Se o Judiciário do Rio de Janeiro constitui um complexo sistema que visa à pacificação social, a principal engrenagem, o acesso direto ao cidadão passa pela 1ª Instância. É lá — no tripé cartório-gabinete-juiz — que opera um dos tribunais mais produtivos do país e que busca soluções criativas para atender a população em tempos de crise no estado.
Num cenário em que não é permitido abrir concursos nem é possível aumentar a remuneração de quem já trabalha, sob risco de infringir a Lei de Responsabilidade Fiscal, como resolver o impasse de centenas de milhares de pessoas todos os dias? Como lidar com o litígio que envolve problemas, dos mais simples aos mais truncados, capazes de mudar o destino de vidas?
A saída pode estar na tecnologia. Essa alternativa pode ser a tábua de salvação para o desafogamento de varas e juizados. Se temos um país com 200 milhões de habitantes e 100 milhões de processos – e que cada processo envolve pelo menos duas partes -, concluímos que o Brasil inteiro está em litígio.
Uma das apostas é aplicar uma política pública de digitalização dos fluxos de trabalho, sobretudo nos juizados especiais, cujo acervo processual corresponde a 56% de todo o estoque do Judiciário fluminense. Sem dispensar o fator humano, primordial para a missão do TJRJ, há etapas do andamento processual que podem ser agilizadas.
“Até quando será necessário que um chefe de serventia seja acionado para juntar uma decisão, ir ao juiz para fazer com que seja publicada, depois emitir um mandado, voltar para o juiz para ele assinar, retornar ao mesmo chefe de serventia que, em seguida, o entrega a um oficial de justiça para que então seja cumprido? Não podemos automatizar todo esse processo no ambiente virtual?”, questiona o desembargador Joaquim Domingos de Almeida Neto, presidente da Comissão Judiciária de Articulação dos Juizados Especiais. O magistrado ressalta que todas as funções são importantes, mas é preciso desafogá-las.
Um exemplo prático: uma mãe precisa viajar de avião com o filho para fazer um tratamento médico. Por alguma razão, o portal de venda de viagens na internet comercializa as passagens, mas na hora do check-in há um problema que impede a viagem. Essa mesma mãe teria que acionar o Judiciário que, por seu fluxo mais cuidadoso na resolução do litígio, não resolveria o problema a tempo. “Métodos automatizados de acionar e notificar a empresa do problema solucionariam a questão dessa mãe. Não adianta uma sentença bonita e bem redigida se ela não for executada a contento”, avalia o desembargador.
Dessa forma, para lidar com uma sociedade judicializada, apesar do cenário de crise e dos poucos recursos, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro tem feito sua parte. Os números não mentem e são divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça, órgão que estabelece regras, cobra resultados, monitora e ranqueia as realizações dos tribunais de todo o país.
É possível ilustrar a produtividade com comparações: ano passado foram proferidas 1.981.343 sentenças pela Justiça do Rio. Numa analogia bem simples, cada sentença de um juizado especial cível tem em média três páginas. Colocando-as lado a lado, temos uma via com cerca de 1.780 quilômetros de extensão. Daria para ir e voltar de São Paulo duas vezes. Mas esta é uma comparação rasa, já que sentenças podem ter dezenas, até centenas de páginas, dependendo da complexidade do processo.
O índice de produtividade dos magistrados do TJRJ, por exemplo, é mais do que o dobro da média nacional. O mesmo índice aplicado aos servidores registra que os mais de 15 mil serventuários são os mais produtivos do país. E se o consenso na Justiça brasileira é que a conciliação seja uma ferramenta eficaz para evitar novos processos, o Tribunal do Rio alcança o maior índice entre os de grande porte.
A produtividade dos magistrados e servidores fluminenses também é a maior do país quando se fala da resolução de novos processos que chegam aos tribunais. A média é 3,6 mil por juiz por ano, mais que o dobro da média nacional, que é de 1,6 mil. E se for computada a carga de trabalho dos juízes do Rio – o que soma casos novos, casos pendentes, recursos internos e incidentes em execução -, o resultado chega a mais de 22 mil casos. A alta posição no pódio em quesitos como produtividade tem como uma das causas a filosofia apresentada por boa parte dos juízes para que sejam proferidas mil, duas mil, três mil sentenças por mês: método e organização.
“Antes, um juiz precisava ser um profundo conhecedor do Direito. Hoje, sabemos que ele já reúne qualidades por ter passado numa prova tão difícil. Agora, o juiz precisa ter conhecimentos em Sociologia, Economia, Administração Pública e, principalmente, gestão de pessoas”, explica um dos juízes mais produtivos do Tribunal, que proferiu 33 mil sentenças em dois anos à frente de um juizado especial cível.
A gestão de pessoas consiste em tornar cartório e gabinete eficientes. Afinal, o número de processos só aumenta e, quanto mais processos, mais trabalho. A eficácia no andamento da rotina cartorária ajuda a lidar com demandas que desafiam o bom senso: “Já houve casos de pedidos de dano moral porque uma vizinha discutiu com a outra durante 16 segundos no elevador”, conta o magistrado. Em outro caso pitoresco, o magistrado relata que uma mãe pediu danos morais de mais de 40 salários-mínimos porque comprou uma boneca para a filha, mas o brinquedo veio sem a seringa que acompanha o produto. Mesmo com a iniciativa do fabricante, antes do processo, de entregar uma nova boneca com tudo corretamente, a mãe achou que uma indenização valia mais do que o problema resolvido.
Histórias curiosas à parte, o consenso é de que as mudanças para tornar o Judiciário mais célere na prestação de serviços devem começar da base, ou seja, pelo juiz. É ele, ao lado de servidores e funcionários, a mola mestra do atendimento ao cidadão. É na ponta da linha do Judiciário que mora a inovação. E a inovação deve nascer na rotina do magistrado, porque ela não é apenas eficaz, é redentora para as mudanças.
Fonte: TJRJ