Pendência quanto à justa reparação e falta de prevenção contra novos desastres como o ocorrido com o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), em 2015, foram destacadas por sete especialistas que participaram, na sexta-feira (10/9), da audiência pública realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade, Grande Impacto e Repercussão. Sobre o conflito – que segue sem solução seis anos após o acidente -, foi destacada a importância do do Sistema de Justiça em resgatar a relevância dos processos judiciais e fazer valer os acordos homologados a fim de compensar as pessoas atingidas.
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A especialista do Centro de Referência em Direitos Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora, Luciana Tasse, chamou a atenção para o fato de que os Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) firmados pelas empresas Samarco Mineração AS, Vale S/A e BHP Billiton Brasil Ltda não estão sendo cumpridos e que apenas uma parcela pequena das pessoas atingidos estão recebendo algum tipo de reparação. Segundo ela, relatórios técnicos contratados pelo Ministério Público Federal (MPF) mostram que 50% das pessoas que sofreram danos foram cadastradas como pessoas atingidas a serem indenizadas. Dessas, somente 39% recebem algum auxílio e 34% das famílias tinham, até o momento, recebido algum tipo de indenização.
Luciana Tasse afirmou que as negociações entre as empresas e as pessoas atingidas desconsideram estudos técnicos e os efeitos ambientais na saúde e no ecossistema da região atingida e apresentam desigualdade no poder de negociação. “Se não houver o cumprimento do que já foi pactuado nos TACs e a contratação de assessoria técnica, o conflito vai continuar porque as pessoas estão vivendo em privação muito grande.”
Meio ambiente
Outro problema é a continuidade do dano ambiental pelo rejeito de minérios no solo e na água, com a contaminação permanente de pessoas e animais. “Há um sentimento generalizado de insulto moral pelas empresas e pela Fundação Renova, mas também em relação ao Judiciário e as instâncias do Sistema de Justiça. As pessoas se sentem profundamente desvalorizadas como cidadãos e desrespeitadas em sua dignidade sem todo tipo de informação, incluindo sobre a qualidade da água que estão consumindo e a demora excessiva da Fundação Renova e da Justiça”, destacou a especialista.
Integrante do Grupo de Pesquisa da Universidade de Ouro Preto, Tatiana Ribeiro de Souza, reforçou a gravidade de que os acordos homologados pelas empresas responsáveis não estão sendo cumpridos. Também destacou a importância de garantir a contratação uma assessoria técnica no caso da barragem de Mariana, como está em curso no envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho (MG).
Thiago Alves, do Movimento dos Atingidos por Barragens, reforçou a necessidade de que as empresas responsáveis ou a Justiça assegure que haja uma assessoria técnica para o caso de Mariana. “Na bacia do Rio Paraopeba (área atingida pelo rompimento da barragem de Brumadinho) a assessoria técnica tem atuado em todas as cidades, esse foi um direito garantido pelo Poder Judiciário e, com isso, os atingidos tiveram minimamente o acompanhamento dos técnicos. Mas, para a bacia do Rio Doce (rompimento da barragem de Mariana), o Judiciário não garantiu esse direito.”
Mitigação de riscos
Outro especialista, Carlos Vainer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ampliou o debate ao indicar o conflito do rompimento da barragem de Mariana como um exemplo da “economia política dos desastres”. Segundo ele, os custos de reparação são mais baixos do que os custos da mitigação dos riscos, o que leva as mineradoras a obter lucro mesmo mediante atividades de riscos elevados.
“O Judiciário e o Sistema de Justiça podem e devem resgatar o papel e o lugar dos processos judiciais e rever o recurso indiscriminado e sem controle social de acordos que mercantilizam direitos. A Justiça pode e deve rever essa realidade e assegurar às vítimas e à sociedade a justa, plena, adequada e tempestiva reparação”, defendeu Vainer.
Para Luiz Paulo Siqueira, integrante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração, há dados que demonstram que as mineradoras estão agindo com um padrão sistemático de violações de direitos. Nos últimos 20 anos, somente em Minas Gerais, foram nove rompimentos de barragens. Há outras 38 barragens em nível de emergência, das quais quatro com risco iminente de rompimento, com mais de 1,5 mil famílias evacuadas de suas moradias. “Precisamos de uma atuação enérgica do CNJ e do Sistema de Justiça, porque as empresas gozam de impunidade, e para que haja garantia da reparação dos atingidos.”
Já Cristiana Losekan, do Núcleo de Estudos da Universidade Federal do Espírito Santo, tratou do risco de invisibilidade de grupos sociais nas negociações. “Muitos acordos são firmados em nome da resolutibilidade de conflitos para redução da judicialização. Contudo, é necessário certa cautela para que esses elemento não virem argumentos falaciosos. A questão não está em substituir uma ação civil pública por um acordo. A questão é construir um acordo que tenha a mesma grandeza em termos de princípios e garantias de direitos que tem a ação civil pública e que por essa qualidade ganhe a adesão do público beneficiário.”
Riscos ocultos
Dulce Maria, representante do Observatório Rio Doce, integrado por pesquisadores e cientistas, comentou que a negligência na adoção de medidas de prevenção tem aumentado os riscos para as pessoas que vivem na bacia do Rio Doce. Ao longo de seis anos, diversos estudos sobre os impactos físicos, geofísicos, geoquímicos, biológicos, fisiológicos foram feitos sobre o rompimento da barragem de Fundão e que esses efeitos têm sido acompanhados, também, de consequências emocionais dramáticas para as pessoas atingidas pelos desastres.
Como exemplo, ela citou os estudos feitos nas regiões atingidas sobre o acúmulo de contaminantes, incluindo arsênio. Ela afirmou, também, que foram feitas pesquisas no solo, na água e em alimentos que estão sendo produzidos em regiões contaminadas com dejetos metálicos e que esses estudos não estão sendo considerados diante da relevância da questão.
Observatório
Essa audiência pública foi a primeira de três eventos organizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para ampliar o conhecimento sobre o rompimento da barragem do Fundão e sobre danos socioambientais decorrentes do desastre. A finalidade também é dar transparência aos limites legais sobre os atos realizados até o momento. Participam pessoas diretamente atingidas pelo rompimento da barragem em Minas Gerais e no Espírito Santo, especialistas de notável saber nas áreas do meio ambiente, direitos humanos, desastres e conflitos socioambientais, além de autoridades do Sistema de Justiça.
Luciana Otoni
Agência CNJ de Notícias
Reveja a audiência pública no canal do CNJ no YouTube