GT do CNJ apresenta proposta de política antimanicomial do Judiciário

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O grupo de trabalho sobre saúde mental no Judiciário encerrou atividades com proposta de política antimanicomial. FOTO: Luiz Silveira/Agência CNJ
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O grupo de trabalho criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para realizar estudos e medidas voltadas à superação das dificuldades relativas à promoção da saúde mental concluiu suas atividades na última semana com a proposta de uma Política Antimanicomial do Poder Judiciário, em consonância com as ações de afirmação dos direitos humanos pautadas pelo CNJ. O grupo foi instituído pela Portaria CNJ nº 142/2021 com o objetivo de materializar direitos previstos na Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência e na Lei da Reforma Psiquiátrica – Lei nº 10.216/2001, no âmbito do processo penal e da execução das medidas de segurança.

Além da minuta de resolução, o grupo também propôs a realização de um seminário internacional sobre saúde mental, em data a ser definida. O colegiado também propôs a oferta de cursos de atualização, aperfeiçoamento e especialização para qualificar a atuação de magistrados e magistradas em relação aos direitos das pessoas com transtorno mental, em sofrimento mental ou com deficiência psicossocial.

As propostas fazem parte do Relatório de Atividades do GT apresentado pela Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (UMF/CNJ), vinculada ao Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ). As sugestões foram elaboradas também a partir da contribuição do Programa Fazendo Justiça, uma parceria entre o CNJ e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

As medidas consideram as iniciativas de responsabilidade do CNJ para a proteção e prática dos princípios de direitos humanos no Judiciário, incluindo o monitoramento das medidas de cumprimento da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Ximenes Lopes. Em 2006, a Corte sentenciou o Brasil pela primeira vez por falha no julgamento dos responsáveis pelo caso Damião Ximenes Lopes, cearense morto em 1999, com sinais de maus-tratos e tortura, três dias após dar entrada em uma unidade médica de saúde mental.

De acordo com o coordenador institucional do GT e do DMF/CNJ, juiz auxiliar da Presidência do CNJ Luís Lanfredi, as medidas propostas têm o potencial de contribuir para que casos como o de Ximenes Lopes não se repitam. “A minuta de resolução que o GT construiu coletivamente ao longo das reuniões tem o intuito de consolidar uma Política Antimanicomial do Poder Judiciário estabelecendo procedimentos e diretrizes para implementar compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e a legislação nacional, incluindo o próprio direito fundamental à saúde previsto em nossa Constituição”, disse.

A desembargadora Kenarik Boujikian, do Tribunal de Justiça de São Paulo, avaliou que a atuação voltada à proteção e valorização dos direitos humanos e das pessoas com transtorno mental tem se tornado uma marca importante do Judiciário. “Vejo essa iniciativa como a primeira de uma série, esse é um trabalho que tem trazido elementos importantíssimos para o dia a dia dos nossos jurisdicionados, isso está fazendo toda a diferença também para os demais atores (do sistema de justiça).”

A assistente social e sanitarista assessora do DMF/CNJ, Melina Miranda, comentou que o trabalho foi inédito por ter reunido esforços da UMF, DMF e do Programa Fazendo Justiça e que as ações propostas podem render frutos em medidas da Justiça voltadas para pessoas com sofrimento mental. “Foi um trabalho desafiador e é algo histórico estabelecer essa política no Brasil, uma grande conquista. Assim, é importante celebrarmos a caminhada até aqui.”

Medidas propostas

Além de ações de formação e orientação da prática profissional sobre saúde mental de modo geral, o relatório propõe ações específicas que abordem a sobreposição de vulnerabilidades sociais nas situações de privação de liberdade e internações forçadas de pessoas com transtornos mentais, em sofrimento mental ou com deficiência psicossocial. Nesse sentido, ressalta que já existe normatização nacional e internacional sobre o tema, mas que a efetivação dessas normativas ainda precisa acontecer no Brasil.

Ao abordar a saúde mental no caso de pessoas em conflito com a lei, o GT propõe fluxos para que o tratamento ocorra em local adequado e de acordo com os elementos norteadores da Reforma Psiquiátrica: desinstitucionalização; negação do caráter terapêutico do internamento como regra; e redirecionamento do modelo assistencial à saúde mental em serviços substitutivos em meio aberto. Nesse ponto, o CNJ, por meio do Programa Fazendo Justiça, deve lançar levantamento inédito sobre o tema, além de programa nacional com modelo orientador de atuação para o Poder Judiciário.

Integrado por autoridades dos diversos ramos de Justiça do país, além do Poder Executivo e sociedade civil, a pluralidade de instituições e atores no desenvolvimento dos trabalhos do GT foi ressaltada com a representação do CNJ, por meio da participação do Conselheiro Supervisor e do Coordenador do DMF/CNJ, além da equipe do Departamento, da UMF/CNJ e do Programa Fazendo Justiça, de magistrado e desembargadora da Justiça Estadual, de defensoras e defensores da Defensoria Estadual e da União, de promotor de justiça do Ministério Público Estadual, de peticionários do Caso Ximenes Lopes vs Brasil, do Observatório Nacional de Saúde Mental, Justiça e Direitos Humanos da Universidade Federal Fluminense (UFF), da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da OMS no Brasil, do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos (ACNUDH) da América do Sul, do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), do Poder Executivo Federal, do Poder Legislativo por meio da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Reforma Psiquiátrica e Luta Antimanicomial, do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CDNH), de representante da Sociedade Civil na Luta Antimanicomial e da Economia Solidária, da Comissão Intersetorial de Saúde Mental do Conselho Nacional de Saúde, além de outros especialistas.

Saúde Mental no mundo

O relatório de encerramento do grupo de trabalho cita documento emitido recentemente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) indicando que, em 2019, quase um bilhão de pessoas – incluindo 14% dos adolescentes do mundo – viviam com um transtorno mental. “Pessoas com condições graves de saúde mental morrem em média 10 a 20 anos mais cedo do que a população em geral, principalmente devido a doenças físicas evitáveis”. Ainda segundo o estudo, desigualdades sociais e econômicas, emergências de saúde pública, guerra e crise climática estão entre as ameaças estruturais globais à saúde mental.

“Estigma, discriminação e violações de direitos humanos contra pessoas com problemas de saúde mental são comuns em comunidades e sistemas de atenção em todos os lugares; […] Em todos os países, são as pessoas mais pobres e desfavorecidas que correm maior risco de problemas de saúde mental e que também são as menos propensas a receber serviços adequados”.

A organização também tem alertado para a necessidade de se promover a saúde mental de adolescentes e prevenir agravos, uma vez que metade das condições de saúde mental se iniciam nessa fase, mas não são percebidas ou tratadas. As consequências dessas condições, muitas vezes, se estendem para a vida adulta, trazendo, da mesma forma, prejuízos ou limitações. O estudo ainda informa que a depressão e a ansiedade aumentaram mais de 25% apenas no primeiro ano da pandemia.

Nas palavras do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus: “Todos conhecemos alguém afetado por transtornos mentais. […] Os vínculos indissolúveis entre saúde mental e saúde pública, direitos humanos e desenvolvimento socioeconômico significam que a transformação de políticas e práticas em saúde mental pode trazer benefícios reais e substantivos para pessoas, comunidades e países em todos os lugares. O investimento em saúde mental é um investimento em uma vida e um futuro melhores para todos.”

Texto: Luciana Otoni
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias

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