O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) concluiu na última semana formação nacional com mais de 70 participantes envolvidos no projeto Rede Justiça Restaurativa, que está levando a prática a 10 tribunais do país a partir de diretrizes da Resolução CNJ n. 225/2016. Ao longo de nove encontros – organizados de forma remota em razão da pandemia da Covid-19 – magistrados e técnicos do Judiciário, além de coordenadores e facilitadores do CNJ, discutiram conceitos teóricos e metodologias da justiça restaurativa no contexto da justiça criminal incluindo racismo, encarceramento em massa e práticas restaurativas em unidades de privação de liberdade.
O projeto Rede Justiça Restaurativa iniciou as atividades em fevereiro deste ano por meio de parceria do CNJ com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública por meio do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). O projeto apoia cortes locais a estruturarem núcleos restaurativos que atendam ao sistema de justiça criminal e ao sistema de justiça juvenil e socioeducativo, colaborando para a resolução pacífica de conflitos e para a redução da superlotação da população privada de liberdade no Brasil.
As atividades estão sendo promovidas pelo Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo (CDHEP). Foram alocadas cinco facilitadoras para atuação junto aos tribunais de justiça de Acre, Alagoas, Amapá, Ceará, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima e Rondônia, assim como no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (Mato Grosso do Sul e São Paulo).
Teoria e prática
A formação incluiu exercícios teóricos e práticos de metodologias de justiça restaurativa, como círculos de construção de paz, procedimentos restaurativos vítima-ofensor-comunidade (VOC) e conferência de grupo familiar com espaço para debates e troca de experiências.
Os participantes também estão acompanhando o curso “Fundamentos para implementação da justiça restaurativa nos tribunais”, promovido pelo CNJ em parceria com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), que busca desenvolver competência para expansão de novas abordagens para a resolução de conflitos.
No lançamento do curso, o coordenador do Comitê Gestor Nacional de Justiça Restaurativa do CNJ, conselheiro Luiz Fernando Tomasi Keppen, destacou a complexidade das relações humanas, da universalidade do fenômeno da violência e da consequente necessidade contínua de busca de soluções.
“Familiarizar os operadores do direito com a lógica da justiça restaurativa, além de sair um pouco do tecnicismo e adentrar a complexidade que é a vida, será objeto de discussões e de estudo. É preciso renovar o pensamento, intensificar e estender a inteligência para que o futuro não seja apenas uma esperança, como advertiu (o filósofo francês Jean-Paul) Sartre, mas a materialização da esperança ao alcance de cada um”, disse Keppen.
O juiz coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), Luís Geraldo Lanfredi, destaca o caráter inovador de trazer os conceitos restaurativos para a justiça criminal e para justiça da juventude.
“A difusão das práticas de justiça restaurativa contribui para a construção de uma sociedade mais pacífica. A prisão como única forma de responsabilização não tem atendido às expectativas de diminuição da violência e da insegurança. Quando o Judiciário tem a coragem de enveredar por outros caminhos, buscando a raiz dos conflitos e envolvendo positivamente as partes, ele contribui para uma cultura de paz”, afirmou Lanfredi.
Aplicação
O juiz da infância e juventude de Campina Grande (PB) Hugo Gomes Zaher elogiou a proposta do projeto em desenvolver competências para reconhecimento das dimensões principiológicas da justiça restaurativa e sua aplicabilidade nas formas de conflito, sobretudo os derivados de crimes e de atos infracionais.
“Permite uma mudança de olhar no tratamento dos conflitos, buscando a necessidade efetiva dos que foram impactados – vítima, ofensor e comunidade. Outro aspecto importante é fortalecer e disseminar a proposta do CNJ, via Resolução 225/2016, de criação de um órgão macrogestor da justiça restaurativa. Para isso, se mostra necessária a atuação em rede com vários atores”, explica Zaher.
A coordenadora de justiça restaurativa no CDHEP, Petronella Maria Boonen, explica que inicialmente a formação nacional seria realizada presencialmente, mas que a reformulação acabou trazendo ganhos. “Foi importante ver o entrosamento do grupo. Apesar das atividades on-line, conseguimos um clima de confiança que é importante para formações na temática”, avalia.
A percepção é compartilhada pelo coordenador de ações voltadas ao sistema socioeducativo no âmbito da parceria entre CNJ e PNUD, Cláudio Vieira. “Através do esforço técnico investido, todos os parceiros envolvidos foram capazes de realizar um curso de formação adequado ao formato remoto e na busca de alcançar o objetivo de implantar os núcleos de justiça restaurativa. Cabe destacar também a dedicação dos profissionais”, diz.
Suerda Araújo é uma das facilitadoras que atuarão no projeto e destaca a gramática compreendida pela comunidade, integrando lentes e olhares que menos buscam o controle e mais o engajamento social. “Me interessei pelo entendimento de que eu estaria colaborando na construção não de um novo tribunal, mas no desenvolvimento de uma nova justiça que busca reconhecer o poder de decisão e a autonomia dos sujeitos e da comunidade sobre suas próprias formas de gerenciar conflitos, por um caminho de diálogo, de criatividade, de reconhecimento das humanidades e de empoderamento”, diz.
Política judiciária
De acordo com a Resolução CNJ n. 225/2016, a justiça restaurativa “constitui-se como um conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias, que visa à conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, e por meio do qual os conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de modo estruturado”.
Iuri Tôrres
Agência CNJ de Notícias