Instalados em 14 cidades de diferentes regiões do país nos últimos meses, os fundos municipais destinados a qualificar a implementação e a execução de políticas penais estão sendo fomentados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e parceiros. A criação desses fundos tornou-se possível com alterações na Lei do Funpen (Lei Complementar n. 79/1994) em 2017 e 2018, que permitiram repasses do Fundo Penitenciário Nacional a municípios. O objetivo dos fundos locais é apoiar gestores na implementação de serviços como as alternativas penais, ações de garantia de direitos para presos e no atendimento à pessoa egressa da localidade.
No CNJ, os fundos são apoiados pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução e Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ) por meio do programa Fazendo Justiça, fruto de parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e importante apoio da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), antigo Depen.
A articulação entre atores interessados já resultou na criação de fundos em 14 cidades: Macapá (AP), Itapecuru Mirim (MA), Mossoró (RN), Pau dos Ferros (RN), Caruaru (PE), Patos de Minas (MG), Alfenas (MG), Juiz de Fora (MG), Aguas Lindas de Goiás (GO), Lucas do Rio Verde (GO), Hortolândia (SP), Guaíra (PR), Porto Nacional (TO) e Mirassol D’Oeste (MT). A expectativa é de que, com o apoio dos repasses fundo a fundo, seja possível estruturar serviços penais de forma permanente, dando sustentabilidade à agenda trabalhada pelo CNJ por meio do programa Fazendo Justiça.
“A ampliação de fundos municipais no país é uma conquista relevante porque, mesmo prevista há alguns anos na Lei do Funpen, está sendo efetivada a partir da criação de parâmetros e normativas que balizam o recebimento desses fundos. Esse é importante desdobramento da decisão do Supremo Tribunal Federal que determinou o descontingenciamento de verbas do Funpen para a qualificação de políticas penais, com a municipalização despertando o valor da política pública”, avalia o coordenador do DMF/CNJ, Luís Lanfredi.
O juiz auxiliar da Presidência do CNJ com atuação no DMF Jônatas Andrade ressalta que a municipalização das políticas penais está alinhada ao fortalecimento das políticas fomentadas nacionalmente pelo CNJ com o apoio do programa Fazendo Justiça. “É nos municípios que as políticas penais ganham concretude e precisam ter seu financiamento fortalecido a partir de especificidades locais, a exemplo dos Serviços de Atendimento à Pessoa Custodiada (APECs), as Centrais Integradas de Alternativas Penais (CIAPs) e os Escritórios Sociais, com foco na reinserção social”.
Alteração recente em portaria do Depen articulada com apoio do CNJ alterou o cálculo do repasse do Funpen. Antes, o recurso era previsto para distribuição entre os mais de 800 municípios com unidades prisionais em seu território, e agora considera apenas aqueles que, além da presença de unidades prisionais, possuam um fundo municipal constituído.
Em maio de 2021, o CNJ lançou nota técnica com o passo a passo para que municípios possam acessar as verbas do Funpen – o documento foi elaborado em parceria com a Confederação Nacional de Municípios (CNM). Ele inclui modelo de anteprojeto de lei para a criação de fundos municipais para políticas penais e orientações sobre os serviços penais no âmbito municipal.
Confira o evento de lançamento da nota técnica:
Na prática
Em Mossoró (RN), a Câmara Municipal autorizou a criação do fundo em maio de 2022. A juíza titular da Vara de Execuções Penais da cidade, Cinthia Cibele de Medeiros, ressalta a importância do apoio técnico do CNJ para o desenvolvimento da política. “Foi uma convergência de esforços, com os subsídios do CNJ e o interesse da gestão municipal. Vemos atualmente uma capacidade inédita de transformar a realidade social local a partir de atenção aos presos e egressos. Não é nada mais do que o já previsto em lei, mas que não avançava por diversos fatores e uma leniência de décadas do Estado. Agora, podemos nos aproximar cada vez mais do cumprimento da legislação”.
No caso de Mossoró, a iniciativa conta ainda com o apoio do Ministério Público do Trabalho e do Escritório Social local, além de despertar interesse de universidades como a Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), que se movimenta para construção de iniciativas especialmente voltadas a pessoas egressas, com foco na perspectiva de inclusão social através de capacitações focadas no trabalho e na educação.
“Estamos na iminência da criação de um fórum com atores de instituições públicas e privadas para discutir projetos de inclusão social da população em cumprimento de alguma medida penal. Além de projetos pontuais, o esforço é para construção de programas estruturados no âmbito do Estado para atender esse público”, aponta Cinthia Cibele.
Em 2021, o caso de Caruaru (PE) foi apresentado evento do CNJ sobre o tema. Segundo o então secretário de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, Carlos Farias, a gestão municipal decidiu criar fundo próprio a partir dos bons resultados de um programa que recebia reeducandos para trabalhar na prefeitura. “O índice de reincidência criminal é baixíssimo. Temos pouquíssimas pessoas que voltaram a cometer delitos e precisaram voltar para as penitenciárias. E assim queremos continuar através do Fundo Penitenciário”.
O que diz a lei
A Lei do Funpen e as Medidas Provisórias n. 13.500/2017 e nº 13.756/2018 determinam a destinação de 10% dos recursos do fundo nacional para os municípios com a finalidade de implantação de serviços voltados para pessoas em alternativas penais e egressas do sistema prisional, podendo também captar recursos de outras fontes.
A coordenadora técnica do programa Fazendo Justiça, Valdirene Daufemback, avalia que o direcionamento da verba para fundos locais potencializa a sustentabilidade das políticas penais nos municípios, pois sedimenta um lugar dentro do orçamento público interfederativo. “Esse resultado garante que os municípios passem a ter esse recurso de uma forma regular, não só com base em um convênio ou em algo pontual”.
Texto: Natasha Cruz
Edição: Nataly Costa e Débora Zampier
Agência CNJ de Notícias