As unidades da Federação que alcançarem o maior crescimento nos índices de leitores e de remição de pena pela leitura em suas unidades prisionais serão premiadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e pela Fundação Biblioteca Nacional. Isso, a partir da assinatura, nesta terça-feira (16/4), de um acordo interinstitucional para dar efetividade à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), na ADPF 347, que considerou o sistema prisional um estado inconstitucional de coisas. O acordo foi firmado durante a abertura da 5.ª Sessão Ordinária do CNJ em 2024, na sede do órgão, em Brasília.
Duas iniciativas foram pactuadas: o Prêmio A Saída É pela Leitura, que visa estimular a leitura e a remição das penas em espaços de privação de liberdade, humanizando a realidade do encarceramento; e o Projeto Mentes Literárias, que conta com estratégias destinadas à universalização dos livros, das bibliotecas e das práticas sociais e educativas destinadas ao fomento da educação e da cultura na prisões e para o público egresso. O presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, destacou a importância da leitura como um agente transformador e necessário no processo de reintegração das pessoas privadas de liberdade.
“A sociedade vê com grande preconceito as medidas voltadas à melhoria das condições de vida do sistema prisional. Temos o compromisso de aprimorar essa realidade em parte pelo dever de respeitar os direitos humanos daquelas pessoas condenadas à privação de liberdade, mas também para diminuir o reincidência no crime por falta de opções e perspectivas. É interesse da sociedade que as pessoas possam se ressocializar e que o sistema prisional não seja o escritório do crime e de preparação dos futuros criminosos”, afirmou Barroso.
A parceria do CNJ se dá por meio do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DPJ/CNJ), que atuará com a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) e as Secretarias Estaduais de Justiça, Cidadania e Administração Penitenciária. “É preciso recuperar os direitos fundamentais dos presos que estão cotidianamente violados”, reforçou o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, durante assinatura do acordo.
Os três estados que mais se destacarem no crescimento do número de leitores dentro do sistema prisional e nos índices de remição de pena pela leitura receberão um acervo de 250 livros. O projeto contará com o apoio da Fundação da Biblioteca Nacional, a 6.ª maior biblioteca do mundo, que doará os títulos de contemplação do projeto.
O supervisor do DMF/CNJ, conselheiro José Rotondano, também reforçou a importância do projeto, que qualificará o acervo literário das bibliotecas em unidades prisionais e buscará a ampliação da remissão por meio da leitura. “Visitei todas as unidades prisionais no estado da Bahia e senti grande necessidade de livros. Vamos fazer uma grande campanha para municiar essas bibliotecas. A educação é a saída, não tenho dúvidas. Ela transforma as pessoas e as pessoas transformam o mundo”, assegurou.
O escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras e presidente da Biblioteca Nacional, Marco Lucchessi, também ressaltou a relevância do senso da leitura nos espaços de privação de liberdade. “É preciso reconhecer a humanidade e o direito à leitura a todo cidadão pleno”, disse.
A Saída é pela Leitura
O prêmio surge como parte de uma estratégia mais ampla, alinhada à Resolução CNJ n. 391/2021, que regulamenta as rotinas de acesso à leitura em ambientes prisionais e as diretrizes para remição da pena por meio da leitura.
A participação dos estados é automática, sem necessidade de inscrição prévia. A avaliação terá como critério os índices do Sistema de Informações da Senappen no comparativo entre o 1.º semestre 2023 e o 1.º semestre 2024. Adicionalmente, as atividades desempenhadas pelas unidades da federação devem seguir a Resolução CNJ n. 391/2021 e a Nota Técnica n. 72/2021/COECE/CGCAP/DIRPP/DEPEN/MJ, que traz leitura integrada do Judiciário e do Executivo sobre procedimentos quanto às ações de fomento à leitura, à cultura e aos esportes em ambientes de cárcere, integrando a política de educação para o sistema prisional.
Coordenador de Educação, Cultura e Esporte da Senappen, Rodrigo Dias destaca a importância de programas que fomentem a leitura em ambientes de privação de liberdade. “A colaboração entre o CNJ e a Senappen demonstra nosso compromisso mútuo em promover a leitura como um instrumento crucial para a reintegração social e o empoderamento das pessoas privadas de liberdade”, disse.
Mentes Literárias
Colaboração entre o CNJ, a Senappen e o Observatório do Livro e da Leitura, o Projeto Mentes Literárias é voltado para ampliar o impacto positivo da leitura na vida das pessoas privadas de liberdade e se estrutura a partir de três objetivos: qualificar os acervos literários e de bibliotecas em unidades prisionais; universalizar o acesso das pessoas privadas de liberdade ao livro e à leitura, ampliando o alcance da remição de pena; e promover o hábito de leitura e formação para a leitura por meio da disseminação de práticas promissoras de fomento à leitura.
Entre as iniciativas previstas, estão uma campanha nacional para a doação de livros e parcerias com editoras para publicar obras escritas por pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema. O projeto também prevê a rodas de conversa organizadas pelos Escritórios Sociais, equipamentos de atendimento a pessoas egressas e familiares com 48 unidades presentes em 21 unidades da Federação.
Ambas as iniciativas fazem parte da Estratégia Nacional de Universalização do Acesso ao Livro e à Leitura em Estabelecimentos Prisionais, trabalhada pelo CNJ por meio do programa Fazendo Justiça. O Fazendo Justiça tem a parceria do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para acelerar transformações necessárias no campo penal e no campo socioeducativo. A Senappen é parceira do programa em diversas ações na área penal, incluindo no campo da leitura.
A atenção do CNJ a iniciativas de leitura na privação de liberdade teve seu primeiro marco com a publicação da Recomendação CNJ n. 44/2013, que trata de atividades educacionais complementares para fins de remição da pena pelo estudo e estabelece critérios para a admissão pela leitura. Evoluiu com a primeira edição da Jornada de Leitura no Cárcere, em 2020 (que terá sua quinta edição em 2024) e com a Resolução CNJ n. 391/2021. No final de 2023, houve o lançamento de Censo Nacional de Práticas de Leitura no Sistema Prisional, que, além de outros dados importantes para definição de políticas nesta área, revelou que apenas 61,2% das unidades prisionais possuem bibliotecas e 54,7% mantêm práticas de leitura ativas.
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O trabalho direcionado a esse tema vem gerando resultados. Entre 2015 e 2023, o número de pessoas privadas de liberdade com acesso a ações de remição por leitura saltou de 19.625 para 272.528. Com as ações lançadas nesta terça-feira, o objetivo é qualificar e diversificar os acervos literários disponíveis nas prisões, visando aprimorar e enriquecer as coleções para atender melhor às necessidades dos leitores. De forma paralela, está em processo de revisão e finalização o Plano Nacional de Fomento à Leitura em Prisões, que consolida ações estratégicas para aprimorar a leitura como ferramenta de educação e reintegração social nos ambientes prisionais.
Texto: Regina Bandeira e Natasha Cruz
Edição: Beatriz Borges, Nataly Costa e Débora Zampier
Agência CNJ de Notícias