O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luiz Fux, afirmou que magistrados e magistradas devem estar sempre atentos, em especial aos mais vulneráveis. Ele participou de apresentação da pesquisa “Discriminação e Violência contra a População LGBTQIA+” e do lançamento do formulário Rogéria (Registro de Ocorrência Geral de Emergência e Risco Iminente à Comunidade LGBTQIA+), nessa terça-feira (9/8).
“A escassez de indicadores públicos oficiais de violência contra pessoas LGBTQIA+ é um problema central cuja permanência pode levar a um aumento da invisibilização da violência contra essa população”, defendeu Fux. Ele enfatizou que a sistematização de dados proporcionados pela pesquisa e pelo formulário tem o objetivo de facilitar a adoção de procedimentos integrados para minimizar a repetição da violência em curto prazo e aprimorar as respostas institucionais para reduzir a incidência de violências e discriminações. “Temos trabalhado incessantemente no combate à discriminação e à intolerância, papel esse fundamental a ser desenvolvido em uma sociedade democrática.”
O levantamento identifica a violência judicializada pela população LGBTQIA+ e o formulário é voltado à proteção e ao enfrentamento da violência contra esse grupo de pessoas. A cantora Daniela Mercury ressaltou a relevância das iniciativas enquanto respostas importantes que o Poder Judiciário dá ao país no combate à discriminação. Ela é integrante do Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário e autora da sugestão da pesquisa. “Nossa democracia está sob risco e precisa da mobilização da sociedade civil para preservá-la.”
O formulário Rogéria, cujo nome homenageia a atriz e cantora morta em 2017, foi apresentado pelo conselheiro do CNJ Marcio Freitas, que classificou a iniciativa como mais um passo para o cumprimento da promessa de construção de um país mais justo, como prevê a Carta constitucional. “A discriminação é a incapacidade de lidar e perceber as diferenças e percebê-las é que nos faz evoluir. Igualdade e respeito são valores essenciais da democracia.”
Elaborado pelo grupo de trabalho instituído pela Portaria CNJ n. 181/2021, o instrumento amplia a proteção da população LGBTQIA+, além de fundamentar e respaldar medidas judiciais. Ele será aplicado por delegacias, Ministério Público, Defensoria Pública, equipes psicossociais dos tribunais e instituições de assistência social, saúde, acolhimento e proteção a vítimas de violência e violações de direito.
A pesquisa “Discriminação e Violência contra a População LGBTQIA+”, apresentada pela juíza auxiliar da Presidência do CNJ Lívia Peres, foi desenvolvida pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias e pelo Laboratório de Inovação e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (LIODS), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
A ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge e o advogado Paulo Iotti também participaram presencialmente do lançamento da pesquisa e do formulário. Frei Davi, fundador da Educafro, prestigiou o evento on-line.
Resultados
Além de constatar que o Sistema de Justiça brasileiro carece de instrumentos para caracterização de crimes de LGBTfobia, a pesquisa “Discriminação e Violência contra a População LGBTQIA+” detectou que, a partir de 2019, ocorreu uma mudança jurisprudencial no país, com crescimento da ordem de 19,6% no número de processos de crimes LGBTfóbicos. Naquele ano, o STF decidiu pela aplicação da Lei n. 7.7716/89, conhecida como Lei Antirracismo, nas condutas homofóbicas e transfóbicas.
Para a realização da análise quantitativa foram levantados processos das bases de dados dos sistemas e efetuada busca jurisprudencial. Já a avaliação qualitativa se baseou em entrevistas com atores-chave visando compreender como operadores do sistema de justiça e da segurança pública atuam nos processos judiciais e verificar, sob a perspectiva das vítimas, como se deu o atendimento às demandas e/ou acolhimento.
A análise demonstra que os crimes que aparecem com mais frequência são: homicídio, injúria, lesão corporal e ameaça, sobrevindo também que em aproximadamente 15% dos casos está-se diante de violência doméstica.
Entrevistas
Para apuração de dados qualitativos, foram entrevistados operadores do Sistema de Justiça, da segurança pública e vítimas de LGBTfobia. Alguns dos tipos de violências e violações de direitos que motivaram a busca pela Justiça, mencionados ao longo das entrevistas, foram: agressões verbais, difamação, constrangimentos e exclusão de espaços públicos e privados (presenciais ou virtuais), exclusão de convívio social e familiar, assédio moral, desqualificação e humilhação em espaços de trabalho, agressões físicas e desrespeito ao uso de nome social.
A naturalização de situações de violências e violações de direitos nas vidas de pessoas LGBTQIA+ se mostrou recorrente, além da descrença no retorno por parte do Estado e na possibilidade de reparação pela Justiça, mesmo entre pessoas que conseguiram registrar formalmente e dar encaminhamento às ações. O recorte social e de classe se evidencia nas manifestações sobre a falta de condições para a realização e os desdobramentos após o registro de violência e durante o trâmite do processo penal. Mas constatou-se também que fazer parte de organizações do movimento social ou redes de ativismo amplia as possibilidades de que uma demanda seja direcionada e recebida pelo sistema de justiça.
A pesquisa mostra ainda que o ambiente do Poder Judiciário foi apontado como entrave, especialmente por seu caráter formal e pouco convidativo para pessoas que experimentam traumas relacionados à violência de gênero ou LGBTfóbica. A ausência de provas quanto à violência sofrida é outro aspecto apurado pelo levantamento, que aponta a necessidade de conscientização da população LGBTQIA+ quanto à importância de registro de fatos violentos sofridos e também o compartilhamento com outras pessoas.
Os resultados serão detalhados no dia 18 de agosto, no Seminário de Pesquisas Empíricas aplicadas às Políticas Judiciárias.
Texto: Jeferson Melo
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias
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