Fórum debate futuro mais acessível e humano da Justiça

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Foto: Gil Ferreira/CNJ
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O que é preciso fazer para que cidadãos que acessam a Justiça sejam tratados de maneira igualitária e digna por servidores, policiais, magistrados, defensores e promotores? O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) colocou em debate, na última segunda-feira (22/2), os desafios que esses órgãos precisam encarar para aumentar o acesso à Justiça e reduzir a discriminação e o preconceito, principalmente contra populações economicamente vulneráveis, como negros, idosos, mulheres e pessoas com deficiências físicas ou intelectuais.

As apresentações dos especialistas ocorreram durante o evento virtual “II Democratizando o acesso à Justiça: Justiça social e o Poder Judiciário no Século XXI”, que contribuiu na construção de políticas destinadas ao combate à desigualdade no acesso à Justiça. A organização foi conduzida pela Comissão Permanente de Democratização do Acesso aos Serviços Judiciários do CNJ, que é presidida pela conselheira Flavia Pessoa. Entre as atribuições da Comissão, conforme art. 10 da Resolução nº 296/2019, está propor ações e projetos destinados ao combate da discriminação, do preconceito e de outras expressões da desigualdade de raça, gênero, condição física, orientação sexual, religiosa e de outros valores ou direitos protegidos ou que comprometam os ideais defendidos pela Constituição de 1988.

“Infelizmente, ainda há muito o que fazer”, afirmou a juíza federal Adriana dos Santos Cruz, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), que também é membro do Observatório de Direitos Humanos do Poder Judiciário, coordenado pelo CNJ. “Mesmo quando tiveram seus pleitos atendidos, mulheres negras, de todas as origens, que buscaram atendimento da Justiça disseram terem se sentido tratadas de maneira desrespeitosa ou maltratadas mesmo. Isso deve gritar em nós. A Justiça não é só mas é também atendimento.”

A magistrada citou pesquisa recente feita pela defensoria pública do Rio de Janeiro que apontou erros em pelo menos 58 casos de reconhecimento fotográfico de supostos criminosos em registros da Polícia. As fotografias (de pessoas negras) resultaram em prisões injustas.

“Em que nível de democracia estamos? Isso vai além da dimensão política. As dimensões raciais nos afetam em muitos pontos. Ainda assim, convivemos com um grande número de magistrados que se nega a reconhecer o racismo e a fazer um curso nessa área”, destacou Adriana Cruz, que ressaltou a falta de formação nessa área nos cursos de direito e de formação na magistratura. “Temos de reconhecer nosso desconhecimento.”

Pobreza

“O acesso à Justiça é o mais básico dos direitos humanos. Não é uma questão de proclamar os direitos, mas de levar isso para a experiência concreta de todos. Superar os obstáculos que dificultam o seu acesso é de uma importância quase utópica, principalmente se olharmos para a nossa imensa desigualdade”, defendeu o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Everaldo Patriota.

A pobreza foi apontada pelo advogado como um dos maiores desafios no acesso à Justiça. “Vejamos o caso de Mariana e Brumadinho ]cidades atingidas por rompimentos de barragem com centenas de vítimas humanas e danos ambientais]. Não há como igualar a estrutura advocatícia da empresa Vale com a dos moradores dessas localidades, defendidos por defensores públicos. Em Alagoas, 90% da população recorre à Defensoria Pública para acessar a Justiça. Não há recursos humanos disponíveis para isso!”

Segundo o representante da OAB, em todas as regiões do Brasil a busca pela assessoria da Defensoria Pública é imensa. Na Amazônia, por exemplo, ele afirmou haver unidades judiciárias que sequer possuem defensores ou promotores de Justiça. Outros importantes pontos citados foram a demora jurisdicional para se conseguir resolver um processo e a dificuldade dos jurisdicionados em compreender a linguagem jurídica.

“É um universo inacessível para as pessoas comuns. Principalmente as camadas mais vulneráveis da população. Precisamos tornar compreensível o mundo do direito. Os juízes precisam compreender a desigualdade; saber que a população necessitada não tem ‘roupa adequada’. É preciso treinar nosso olhar para a inclusão”, afirmou Patriota.

