Além de tratar dos princípios fundamentais da República, da organização do Estado brasileiro e dos direitos e das garantias dos cidadãos, a Constituição de 1988 também abrange matérias de natureza econômica, tributária, financeira e previdenciária. Essas últimas têm levado o Supremo Tribunal Federal (STF) a tomar diversas decisões com significativos impactos econômicos, políticos e sociais no país.
Os temas vão desde a restituição de perdas inflacionárias decorrentes de planos econômicos até a guerra fiscal entre os estados acerca da cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Recentemente, a Corte também tomou diversas decisões relacionadas à pandemia da Covid-19, muitas delas com repercussões financeiras para os entes federados.
Nos últimos anos, entre as questões econômicas relevantes julgadas pelo STF, merecem destaque o impedimento à chamada desaposentação (RE 661256), a possibilidade de corte no salário de servidores públicos que entram em greve (RE 693456) e a inconstitucionalidade da lei federal que amparava a cadeia de produção do amianto crisotila (ADI 3937). Na esfera previdenciária, a Corte julgou ações contra as sucessivas reformas nas regras para concessão de aposentadorias e outros benefícios e enfrentou temas como a contribuição previdenciária cobrada de servidores públicos aposentados e pensionistas.
Tem destaque, ainda, a decisão do Plenário na ADPF 165, que homologou os acordos entre poupadores e instituições financeiras para a correção monetária das perdas inflacionárias decorrentes dos planos econômicos nas décadas de 1980 e 1990. O tema envolve o pagamento de cerca de R$ 12 bilhões aos autores de mais de 600 mil ações judiciais que pediam a reparação dos prejuízos sofridos. Sobre matéria semelhante (RE 611503), a Corte negou recurso contra decisão que determinou à Caixa Econômica Federal o pagamento de diferenças de correção monetária sobre saldos de contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em decorrência da aplicação de planos econômicos.
O STF também já aprovou várias súmulas vinculantes (SVs) com pronunciamentos na área tributária a serem aplicados por todas as instâncias do Poder Judiciário e pela administração pública. É o caso da SV 4, que impede o uso do salário mínimo como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado.
Impacto nos cofres públicos
Em outubro do ano passado, a Advocacia-Geral da União (AGU) divulgou que decisões do STF na área tributária representaram uma economia de R$ 630 bilhões aos cofres públicos. Essas decisões de grande impacto e abrangência, em sua maioria, foram proferidas em recursos com repercussão geral reconhecida. Uma delas se deu no julgamento do RE 946648, que gerou uma estimativa de receitas aos cofres públicos em torno de R$ 56,3 bilhões com a validade da incidência do Imposto sobre os Produtos Industrializados (IPI) para importados na entrada no país (desembaraço aduaneiro) e na comercialização no mercado interno.
Ainda segundo a AGU, o governo foi desobrigado de devolver R$ 281 bilhões em impostos recolhidos nos cinco anos anteriores à decisão que admitiu a transição do modelo cumulativo para o não-cumulativo de apuração do PIS/Cofins (RE 587108). A União economizou também R$ 72 bilhões ao se isentar de pagar indenização ao setor sucroalcooleiro a partir do julgamento do ARE 884325, quando o STF exigiu comprovação técnica caso a caso para cobrar prejuízos decorrentes da política de preços adotada pelo governo federal.
No julgamento do RE 1072485, o STF declarou constitucional a incidência da contribuição social, paga pelas empresas, sobre terço de férias de seus funcionários, gerando uma economia de mais de R$ 28 bilhões. Impacto positivo para as contas públicas também teve a apreciação do RE 878313, em que a Corte validou a contribuição social de 10% sobre o saldo do FGTS nas demissões sem justa causa.
Pandemia
Desde o início da pandemia, em março do ano passado, o Supremo tem conferido maior agilidade à solução dos casos relacionados ao enfrentamento da crise sanitária e de seus desdobramentos social e econômico. A exemplo do ano passado, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, tem priorizado o julgamento de processos relacionados à pandemia e à retomada do crescimento econômico. O Painel sobre Covid-19, disponível no portal do STF, registra o recebimento de 8.221 processos, que resultaram em 10.134 decisões.
Somente no ano passado, a Suprema Corte julgou cerca de 40 pautas econômicas relacionadas à crise sanitária. Entres os destaques, o Plenário referendou medida cautelar (ADI 6357) para afastar as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei 13.898/2019) relativas à demonstração de adequação e compensação orçamentária em programas públicos destinados ao enfrentamento da Covid-19.
O STF também julgou válidos dispositivos da Medida Provisória (MP) 927/2020, que permite aos empregadores a adoção de medidas excepcionais em razão da pandemia, e da MP 936/2020, que autoriza a celebração de acordos individuais para redução de jornada e salário, trabalho remoto e suspensão temporária do contrato de trabalho.
Liminar deferida pelo ministro Marco Aurélio na ACO 3359, referendada pelo Plenário, proibiu cortes no programa Bolsa Família de famílias em situação de vulnerabilidade enquanto durar o estado de calamidade pública. Em outra decisão recente, no RE 1311742, o Plenário reafirmou a jurisprudência sobre a constitucionalidade de dispositivo da Lei Complementar (LC) 173/2020 que proíbe, até 31/12/2021, aumento de despesas com pessoal em todos os entes públicos durante a pandemia.
Há decisões também que impediram leis estaduais de obrigarem as escolas particulares a darem descontos nas mensalidades escolares no Ceará, no Maranhão e na Bahia. Já em Roraima, decisão da ministra Cármen Lúcia impediu o corte de energia elétrica por inadimplência durante a pandemia (ADI 6432).
Sobre as dívidas com a União, o ministro Alexandre de Moraes deferiu liminares em 20 ações ajuizadas por estados e pelo Distrito Federal para suspender o pagamento de parcelas devidas, condicionando a utilização dos valores não pagos à adoção de medidas relacionadas à pandemia. O ministro também autorizou a destinação de R$ 1,6 bilhão recuperados pela Operação Lava Jato (ADPF 568) ao Ministério da Saúde.
Estatais
A Suprema Corte também foi chamada a se manifestar sobre questões referente a estatais. No julgamento do RE 441280, o Plenário decidiu que a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) não se submete às exigências da Lei de Licitações (Lei 8.666/1993). Por atuar no mercado, ela precisa de agilidade e flexibilidade, não sendo cabível o rito rígido dessa legislação.
Na ADI 5624, o Plenário firmou entendimento de que a exigência de autorização legislativa, necessário na alienação das empresas-matrizes, não se aplica à venda do controle das subsidiárias e controladas de empresas públicas e sociedades de economia mista. O STF decidiu ainda que, para a privatização ou a extinção de empresas estatais, como a Casa da Moeda e o Serviço de Processamento de Dados (Serpro), não é necessária a autorização por lei específica (ADI 6241), bastando a autorização genérica prevista em lei que veicule programa de desestatização.
Pauta
Há ainda temas econômicos previstos para julgamento ainda no primeiro semestre, segundo a pauta elaborada pela Presidência do STF, relacionados à Lei de Patentes, à incidência de ICMS e de PIS/Cofins em diversos setores e processos envolvendo questões trabalhistas com impactos sobre a economia.
Fonte: STF