A Conferência Internacional sobre Monitoração Eletrônica, evento inédito organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o tema ‘Tecnologia, Ética e Garantia de Direitos’, foi encerrada nesta sexta-feira (23) abordando novos caminhos para a aplicação da monitoração eletrônica enquanto ferramenta efetiva ao contexto penal e como alternativa ao encarceramento. Falas dos diversos especialistas nacionais e internacionais confirmaram a necessidade da qualificação de fluxos e de procedimentos relacionados ao uso da tecnologia e de uma maior atenção à pessoa monitorada, de forma alinhada ao que determina a Resolução CNJ n. 412/2021.
O evento coordenado pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ) reuniu 160 participantes no formato presencial e mais de 10 mil visualizações nos três dias de evento. “A população monitorada eletronicamente cresceu mais de quatro vezes desde 2015 segundo dados do Executivo, chegando a quase 100 mil pessoas. E esse crescimento não resultou na redução proporcional da população privada de liberdade. Há desafios ainda mal compreendidos para cuidarmos de uma prática que exerce o controle por meio da tecnologia. Por isso é fundamental um olhar sobre o tema sob uma perspectiva ética e de garantia de direitos”, analisa o coordenador do DMF, Luís Lanfredi.
A conferência foi concebida como parte das atividades do programa Fazendo Justiça, coordenado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e apoio do Ministério da Justiça e da Segurança Pública para acelerar transformações no campo da privação de liberdade. O programa também vem apoiando o trabalho do CNJ na articulação dos atores centrais da política de monitoração eletrônica, incluindo a disseminação de diretrizes, subsídios técnicos e procedimentos de acordo com a Resolução CNJ n. 412/2021. A normativa tornou a prestação jurisdicional mais eficiente ao criar protocolo que delimita o tratamento dos incidentes na monitoração pelos magistrados, racionalizando o trabalho dos cartórios e dos juízes e otimizando o trabalho conjunto do Judiciário com as Centrais de Monitoração do Executivo.
Enfrentamento à violência doméstica
Na discussão sobre a monitoração eletrônica no contexto do enfrentamento à violência doméstica, contexto em que se questiona a extensão do controle penal ou forma de segurança social, a juíza do Tribunal de Justiça do Ceará Teresa Germana expôs a complexidade desse tipo de caso e o papel do juiz com um olhar individualizado perante cada processo. Também abordou a aplicação do Formulário Nacional de Avaliação de Risco, instrumento de prevenção e de enfrentamento de crimes no contexto da violência doméstica. “Antes de aplicar a medida protetiva da monitoração eletrônica, é fundamental que o magistrado leia esse formulário nacional para individualizar cada situação e verificar se esta é a medida mais adequada. Não são apenas processos, são famílias, e muitas vezes a medida precisa ser revisada”, sugeriu.
O membro do Conselho Superior da Justiça Belga Pedro Ferreiras Marum defendeu a priorização do modelo econômico de monitoração integrada e o reconhecimento dos custos globais da medida em comparação aos custos prisionais. “A monitoração eletrônica deve ser usada de maneira justa e equitativa, e não para causar danos físicos ou mentais ao monitorado. Além disso, deve haver uma inspeção governamental regular e vias para monitoramento pelos responsáveis da monitoração eletrônica, de maneira consistente com a lei”. O painel foi mediado pela defensora pública do estado do Amazonas, Juliana Linhares de Aguiar Lopes.
Ética e punição
A partir do tema ‘Ética e perspectivas futuras da monitoração eletrônica’, a professora de Justiça Criminal e diretora da Escola de Política Social da Universidade de Birmingham Anthea Hucklesby ressaltou a importância da utilização da monitoração eletrônica de forma ética e otimizada, considerando a diferença entre dor e dano (pain or harm). “A monitoração eletrônica geralmente é uma forma de alcançar um objetivo relacionado a punição, afinal as pessoas monitoradas são privadas de liberdade e autonomias. Estão confinadas em casa, banidas de frequentar determinadas áreas, de usar álcool ou de estar perto de uma determinada pessoa. É uma restrição cotidiana, por isso é necessário aprimorarmos a utilização desta medida”.
Diretora de Cidadania e Alternativas Penais da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), Mayesse Parizi apresentou a carteira de políticas públicas da secretaria no âmbito da monitoração eletrônica e outras políticas de alternativas penais com objetivo de reduzir a superpopulação carcerária e falou sobre os compromissos implícitos da monitoração. “É com base na responsabilização penal que acontece o compromisso ético sobre o sigilo das informações, aspecto extremamente importante da monitoração eletrônica, além do prazo de estabelecimento e revisão desta medida”.
O presidente da Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), conselheiro Jaime de Cássio Miranda, encerrou o painel destacando que segurança pública também é direito fundamental. “Então, o debate sobre monitoração eletrônica é significativo pois representa interseção complexa entre tecnologia, segurança e ética, além de ser compreendida como medida útil à redução da superlotação carcerária e proporcionar a possibilidade de reinserção social dos presos”. O ministro do Superior Tribunal de Justiça Sebastião Reis Júnior mediou a conferência de encerramento.
Sobre o evento
A Conferência Internacional sobre Monitoração Eletrônica aconteceu entre 21 e 23 de junho com a proposta de ser um espaço de discussões sobre os desafios para a qualificação da monitoração eletrônica no contexto brasileiro à luz de experiências internacionais, debatendo questões atuais como o papel das novas tecnologias no apoio ao monitoramento e questões relativas às perspectivas futuras na aplicação da modalidade. Ao todo, 23 painelistas do Brasil e exterior participaram do evento – acesse a playlist para conferir a íntegra das transmissões.
Estiveram em pauta os desafios da monitoração eletrônica considerando novas tecnologias como a inteligência artificial, a seletividade penal e racial e violência doméstica, além experiências internacionais e o futuro da monitoração. A Conferência também marcou o lançamento de campanha do CNJ direcionada a públicos distintos – integrantes do Judiciário e população em geral – com o objetivo de esclarecer aspectos importantes sobre o uso da monitoração eletrônica, como seus efeitos para a prestação de justiça e a necessidade de redução de estigmas para o convívio dessas pessoas em liberdade assistida.
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Texto: Isis Capistrano e Natasha Cruz
Edição: Nataly Costa e Débora Zampier
Agência CNJ de Notícias