As varas que lidam apenas com processos da área da infância e juventude conseguem concluir a tramitação de ações judiciais em menos tempo quando comparado às unidades que lidam com demandas de mais de um ramo do direito. A conclusão está na pesquisa “Estrutura Judiciária e Gestão Administrativa de Políticas de Infância e Juventude”, divulgada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na última sexta-feira (29/4), durante seminário que apresentou resultados do Pacto Nacional pela Primeira Infância. O compromisso que mobiliza cerca de 300 instituições em defesa dos direitos das crianças com até 6 anos de idade investigou o sistema de atenção à primeira infância.
O detalhamento dos dados foi apresentado pelas pesquisadoras do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) Janaína Dantas. Gomes e Anelise Froes, durante Painel conduzido pelo presidente do Instituto Rui Barbosa, Edilberto Carlos Pontes Lima, e que teve como debatedoras a presidente do Colégio de Coordenadores da Infância e Juventude dos Tribunais de Justiça do Brasil, juíza Noeli Reback, e a secretária de Comunicação Social do CNJ, Juliana Neiva.
O estudo analisou o banco digital de dados processuais do Poder Judiciário mantido pelo CNJ e alimentado pelos tribunais, o Datajud. Após extrair e tratar as informações da base de dados, calculou-se o tempo médio de tramitação de uma ação em três classificações de vara de infância e juventude, definidas com o auxílio do Módulo de Produtividade Mensal.
Em seguida, o período de andamento de um processo foi comparado ao tempo de duração de uma ação em varas que recebem demandas de múltiplas áreas (cumulativas) e naquelas de juízo único. As últimas são as varas mais comuns em comarcas menores. Nelas um único juiz ou juíza é responsável por processar todas as ações a ele encaminhadas, independentemente da área (criminal, execução penal, cível, família, etc.).
Leia o relatório “Estrutura Judiciária e Gestão Administrativa de Políticas de Infância e Juventude”
Nos casos de adoção, por exemplo, o processo dura em média, até o julgamento, 0,8 ano em uma vara exclusiva, 1,3 anos em uma vara cumulativa e 2 anos em uma vara de juízo único. Quando considerado o tempo de tramitação dos processos até a baixa, um processo de guarda pode terminar em média em 1,6 ano em uma vara exclusiva, o mesmo tipo de ação judicial dura 1,9 ano em uma unidade judiciária de primeiro grau com mais de um assunto e até 2 anos, em uma vara de juízo único. Embora sejam mais céleres no tratamento dos processos, as varas de competência exclusiva são minoria na estrutura da Justiça.
Na avaliação de Janaína Dantas, os dados fazem refletir sobre o quanto a velocidade das sentenças está relacionada às garantias do direito. “Pensar a garantia dos direitos das crianças não inclui apenas o que se refere à velocidade das sentenças que, como nós vemos aqui, são bastante rápidas, principalmente quando comparadas com o contexto nacional.”
É preciso, na opinião da pesquisadora, ir além das mensurações de velocidade de baixa e julgamento dos processos para que se compreenda a qualidade da proteção ofertada pelo Poder Judiciário, motivo pelo qual a pesquisa abarcou outros elementos como a estrutura das varas, perfil das profissionais atuantes, e a interação com o Sistema de Garantia de Direitos locais, entre outros, em seus questionários e pesquisa de campo.
De acordo com o Módulo de Produtividade Mensal, pelo menos 3.148 unidades de primeiro grau têm competência para julgar ações judiciais na área da infância e juventude no Brasil. Varas exclusivas representam apenas 4,51% desse universo. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) é a que mais possui varas exclusivas e a região Sudeste é a que mais concentra varas que processam ações dessa matéria.
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Tendência
Outro achado da pesquisa, que analisou a movimentação processual em 2020, aponta para a relevância de se continuar estudando o atendimento da Justiça às necessidades da desse público. Como houve menos processos baixados (resolvidos em definitivo) que o número de processos iniciados em 2020, a tendência é de acúmulo dos processos ligados à infância e juventude. Ao final de 2020, cerca de 167 mil processos estavam pendentes de baixa (solução), um número 2,8 vezes maior que a quantidade de processos que foram baixados nesse ano.
O estudo também constatou que as varas de competência exclusiva costumam ter equipes mais bem estruturadas, com mais profissionais para analisar casos que envolvem os direitos das crianças. Como esses processos podem abranger desde adoção, acolhimento, guarda, os juízes precisam de uma equipe formada por profissionais de várias áreas, como psicólogos, assistentes sociais e pedagogos, por exemplo, para assessorá-lo na tomada da decisão que represente o melhor interesse da criança. São essas as equipes responsáveis por emitir pareceres individuais sobre cada caso.
Segundo a pesquisadora Anelise Froes, existe uma percepção muito clara entre todos que atuam no segmento de que ainda há muita dificuldade para articulação do trabalho em rede, especialmente no campo intersetorial, que articula o Sistema de Justiça com a rede de proteção do Executivo e dos municípios.
Estrutura
As varas com competência exclusiva também possuem quantidade maior de juízes, oficiais de justiça, analistas judiciários, técnicos judiciários, estagiários e servidores terceirizados, em relação às demais varas consideradas no estudo. Os dados sobre a estrutura – física e funcional – das varas que tratam de infância e juventude foram obtidos por meio de um questionário enviado a todos os tribunais de justiça do país em 2021. Cerca de 21% do total de varas que lidam com infância e juventude responderam ao questionário.
A média de juízes efetivos providos nas varas cumulativas é inferior a 1 (0,85), o que pode sugerir haver casos de unidades judiciárias sem nenhum magistrado. Nas varas exclusivas, a média é de 1,73. “Os resultados reforçam a compreensão de que as varas com competência exclusiva conseguem tramitar com mais diligência os processos aqui analisados, no âmbito da infância e juventude. Quanto às varas de juízo único, uma das hipóteses a se considerar está no fato dessas unidades atuarem sob acúmulo de temas para o mesmo juiz, o que dificulta o tempo de efetividade na tramitação do processo”, concluíram as pesquisadoras.
Ao comentar o estudo, a juíza Noeli Reback traçou um panorama histórico dos dispositivos e ações voltadas para a Primeira Infância e observou a necessidade de se reforçar e profissionalizar toda a estrutura que lida com o tema. ”Apesar de grandes avanços, permanecem diversos desafios. A partir do diagnóstico realizado se verificou que o Marco legal da Primeira Infância ainda precisa ser difundido e apropriado pelo sistema de Justiça”, observou.
Inédito
A radiografia das varas que lidam com infância e juventude faz parte de um conjunto de cinco diagnósticos que foram apresentados. A pesquisa é uma iniciativa do Pacto e analisou, pela primeira vez, a situação da atenção à primeira infância em 120 municípios. Além da estrutura e da movimentação processual da infância e juventude no Poder Judiciário, “Mulheres e adolescentes grávidas e mães de crianças até 6 anos presas ou em regime de internação”; “Proteção da criança na dissolução da sociedade conjugal”; “Destituição de poder familiar, adoção e tráfico de crianças”; “Famílias acolhedoras e unidades de acolhimento” foram os temas dos demais diagnósticos apresentados durante o Seminário do Pacto.
O diagnóstico nacional analisou o déficit de atendimento a essa parcela da população, sob a perspectiva da atuação das Varas de Infância e Juventude, Varas de Família, Varas de Violência contra a Mulher, Varas de Execução Criminal, Justiça do Trabalho, Promotorias de Justiça, Defensorias Públicas, Equipes Psicossociais Jurídicas, e os demais integrantes do sistema de garantia de direitos.
Comunicação
O Painel contou também com uma exposição da secretária de Comunicação Social do CNJ, Juliana Neiva, que mostrou as contribuições da área para a divulgação e gestão das políticas da Primeira Infância. Ela destacou a importância da circulação de informações fidedignas para a implementação e concretização de políticas públicas, na disseminar de boas práticas e na formação da consciência das pessoas em relação aos direitos e deveres.
“É responsabilidade de todos nós garantir que nossas crianças cresçam saudáveis, em ambientes saudáveis, e se tornem adultos felizes. O cidadão recebe informação sobre direitos e deveres por meio da comunicação social”, apontou a jornalista.
A secretária apresentou um balanço das atividade do setor no apoio às ações do CNJ voltadas para o Pacto Nacional da Primeira Infância, tanto na divulgação de informações, quanto na mobilização dos diversos parceiros. “A comunicação atua na produção de vídeos institucionais, páginas no Portal do CNJ, cobertura jornalística e fotográfica de eventos, e também na realização de campanhas nas mídias sociais oficiais do CNJ, como Facebook, Instagram, Twitter, YouTube e LinkedIn”. Ela destacou ainda que a Secretaria de Comunicação estabelece laços com a imprensa tradicional e conquista mídia espontânea, ampliando ainda mais o alcance das ações em prol da Primeira Infância.
Manuel Carlos Montenegro
Jeferson Melo
Agência CNJ de Notícias
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