O cenário das pessoas indígenas acusadas, rés e privadas de liberdade é tema abordado na primeira edição do “Relatório Estatístico sobre a Situação das Pessoas Indígenas e da Justiça Criminal no Amazonas”, organizado pelo Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Prisional e Socioeducativo do Tribunal de Justiça do Amazonas (GMF/TJAM). A publicação é inédita no Brasil, traz dados acerca das pessoas indígenas que estão como rés em processos criminais, no interior do estado, bem como informações sobre indígenas em privação de liberdade.
A publicação das informações sobre indígenas por meio do Relatório compõe os esforços do GMF/TJAM para implementação das Resoluções n.º 287/2019 e n.º 454/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e tem como principais objetivos promover a transparência e divulgação dos dados estatísticos sobre o Amazonas e a situação de pessoas indígenas privadas de liberdade; aprimorar os serviços judiciários no âmbito da Justiça criminal; subsidiar as instituições do Sistema de Justiça e demais instituições públicas para implementação de políticas públicas voltadas aos povos indígenas.
Para a supervisora do GMF/TJAM, desembargadora Luiza Cristina Marques, “o documento representa um passo inicial e, ao mesmo tempo, pioneiro no Poder Judiciário brasileiro, com vistas a contribuir e subsidiar magistrados e servidores para melhor prestação jurisdicional, assim como demais atores do Sistema de Justiça, as organizações indígenas e entidades da sociedade civil, comunidade acadêmica, Poder Executivo e Legislativo.”
Conforme consta no Relatório, a publicação é parte das estratégias de monitoramento desenvolvidas pelo Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Prisional e do Socioeducativo do Tribunal de Justiça do Amazonas (GMF/TJAM), com o apoio técnico do “Programa Fazendo Justiça” (CNJ/PNUD).
Grupo de Trabalho
A juíza Ana Paula de Medeiros Braga Bussulo ressalta que, desde 2023, o TJAM conta um Grupo de Trabalho Interinstitucional (GTI/TJAM) sobre Indígenas e Justiça Criminal, espaço vinculado ao GMF/TJAM, que agrega atores do Sistema de Justiça, organizações da sociedade civil e pesquisadores do tema, e que tem buscado compreender as causas e consequências dos conflitos que envolvem as pessoas indígenas no campo da Justiça criminal.
Um dos objetivos do GTI/TJAM consiste na realização de estudos sobre o contexto atual da Justiça criminal e os direitos das pessoas indígenas, além do desenvolvimento de instrumentos para levantamento, monitoramento, gestão e qualificação de dados.
“A ideia de produzir esse relatório agora disponibilizado pelo GMF surgiu exatamente no âmbito do GTI, pois verificamos a necessidade desses dados para subsidiar não apenas as atividades do Grupo de Trabalho mas do GMF como um todo. Partiu-se, então, para o levantamento dos processos, uma atividade que consumiu quase três meses e cujo resultado está sendo agora entregue à população do estado do Amazonas e do Brasil e que certamente servirá de modelo para os GMF de outros estados em suas ações voltadas às populações indígenas”, disse a magistrada.
Ressaltando os esforços empreendidos para a elaboração do Relatório, a magistrada Ana Paula destacou que nos sistemas eletrônicos de tramitação processual do TJAM, não havia uma tarja indicando se aquela pessoa acusada, ré ou privada de liberdade era de origem indígena. “A partir desse trabalho, portanto, surgiu a necessidade de criação dessa tarja, para alimentação desse tipo de dado, inclusive com a informação da etnia”, destacou a coordenadora do GMF/TJAM.
A assistente técnica do “Programa Fazendo Justiça” (CNJ/PNUD) no Amazonas, advogada Luanna Marley, que trabalhou com a servidora do TJAM Anne Caroline da Silva Macedo na pesquisa e sistematização dos dados reunidos no Relatório, fala da importância do levantamento ao evidenciar dados quantitativos referentes às pessoas indígenas que são acusadas, rés ou sentenciadas à reclusão em regime fechado no estado. “Esse estudo preliminar auxilia a ampliar a compreensão sobre o tratamento jurídico dado a essa população e pode ser instrumento de orientação de tomadas de decisões e definição de políticas judiciárias no âmbito criminal e mesmo de políticas sociais promovidas pelo Poder Executivo e organizações da sociedade civil”, destaca Luana.
Pluralidade
O Relatório registra que o Brasil possui povos indígenas pertencentes a 305 etnias e falantes de 274 línguas indígenas, configurando-se como o País com uma grande diversidade de povos e uma pluralidade étnica. Segundo o Censo 2022 do IBGE, o quantitativo de indígenas no Brasil quase dobrou, sendo, atualmente, 1.693.535 pessoas, cuja maioria da população indígena se concentra na região Norte (45%) e tendo o estado do Amazonas o maior percentual de indígenas do Brasil, com uma população geral de 3.941.613, dos quais as pessoas indígenas representam 420.854 (29%).
O documento frisa que, apesar da reconhecida pluralidade de etnias presente na sociedade brasileira, os povos indígenas ainda são confrontados com uma série de violações de direitos e desafios sociais, políticos e econômicos, dentre esses aqueles relacionados ao Sistema de Justiça Criminal. “As experiências dos (as) indígenas no sistema de Justiça criminal são frequentemente marcadas por desigualdades estruturais; falta de acesso a recursos legais adequados; discriminação racial e cultural; além de violações dos direitos humanos”, registra o Relatório.
Tal cenário, aponta ainda o levantamento, é aprofundado quando as pessoas indígenas estão em contexto de privação de liberdade, em um sistema prisional com superlotação, em que o Supremo Tribunal Federal concluiu, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347 (ADPF 347), em outubro de 2023, que há um estado de coisas inconstitucional nas prisões do Brasil.
Organizado em seis tópicos (Introdução; Considerações Metodológicas; Amazonas: breves notas sobre o território das águas; Povos originários e processos criminais no Amazonas; Pessoas indígenas privadas de liberdade; Considerações), o Relatório está disponível para consulta no Portal do TJAM.