Inclusão

A inclusão também foi o tema apresentado pela juíza do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) Elbia Rosane Souza de Araújo, que defendeu o acesso à Justiça de pessoas com deficiência física e/ou intelectual. No Brasil, um contingente de 45 milhões de pessoas (24% da população). “Ainda há uma invisibilidade que impede ou prejudica a integração dessas pessoas à sociedade. É preciso que servidores e magistrados, inclusive as polícias, defensores e Ministério Público, tenham conhecimento e sensibilidade em relação aos empecilhos e dificuldades que essas pessoas possuem a fim de permitirmos o acesso inclusivo e digno dessas pessoas.”

Como medida concreta para viabilizar a igualdade de condições, a magistrada citou a utilização de recursos e tecnologias que permitam esse acesso como, por exemplo, o Processo Judicial Eletrônico (PJe) para deficientes visuais. Também foi sugerida a priorização na tramitação de processos quando os autos tiverem como partes pessoas com deficiência, assim como prioridade de horários para o agendamento de audiências e/ou perícia.

Ela citou como exemplo o mutirão da curatela, feito pelo TJBA em obras sociais para idosos, que evitou a ida de 80 idosos e pessoas com deficiências ao Fórum. “Um projeto bonito, que pode e deve ser replicado. É preciso ações concretas como essas para remover as barreiras que impedem a plena efetivação da cidadania.”

Representando o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o conselheiro Silvio Roberto de Amorim Junior destacou a Recomendação CNMP nº 79, que contribuiu de maneira efetiva para a promoção da equidade de gênero no Ministério Público da União e dos estados. A medida recomenda a instituição de programas e ações sobre equidade de gênero em todos os estados, visando a igualdade profissional entre gêneros no âmbito dos Ministérios Públicos. Há diretrizes sobre concursos públicos, gestação e lactância, enfrentamento de assédio moral e sexual, e outros pontos, estabelecidos em seis artigos.

Representante da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT6) Luciana Conforti criticou a reforma trabalhista, aprovada em 2017, que estabeleceu perdas significativas de direitos aos trabalhadores. Para a juíza, entre os pontos modificados e que criaram maiores barreiras ao acesso aos direitos foi o que mudou a regra da gratuidade para o ingresso de ações na Justiça. “Impuseram barreiras econômicas que violam o princípio da igualdade das pessoas. O trabalhador ficou em desvantagem. Ele teme entrar na Justiça para tentar pleitear um direito, perder e ainda ser obrigado a pagar as custas do advogado da parte vencedora. Nos últimos anos , houve uma queda significativa no ajuizamento de ações trabalhistas. É uma ofensa ao acesso à Justiça. O acesso é obstaculizado por barreiras econômicas.”

A juíza auxiliar da presidência do CNJ Trícia Navarro Xavier Cabral, coordenadora do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Servidores do Poder Judiciário (CEAJud), citou que dos cinco eixos prioritários da atual gestão do presidente Luiz Fux, três deles apontam na direção das mudanças apontadas como necessárias pelos palestrantes, como a promoção dos direitos humanos e meio ambiente, incentivo ao acesso à Justiça digital e a melhor capacitação dos magistrados e servidores.

Trícia enumerou resoluções e programas destinados à proteção das mulheres, das crianças, e das pessoas negras. Ela citou resoluções do Conselho criadas para contribuir com a promoção da equidade, democratização do acesso à Justiça e combate às desigualdades sociais, como a Resolução CNJ nº 336/2020, sobre igualdade racial e cotas e a Portaria nº 108/2020, que criou grupo de trabalho para buscar promover a igualdade racial no âmbito do Judiciário.

A magistrada também citou o aprimoramento da área digital da Justiça como um fator de integração. “O Poder Judiciário do século XXI usa a inteligência artificial para criar soluções e resolver conflitos nacionais e internacionais. Estamos diante do fim das barreiras geográficas. O que importa não é mais o local, mas o serviço que ele oferece. O CNJ está amplamente comprometido com a democratização do acesso à Justiça.”

Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias