Fonaer possui caráter nacional e permanente, com a atribuição de elaborar estudos e propor medidas concretas de aperfeiçoamento do Sistema de justiça quanto à equidade racial.
De acordo com a supervisora do Programa de Equidade Racial do CNJ e juíza auxiliar da Presidência do órgão, Karen Luise de Souza, as reuniões do GT visam avaliar e absorver as propostas apresentadas pela sociedade civil para a elaboração do protocolo. “A partir dos textos construídos pelos representantes dos segmentos, levantamos pontos importantes envolvendo o Direito do Trabalho e a Justiça Criminal, por exemplo, e como podemos alinhar diretrizes na perspectiva racial de julgamento desses processos”, comentou a magistrada.
O GT do CNJ recebeu propostas relativas à boa parte das áreas jurídicas, como trabalhista, eleitoral, cível, infância e juventude, criminal, eleitoral e previdenciária. “Tem sido uma oportunidade para construirmos estratégias de formulação do texto ao passo que discutimos a questão de perfilamento racial, filtragem racial, vieses discriminatórios, discriminação racial no ambiente de trabalho e trabalho em condição análoga à escravidão”, explica a supervisora.
Letramento racial
Entre as propostas encaminhadas ao GT do CNJ para o protocolo está a implementação do letramento étnico-racial nas formações continuadas das instituições que integram o Sistema de Justiça, especialmente na área criminal.
Nesse ponto, o desembargador Luiz Guilherme da Costa, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ressaltou que não se trata de interferir na autonomia da magistratura, mas diz respeito à necessária compreensão sobre os diversos ângulos que envolvem o racismo. “É necessário que todos tenham um mínimo de conhecimento sobre o tema, sob pena de nosso trabalho não alcançar o fim desejado”, disse o magistrado.
O professor de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Wallace Corbo apresentou princípios constitucionais fundamentais e conceituais que dão base para o trabalho em andamento, entre eles a igualdade, a dignidade e a vedação à discriminação. “Vale lembrar que não estamos atuando porque isso é moralmente bom. O combate ao racismo é uma questão moral, mas também uma imposição normativa decorrente dos deveres do Estado, que tem deveres ativos de combate ao racismo, assim como obrigações de aplicar ações afirmativas para lidar com a questão”, afirmou.
A partir da coleta de informações, o grupo segue para a finalização do texto que, em seguida, deverá ser consolidado e levado ao Plenário do CNJ para votação.
Texto: Regina Bandeira e Thays Rosário
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias