Uma ferramenta que usa Inteligência Artificial (IA) será aplicada para auxiliar os juízes e juízas que lidam com casos de homicídios de mulheres. Desenvolvida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o modelo deve ser implantado em 2023, como projeto-piloto, pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE).
O projeto, que deve ser testado durante um ano, pretende aprimorar a compreensão da perspectiva de gênero presente nos crimes e contribuir para a resposta do país à violência contra mulheres e meninas. O objetivo é facilitar o acesso do Poder Judiciário à legislação e à literatura sobre a perspectiva de gênero, que pode estar presente nesses crimes. Segundo a juíza-auxiliar da Presidência do CNJ Amini Haddad, que atua na execução da política de monitoramento e fiscalização da violência de gênero, a ferramenta poderá ser utilizada em qualquer área referente à questão de gênero. “Há um campo vasto para a análise de crimes com a desqualificação do feminino”, disse.
A maior parte dos homicídios qualificados como feminicídios está relacionada à violência doméstica e o desprezo e discriminação à condição de mulher, como definido pela Lei 13.104/2015. “Ainda há espaço para avançar na compreensão dos outros casos, como estupros”, afirmou a juíza. A ferramenta será utilizada no contexto da Justiça 4.0 para fortalecer o conjunto de soluções digitais voltadas ao Poder Judiciário.
Financiado pela Iniciativa Spotlight – iniciativa das Nações Unidas focada na eliminação de todas as formas de violência contra as mulheres -, o modelo de IA vai automatizar a busca por termos importantes para análise de gênero dos processos, relacionando-os com a legislação e a literatura sobre o tema. Ao identificar esses termos, a ferramenta apresenta argumentos para auxiliar os usuários a compreender se um homicídio pode ser qualificado como feminicídio.
Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que reuniu as estatísticas criminais de feminicídio e estupro dos primeiros semestres dos últimos quatro anos, o número de casos de feminicídio cresceu 10,8%, totalizando 2.671. Desse total, 699 casos ocorreram entre janeiro e junho deste ano, o que representa um aumento de 3,2% em comparação com 2021. Isso significa uma média de quatro mulheres assassinadas por dia.
O levantamento também aponta a ocorrência de 29.285 casos de estupro em 2022, um aumento de 12,5%, em relação ao mesmo período do ano anterior. Destes, 74,7% foram registrados como estupro de vulnerável, quando as vítimas são incapazes de consentir com o ato sexual. No acumulado dos quatro anos, mais de 112 mil mulheres foram estupradas no país, considerando apenas o primeiro semestre de cada ano.
De acordo com a representante residente do PNUD no Brasil, Katyna Argueta, esse é um exemplo de como a digitalização pode acelerar a solução de problemas do desenvolvimento, tais como a desigualdade de gênero. “A inteligência artificial aqui não é um fim em si mesma. De maneira inovadora, ela embarca conhecimento em uma ferramenta e oferece ao Poder Judiciário uma alternativa para avançar na sua resposta à violência contra mulheres e meninas”, afirma.
A iniciativa do CNJ identifica ainda avanços com o aprimoramento da classificação dos crimes de gênero, em relação à responsabilização dos assassinos; e quanto às respostas ao fenômeno do feminicídio. “Se a violência extrema de gênero está corretamente qualificada, as respostas poderão ser mais eficazes”, acredita Amini Haddad. O conteúdo da ferramenta foi produzido por especialistas em violência de gênero e se organiza em quatro tipos de informações: variáveis importantes para a análise de gênero; exemplos de palavras-chave que poderão estar presentes nos processos; verbetes com as informações para apoiar as análises; e referências da legislação e dos estudos de gênero que dão suporte aos verbetes. São verbetes para 200 palavras-chaves relevantes para a análise de gênero dos processos. O trabalho está publicado em formato de manual de implementação e está à disposição nas versões português e espanhol.
Texto: Lenir Caminura
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias