Inspeções virtuais garantem fiscalização de prisões apesar da Covid-19

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Tecnologia do projeto Alô Meu Mundo passou a ser usada na pandemia para prevenir contágio com novo coronavírus. Foto: TJRO
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Toda terça-feira, pela manhã, o juiz Carlos Neves senta-se diante do computador e inspeciona um dos oito presídios de João Pessoa sob sua responsabilidade. Acostumado a cumprir a atribuição pessoalmente, ao lado da colega Andréa Arcoverde, desde o início da pandemia do novo coronavírus o juiz de execução penal do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) passou a realizar as chamadas inspeções virtuais. Autorizadas em caráter excepcional pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por causa da pandemia, as inspeções virtuais são a alternativa sempre que, na avaliação do magistrado, uma visita in loco possa comprometer a saúde no estabelecimento, devido ao contato e à circulação de presos, agentes prisionais, juízes, servidores, entre outros envolvidos em uma inspeção.

A fiscalização é realizada em três etapas. Primeiro, apuram-se, com a administração prisional, informações administrativas, como número de presos na unidade. Em seguida, levantam-se os números referentes à Covid-19 no estabelecimento, estratégias de prevenção e tratamento. Na terceira e última fase, os juízes entram em contato diretamente com os presos para atendimento por videoconferência. “Passamos as informações direto ao preso. Adiantamos, inclusive, as datas de progressão do regime de pena”, afirmou o magistrado, que cuida da execução penal de um terço da população prisional do estado da Paraíba.

Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU), uma ferramenta desenvolvida e distribuída aos tribunais pelo CNJ, permite o controle informatizado da duração das penas e a virtualização das inspeções. O sistema calcula os direitos à redução da pena para aqueles presos que trabalhem, por exemplo. Além disso, a Vara de Execuções Penais de João Pessoa cadastrou todos os órgãos que atuam para o funcionamento adequado do sistema prisional na capital paraibana. Reuniões virtuais com a administração das unidades produzem várias informações que antes eram coletadas durante encontro físico entre magistrado e diretor da prisão, como determina a Resolução CNJ n. 47/2007.

A regulamentação das inspeções obrigava a presença do magistrado mensalmente, pelo menos, nas prisões das quais ele fosse o corregedor ou que estivessem na sua área de jurisdição. No entanto, diante da gravidade e do potencial de contágio da doença dentro e fora do sistema carcerário, o CNJ buscou encontrar um equilíbrio entre as medidas sanitárias recomendadas pelas autoridades de saúde, tratados internacionais de direitos humanos e a necessidade de fiscalização das instituições que mantém homens, mulheres e adolescentes sob custódia. A Organização Mundial de Saúde (OMS) orientou os países a não usarem a pandemia como justificativa para deixar de fiscalizar a situação desses ambientes de privação de liberdade.

Leia mais: Trabalho de juízes da execução penal mantém estabilidade em prisões na pandemia

“Ressalto que durante a inspeção virtual nas unidades, sem prejuízo da análise das condições gerais, os juízes procuram, principalmente, apurar denúncias, fiscalizar aspectos e circunstâncias relacionados às medidas de tratamento e prevenção da Covid-19, entre outras questões sanitárias, questões de assistência à saúde, notificação e registro de casos e óbitos de Covid-19, eventuais restrições no fornecimento de água e alimentação, bem como procuram fomentar à comunicação entre internos e respectivos familiares e entrevistar pessoas privadas de liberdade”, disse o juiz de execução penal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) Josias Martins de Almeida Junior.

O magistrado atua no Departamento de Execuções Criminais da 3ª Região Administrativa do TJSP (DEECRIM da 3ª RAJ) e monitora, com outros cinco colegas, 23 unidades prisionais da região de Bauru/SP, a 330 quilômetros ao noroeste da capital São Paulo. Após seis meses de inspeções virtuais, de acordo com a avaliação de Almeida Junior, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) investiu em melhorar as condições dentro das unidades durante a pandemia – higiene, boa alimentação e fornecimento de água, além do cumprimento das orientações dos protocolos sanitários – em nome da integridade física da comunidade prisional, mas também na tecnologia necessária para o contato entre internos e seus familiares. Foi uma forma de compensar a falta de visitas, “diminuindo a angústia e prestigiando a ressocialização, mesmo em época em que o distanciamento social se mostra de rigor”, disse o juiz.

Em Costa Marques/RO, comarca do interior de Rondônia, uma iniciativa da execução penal local já proporcionava visitas não-presenciais, por meio de videoconferências, por meio do Projeto “Alô Meu Mundo”, mesmo antes da pandemia. Com a crescente disseminação do novo coronavírus, a tecnologia ganhou espaço e hoje também permite ao juiz da comarca, Lucas Niero Flores, e à defensora pública, Débora Machado Aragão, a realização de inspeções virtuais. “Nós ouvimos os detentos e realizamos o atendimento com acesso aos sistemas eletrônicos. O recluso já sai com todas as respostas de seus questionamentos”, afirmou o magistrado, que também realiza audiências de instrução e justificação com os presos pela internet.

De acordo com o Painel da Covid-19 do CNJ, em 23 de setembro, o sistema prisional brasileiro registrava 36.566 casos de Covid confirmados, dos quais 27.073 eram presos. Das 193 mortes registradas, 110 eram de presos e o restante, de servidores. Dos 36,5 mil casos no país, 262 ocorreram na Paraíba, 7.572 no Estado de São Paulo e 598, no estado de Rondônia.

Apesar de o papel da tecnologia ser cada vez mais central, dada a necessidade de distanciamento social como forma de prevenir a doença, as inspeções presenciais continuam sendo realizadas, sempre que uma emergência as torne essenciais. No início da pandemia, os juízes de execução penal de João Pessoa receberam um vídeo que circulava entre familiares de presos para denunciar a suposta entrega de alimentação estragada dentro do Instituto Penal Des. Sílvio Porto. Os juízes Carlos Neves e Andréa Arcoverde foram conferir a denúncia in loco e perceberam que se tratava de um falso alarme. “Havendo urgência, o magistrado tem de se deslocar. Apesar da tecnologia e das inspeções virtuais, a inspeção presencial nunca vai deixar de existir, para constatação in loco, das condições de aprisionamento”, disse o juiz Carlos Neves. Desde o início do ano, o CNJ registra cerca de 1,7 mil inspeções a unidades prisionais realizadas, entre presenciais e virtuais.

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias