Estudo apresenta causas relacionadas à devolução de crianças e jovens adotados

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Foto: Arquivo
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A desistência e o retorno às instituições de acolhimento de crianças e adolescentes em processos de adoção estão associados a fatores etários, comportamentais e de preparação das famílias. É o que revela o Diagnóstico sobre a devolução de crianças e adolescentes em estágio de convivência e adotadas, realizado na 6.ª edição da série Justiça Pesquisa, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O estudo inédito busca compreender as causas e consequências da devolução de crianças a partir de aspectos jurídicos, sociais e psicológicos. O trabalho também analisa os desafios na implementação de medidas preventivas e de acompanhamento pós-adoção estabelecidas pelo sistema para aprimorar políticas públicas e práticas judiciais relacionadas à adoção.

Para a realização da análise, foram utilizadas abordagens qualitativas e quantitativas e coletadas informações em todas as regiões do país. Os pesquisadores entrevistaram equipes técnicas e profissionais de unidades de acolhimento, além de pessoas que devolveram crianças ou adolescentes. Também foram feitas análises de processos judiciais para entendimento dos fluxos e exame dos casos, e a investigação de dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), do CNJ, desde 2019, e de outras fontes externas.

Pelo SNA, foram identificados 2.198 crianças e jovens com pelo menos um registro de devolução, o que representa menos de 10% do total dos 24.673 adotados a partir daquele ano. A pesquisa mostra que as devoluções mais comuns ocorrem no estágio da guarda provisória, período de convivência entre a criança e o pretendente que antecede a adoção definitiva. São 1.665 ocorrências desse tipo, o que corresponde a quase 76% do total. Os dados também sugerem maior taxa de devolução na modalidade de adoção conhecida como intuitu personae, para a qual não há previsão legal, e que consiste na entrega da criança pelos pais biológicos para terceiros, sem prévia intervenção judicial.

Os resultados foram apresentados na tarde de quinta-feira (21/11), durante o evento Seminário de Pesquisas Empíricas Aplicadas às Políticas Judiciárias. A pesquisa foi realizada pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ).

Acesse a pesquisa “Diagnóstico sobre a devolução de crianças e adolescentes em estágio de convivência e adotadas”

Condicionantes da devolução

Fatores relacionados à idade e à saúde são os mais relevantes para explicar a devolução. O estudo observa que a proporção de casos é maior na medida em que se aumenta também a faixa etária do adotado, com destaque para devoluções de adolescentes com até 15 anos de idade. O uso de medicação, o diagnóstico de deficiência mental ou de qualquer outro problema de saúde tratável são aspectos também associados a taxas de devolução maiores.

Com relação aos adotantes, a compreensão do estudo é de que o aumento da flexibilidade no perfil desejado pelos pretendentes para adoção demonstrou ter grande impacto no fenômeno. Perfis mais flexíveis (por exemplo, que aceitam adotar crianças mais velhas ou com problemas de saúde) também estão associados a maiores taxas de devolução.

Outro resultado relevante diz respeito ao tempo da fase de habilitação dos pretendentes à adoção, em que se busca providenciar documentos, compreender a realidade sociofamiliar dos interessados, bem como as condições psicológicas e emocionais dos postulantes. Em circunstâncias nas quais o tempo despendido nessa etapa foi menor, observou-se maior quantidade de retorno dos adotados.

Percepções

A partir das entrevistas com envolvidos no processo de adoção, a percepção das equipes técnicas e responsáveis por unidades de acolhimento é a de que a devolução está relacionada à falta de preparo ou a uma idealização excessiva da adoção pelos pretendentes. Já as pessoas que devolveram sugerem que questões da esfera comportamental das crianças, além de omissão ou falha de comunicação do Judiciário sobre perfis e eventuais problemas, são os fatores que mais contribuem para esse fenômeno. Ambos os grupos relatam falta de apoio da rede de proteção durante o período de convivência como uma das principais motivações.

Segundo a pesquisa, independentemente da causa, foram relatados fortes impactos na saúde mental das meninas e meninos e jovens devolvidos, como sentimento de culpa, tristeza e baixa autoestima; agressividade e outras reações comportamentais que geram vivências conflituosas; dificuldade de vinculação e desenvolvimento de transtornos psicológicos, como depressão, transtorno de estresse pós-traumático e outros. Por fim, a investigação aponta poucas evidências de programas e projetos estruturados para oferecer suporte psicológico e emocional dirigidos a esses grupos.

Recomendações

Diante do cenário apresentado pelo diagnóstico, sobretudo o impacto causado pela devolução, a pesquisa incentiva a criação de programas de suporte psicológico e social para essas crianças e esses adolescentes, com foco no tratamento do trauma da rejeição, no desenvolvimento de habilidades socioemocionais e na preparação para novas experiências de vinculação. Os pesquisadores também recomendaram a elaboração de um protocolo nacional para a avaliação de pretendentes à adoção, com a definição de critérios padronizados para a elaboração de estudos psicossociais. A sugestão visa solucionar o problema da existência de diferentes práticas e critérios para a avaliação de pretendentes, o que pode gerar, segundo a pesquisa, inconsistências e fragilidades no processo.

Durante a apresentação do levantamento, o juiz da Vara de Infância e Juventude de Currais Novos (RN), Marcus Vinicius enalteceu a ideia e acrescentou que tribunais devem especializar e regionalizar essas competências. “Nós observamos que, quando temos varas e equipes especializadas para atuação específica com infância e juventude, a quantidade de devoluções diminui muito. A existência dessas varas e equipes facilita tanto na avaliação quanto na preparação (dos pretendentes)“, complementou o magistrado.

Também foi sugerido pelo estudo promover programas de troca de experiências continuadas para os profissionais que atuam na avaliação e no acompanhamento dos pretendentes, com foco na identificação de fatores de risco comuns para a devolução e no desenvolvimento de habilidades para a condução de entrevistas e a elaboração de estudos técnicos.

Nesse sentido, a pesquisadora da área de Direitos Humanos Janaína Gomes sugeriu que, em análises futuras, crianças e adolescentes devolvidos também sejam ouvidos, a fim de entender as expectativas desses grupos no processo de adoção e torná-lo menos centrado nos pretendentes. “A gente tem de ouvir com muita atenção essas crianças e esses adolescentes porque, às vezes, o projeto de vida que os adultos fizeram para elas sobre adoção não necessariamente é o projeto de vida delas”, acrescentou a especialista.

O diagnóstico aconselha o estabelecimento de critérios de qualidade para os cursos preparatórios para adoção, tanto aqueles ministrados pela equipe técnica do Judiciário quanto os realizados por Grupos de Apoio à Adoção, com foco na qualificação dos profissionais, na metodologia de ensino e na avaliação dos resultados. As demais recomendações indicam a elaboração, pelo CNJ, de um protocolo nacional de conteúdo para esses cursos e a implementação de mecanismo automatizado de detecção de devoluções e sistema de alertas integrado ao SNA.

Justiça Pesquisa

A série Justiça Pesquisa foi concebida com a finalidade de realizar estudos e investigações científicas de interesse do Poder Judiciário brasileiro, por meio da contratação de instituições sem fins lucrativos, incumbidas da realização de pesquisas e projetos de desenvolvimento institucional.

A orientação desses trabalhos tem como base dois eixos estruturantes e complementares. O eixo Direitos e Garantias Fundamentais enfoca aspectos relacionados à realização de liberdades constitucionais, a partir do critério funcional de ampliação da efetiva proteção a essas prerrogativas constitucionais. Já o eixo Políticas Públicas do Poder Judiciário volta-se para aspectos institucionais de planejamento, gestão e fiscalização de políticas judiciárias a partir de ações e programas que contribuam para o fortalecimento da cidadania e da democracia.

O CNJ não participa diretamente dos levantamentos e das análises de dados e, portanto, as conclusões contidas nos relatórios não necessariamente expressam posições institucionais ou opiniões dos pesquisadores do CNJ.

Reveja o evento o evento no canal do CNJ no YouTube

 

Texto: Jéssica Vasconcelos
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias

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