Especialistas debatem importância da preservação da história da Justiça brasileira

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1º Encontro Nacional de Memória do Poder Judiciário. Foto: Luiz Silveira/CNJ
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Reunidos por ocasião do I Encontro Nacional da Memória do Poder Judiciário, quatro cientistas de diferentes campos do conhecimento debateram na última terça-feira (18/5) a importância da gestão da memória como maneira de assegurar o direito das gerações futuras ao conhecimento sobre o país. A história da Justiça brasileira e das políticas e tecnologias para garantir a preservação do que está sendo produzido no tempo presente também foram objeto das discussões do evento promovido em meio virtual pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na data em que se comemora há 44 anos o Dia Internacional dos Museus.

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Cumprir a função social dos museus judiciários e assegurar a permanência da história, de acordo com o professor Mário Chagas, é um dos principais desafios da Justiça brasileira. Para isso, é preciso identificar a potência desse tipo de museu e como comunicar essa relevância histórica aos brasileiros, para além do próprio Poder Judiciário. “Pensar o museu do Judiciário não é repetir o Judiciário. É identificar elementos de cultura, história e identidade para a sociedade”, afirmou o professor Chagas, doutor em Ciências Sociais e um dos responsáveis pela política e cadastro nacional de museus.

Esse desafio, de acordo com Chagas, não é tema para reflexões futuras. “Desafio posto é o momento em que vivemos na relação com a pandemia. Mesmo fechados, os trabalhadores dos serviços de limpeza, vigilância e de preservação de jardins estão presentes. Deixo aqui essa pergunta sobre como os profissionais que trabalham nos museus judiciários projetam seu futuro”, disse.

Marco histórico

Um dos momentos mais importantes da história do Poder Judiciário brasileiro é a instalação da Casa da Suplicação no Rio de Janeiro, um dos eventos que marcaram a chegada de Dom João e da Corte portuguesa ao Brasil, em 1808. De acordo com o membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), professor Arno Wehling, a Casa da Suplicação chegou ao Brasil como herança da Idade Média, do Antigo Regime, que foi derrubado a partir da Revolução Francesa, em 1789. A instituição passou a ser o mais importante tribunal no Brasil, o equivalente a uma terceira ou quarta instância, na estrutura judiciária.

De acordo com o historiador, a importância da Casa da Suplicação no Rio de Janeiro transcendia seu papel como cúpula do Poder Judiciário no então Reino do Brasil. “A administração extrapolava o Poder Judiciário. Cabia aos desembargadores da Casa da Suplicação, por exemplo, inspecionar navios no porto do Rio para prevenir o contrabando”, disse. A data da instalação da corte, 10 de maio, foi definida como Dia Nacional da Memória do Poder Judiciário por resolução aprovada pelo CNJ em 2020.

Autoridade na história do direito, o professor Arno Wehling afirmou que a partir da instalação da Casa da Suplicação no Brasil começou um projeto de institucionalização da ideia de um reino unido dos dois reinos de Portugal e Brasil. “Foi uma nítida mudança no sistema político, não apenas dentro do Poder Judiciário”, afirmou o historiador e professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Políticas para o futuro

Enquanto se discutiu como preservar a história que já está documentada, o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Daniel Flores alertou para as condições em que serão arquivados e preservados não só os fatos históricos, mas toda a produção dos órgãos do Judiciário em formato digital. O especialista em memória arquivística defendeu uma organização em cadeia de custódia para os documentos, ou seja, a identificação, a seleção e o arquivamento de informações manifestadas em qualquer suporte produzida em função da atividade do órgão judiciário. “A divulgação de ações dos órgãos do Poder Judiciário em redes sociais entra nessa categoria de documentos arquivísticos e, como tal, deve ser preservada como patrimônio documental e memória da instituição”, disse.

Além de palestrar como convidado do I Encontro Nacional de Memória do Poder Judiciário, o professor da Universidade Federal do Cariri, doutor em literatura brasileira pela King’s College de Londres (Grã-Bretanha) e ex-curador digital da British Library, Aquiles Alencar Brayner, concedeu uma entrevista à Agência CNJ de Notícias sobre a memória institucional. Abaixo publicam-se alguns dos principais trechos da conversa.

Como o senhor explicaria para os leigos o que é o trabalho de curadoria digital?
Curadoria digital poderia ser referenciada como uma biblioteca. No lugar dos livros na estante, o que se tem é essa mesma organização, de modo mais complexo, porque são diferentes formatos e hyperlinks, mas seria essa comparação. Objetos digitais, invisíveis fisicamente, mas que estejam organizados de forma padronizada para acessar rapidamente quando queira. O que vemos hoje é que muitos conteúdos publicados na internet desaparecem rapidamente.

Quem de nós não teve a experiência de um documento interessante não conseguir recuperar e se deparar com (a página informando) o erro 404? Eu brinco que estamos na Era do 404 porque tudo que a gente publica hoje vai ser perdido caso não tenha um projeto sistemático de arquivamento, organização e preservação sistemático desses conteúdos.

A curadoria digital se propõe a evitar que esses documentos se percam porque hoje em dia é impossível se pensar na história contemporânea sem se levar em conta as publicações disponibilizadas em rede, que devem ser 70% a 80% das publicações no mundo hoje.

É possível citar um dos projetos de excelência na área da proteção da memória institucional?
Há muitos projetos que podem ser usados como exemplo. Um deles é britânico “The Proceedings of the Old Bailey”. São documentos dos arquivos da corte criminal de Londres, do período entre 1674 até 1913. É um exemplo de como trabalhar com o digital de maneira inteligente. Simplesmente digitalizar e botar na web não significa muita coisa. O digital tem uma natureza diferente do físico.

São as ferramentas de análise desse documento de maneira automatizada, por meio de algoritmos especializados. Por exemplo, se tenho uma documentação de três séculos, como poderei fazer uma pergunta nesses documentos a partir de uma extração de texto ou combinação de elementos. Como posso achar documentos relacionados, por exemplo, a crimes cometidos por irlandeses entre 1674 e 1913. Seria humanamente impossível fazer isso. As ferramentas digitais nos possibilitam um trabalho que levaria uma vida inteira para ser realizar. Hoje no Brasil se pensam em simplesmente digitalizar documentos e disponibilizar na web, como o catálogo da Biblioteca Nacional, por exemplo.

O que não se tem são ferramentas inteligentes para extração de dados e conexão com outros tipos de informações. Um exemplo seria pensar nos documentos digitalizados da biblioteca da Fundação Joaquim Nabuco, que tem um acervo interessante sobre cordel, e no que há nessa coleção os temas mais pertinentes: política, justiça, amor, enfim. Em seguida, talvez fazer um segundo mapeamento, por exemplo, comparando os temas com o local onde essas obras foram produzidas. Teríamos uma plataforma de mapa que eu poderia mapear o número de publicações de acordo com seus temas e os locais do Nordeste onde esses temas seriam mais proeminentes.

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias