Especialistas internacionais debatem monitoração eletrônica em prévia de evento

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Reunião Técnica de Trabalho sobre Monitoração Eletrônica de Pessoas, Brasil, Canadá, Nova Zelândia e Reino Unido. Foto: Rômulo Serpa/Ag.CNJ
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Na prévia do evento internacional inédito sobre monitoração eletrônica que começa nesta quarta-feira (21), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reuniu especialistas de seis países para dialogar sobre boas práticas e desafios enfrentados em seus países. A abertura da Conferência Internacional sobre Monitoração Eletrônica, que acontece na sede do CNJ em Brasília, será transmitida ao vivo pelo canal do CNJ a partir das 19h com a participação da presidente do CNJ, ministra Rosa Weber. O evento vai até sexta-feira (23/6).

Link de acesso para abertura da Conferência Internacional, às 19h.

O encontro com especialistas do Canadá, Escócia, Estados Unidos, Reino Unido, Nova Zelândia e Brasil abordou uma perspectiva comparada sobre a aplicação da medida de monitoração considerando as diferenças no sistema de justiça criminal nesses países. O juiz auxiliar da Presidência do CNJ e coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), Luis Lanfredi, ressaltou que a comunidade internacional compartilha a necessidade de continuar pesquisando e discutindo a aplicação da monitoração para aprimorar fluxos e garantir sua eficácia. “Ao mesmo tempo, devem ser respeitados os direitos individuais e a dignidade humana da pessoa monitorada. A Conferência será um momento importante para avançarmos nessas questões”.

A juíza auxiliar da Presidência do CNJ com atuação no DMF, Karen Luise Vilanova Batista de Souza, ressaltou a importância da partilha de diferentes práticas e perspectivas para contribuir com a qualificação da política de monitoração eletrônica. “Embora essa seja uma política com uma normativa muito qualificada, a monitoração eletrônica ainda é pouco debatida na perspectiva de suas implicações práticas. Este momento de partilha de experiências diversas é muito importante para nós”.

O evento internacional faz parte das atividades do programa Fazendo Justiça, coordenado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública para acelerar respostas e transformações no campo da privação de liberdade. Saiba mais aqui.

Partilha de experiências

Professor de Criminologia na Nova Zelândia, Liam Martin levantou questões sobre o encarceramento e a infraestrutura das telecomunicações, enfatizando a necessidade de um diálogo aprofundado sobre o monitoramento constante das pessoas, incluindo aquelas que não são oficialmente monitoradas pelo Estado. A falta de transparência em relação aos dados captados pelos sistemas de telecomunicações foi apontada como um fenômeno que requer estudos futuros.

Do Canadá, James Gacek, professor da Universidade de Regina, destacou o estigma enfrentado pela população monitorada, sobretudo em grupos socialmente vulneráveis, como os indígenas. Embora o sistema prisional seja público no país, a monitoração eletrônica é realizada por empresas privadas. As finalidades da prisão e as formas de punição variam de acordo com a província, e a vasta extensão geográfica do país apresenta desafios ao contexto penal. Pesquisas estão sendo conduzidas para compreender o impacto do estigma associado à monitoração eletrônica na vida das pessoas monitoradas.

Preocupações

A operação da monitoração eletrônica por parte de uma empresa privada também é realidade na Escócia. Hannah Graham, professora sênior em Criminologia da Universidade de Stirling diz que o recurso é usado de diversas formas. Além disso, uma nova lei sobre monitoração eletrônica está em processo de aprovação no país, com um olhar para a diversidade e equidade na aplicação da medida.

A aplicação da medida de monitoração antes do julgamento – com muitas pessoas sendo inocentadas depois do uso da tornozeleira – é considerada preocupante no contexto do Reino Unido, onde a questão da utilização dos dados e acesso a informações sensíveis foi discutida pelos pesquisadores. A monitoração eletrônica naquela região é considerada mais racional e protocolar, com a maioria das pessoas sendo monitoradas por três meses, durante 12 horas diárias. Além disso, o uso da monitoração eletrônica para liberar imigrantes detidos foi apontado como um problema no país.

James Kilgore, diretor de Pesquisa do Projeto Desafiador de E-Carceration, Media Justice (EUA), compartilhou sua experiência pessoal após deixar o sistema prisional americano e ser monitorado eletronicamente. Ele ressaltou a natureza punitiva e restritiva do sistema de monitoração eletrônica nos Estados Unidos, onde pessoas sob monitoração não têm permissão para realizar atividades diárias, como levar os filhos à escola, trabalhar ou estudar. A falta de transparência do governo em relação aos dados e informações acessados durante o monitoramento eletrônico também foi apontada como uma preocupação. O uso excessivo da tecnologia, inclusive para monitorar as pessoas dentro do sistema prisional, foi visto como alarmante.

Desafios compartilhados

Embora os contextos de cada país sejam diversos, especialmente quanto à oferta de serviços penais e de organização do sistema de justiça criminal, foi possível identificar no encontro aspectos comuns entre as realidades. “Um desses aspectos é a carência em termos de tratamento e proteção de dados. Em diferentes casos, dados sensíveis de pessoas monitoradas e seus familiares não são devidamente protegidos, acabando por vulnerabilizar as pessoas”, indica a especialista em Monitoração Eletrônica do programa Fazendo Justiça, Izabella Pimenta.

Ela explica ainda que o número de pessoas eletronicamente monitoradas no país tem crescido de forma significativa, atualmente com mais de 91 mil pessoas alcançadas, sem uma redução expressiva no número de pessoas encarceradas, o que indica que o aumento no número de pessoas monitoradas eletronicamente não está produzindo os efeitos esperados.

Outro aspecto importante apontado é a inexistência, no Brasil, de um acompanhamento adequado por equipes multidisciplinares. “A presença dessas equipes dedicadas ao acompanhamento dos indivíduos monitorados é um aspecto crucial para o sucesso da monitoração eletrônica. A medida não deve ser vista apenas como uma medida de controle, mas como uma oportunidade de promover a ressocialização e a reintegração dos indivíduos na sociedade. Equipes compostas por profissionais de diferentes áreas, como assistentes sociais, psicólogos e juristas, podem oferecer suporte adequado, compreender as necessidades individuais e proporcionar um ambiente propício à reabilitação, minimizando o risco de reincidência e fortalecendo a eficácia do sistema de justiça”, completa Izabella.

A reunião contou ainda com a participação de representantes do Conselho Nacional da Defensoria Pública Geral (Condege), Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária (Consej), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) e Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP).

Texto: Natasha Cruz
Edição: Nataly Costa e Débora Zampier
Agência CNJ de Notícias

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