A falta de evidências que comprovem a existência de organizações nos processos de crimes de tráfico humano, além da ausência de condenação dos réus nesses casos foi tema abordado no artigo Tráfico de Pessoas e Envolvimento de “Crime Organizado: análise da jurisprudência penal de 2017 a 2020”, veiculado na Revista Eletrônica do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – volume 7, nº 2 (Jul a Dez 2023), disponível no Portal do CNJ, na Internet.
No artigo, os autores Sven Peterke, membro honorário do Comitê Estadual de Enfrentamento ao Tráfico e Desaparecimento de Pessoas da Paraíba (CETDP/PB) e mestre em Assistência Humanitária Internacional pela Ruhr-Universität Bochum (Alemanha), e os graduandos de Direito da Universidade Federal da Paraíba e ex-bolsistas do projeto “Tráfico de pessoas e envolvimento de crime organizado”, Vítor Domingues Duarte Paiva e Raphael Varelo Bonfim, avaliam a dificuldade de se comprovar a participação de recrutadores, transportadores, vigilantes, assim como de policiais e outros agentes públicos corrompidos nesses crimes e, por conta disso, suas condenações com baixas penas.
O estudo – afirma seus autores – não pretende criticar decisões tomadas pelos juízes em julgamentos relativos ao tema, mas jogar luz na questão. Apesar dos indícios informados pelos próprios processos, que, “embora fracos, apontam para a existência de um esquema maior do que o julgado e que teria potencial de se configurar como organização criminosa”, boa parte desses casos termina não conseguindo comprovar a existência dessas organizações criminosas nem condenando os envolvidos.
Os autores ressaltam que a análise da jurisprudência tornou visível um dilema comum na justiça brasileira, assim como em outros Estados: mesmo havendo indícios para o envolvimento de esquemas maiores e com potencial de se configurar como associação, o fato de haver provas consideradas fracas implicou nos baixos índices de condenações.
“A conjuntura que envolve o tráfico humano tende a ser de alta complexidade e sua apuração exige, além de experiência e profissionalismo, recursos financeiros, técnicos ou humanos por parte das polícias e outras instituições envolvidas, nacionais e internacionais”, afirmam.
Os autores destacam que a repressão mais eficaz a esse tipo de crime requer capacitar e equipar adequadamente os órgãos competentes para realizar as investigações – sobretudo, as polícias –, para que possam coletar provas necessárias para indiciar e condenar criminosos.
“Com isso, as vítimas teriam mais confiança na atuação do Estado e começariam a apoiar de forma mais ativa o processo de desmantelamento do crime organizado”, complementam.
Nas 30 páginas do artigo é possível observar que os autores destacam como “pragmatismo do Judiciário nacional” as suspeitas de envolvimento de organizações criminosas em diversos casos, reconhecendo a existência de obstáculos e riscos processuais com potencial de impossibilitar a condenação dos réus, satisfazendo-se, portanto, com as provas ao seu alcance.
Em um dos casos, há quatro grupos de pessoas envolvidas, compostos por brasileiros, espanhóis e portugueses. As vítimas foram aliciadas em uma cidade tocantinense para exploração sexual em boate pertencente a membros do grupo. Os integrantes brasileiros do esquema ajudaram na compra e na organização das passagens aéreas.
De acordo com a legislação na época aplicável, os réus foram condenados às penas de seis anos e três meses a oito anos e 10 meses de prisão e à multa, por tráfico internacional de pessoas e formação de associação criminosa.
A sentença, no entanto, foi emitida sem o embasamento do agravante ‘emprego de fraude’ o que resultou, posteriormente, na absolvição de todos os acusados.
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Texto: Regina Bandeira
Edição: Beatriz Borges
Agência CNJ de Notícias