Adotar a cultura da integridade no Poder Judiciário, objetivo da Resolução CNJ n. 410/2021, introduz, na instituição centenária da Justiça brasileira, um modelo inovador de gestão mais familiar para a iniciativa privada. Os ganhos e os desafios da implantação dos sistemas de integridade nos tribunais foram objeto de debates no I Encontro Nacional sobre Integridade no Poder Judiciário, coordenado pelo conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e relator da resolução que regulamenta o tema, Luiz Fernando Tomasi Keppen. O evento reuniu, nesta segunda-feira (18/10), quem participou da redação da norma, aprovada pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em agosto.
Especialista em Conformidade, Marcelo Zenkner abriu os debates conceituando integridade como a valorização daquilo que é certo pela disseminação e pela absorção da cultura da integridade pelos membros de uma organização. Ao contrário de um sistema de compliance, que tem foco preventivo, o sistema de integridade qualificará a administração e as contratações do Poder Judiciário, mas também “o processo de tomada de decisão, eliminando pressões internas e externas para que julgamento ocorra de maneira livre e vinculado apenas à consciência dos magistrados”, afirmou Zenkner, ex-diretor de governança e conformidade da Petrobras.
O secretário-geral do CNJ, Valter Shuenquener, destacou a urgência da demanda por integridade na administração contemporânea em todo o mundo. No entanto, ele apontou o desafio de promover a mudança sem comprometer a independência da magistratura. “Não se admite que instituição – pública ou privada – vire as costas para a integridade. Nosso desafio é conciliar com independência funcional do juiz e dos membros dos órgãos de controle, como inserir novo fator sem que haja retrocesso ou eventuais dificuldades na forma como o magistrado atua para a prestação jurisdicional”, afirmou o magistrado.
Shuenquener presidiu o painel sobre cultura de integridade no cenário internacional, que teve a participação do professor da Faculdade de Direito da Universidade de Humboldt Luís Greco, do advogado Luiz Fernando Lucas, do membro da Divisão de Assuntos Corporativos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) Caio Figueiredo de Oliveira, além do advogado Marcelo Zenkner.
Experiência internacional
O professor da Faculdade de Direito da Universidade de Humboldt Alaor Leite lembrou que o desafio é tamanho, diante das especificidades do trabalho da Justiça, que a norma europeia de compliance nas instituições públicas deixou de fora o Poder Judiciário. Para ele, o texto da Resolução CNJ n. 410/2021 respondeu ao desafio com a “humildade” de se restringir a editar normas gerais para estabelecer os sistemas de integridade, além de um comitê que monitorará permanentemente a implantação da política pública nos tribunais. “Penso que a resolução soube ousar com responsabilidade. Nesse tema, a norma não é produto de influxo internacional apenas, mas é exemplo também para outros países que queiram se mirar nessa iniciativa inovadora que dá primeiro e definitivo passo no tema da integridade no Poder Judiciário”, disse o docente da universidade alemã.
Leite participou do painel sobre a importância de sistemas de integridade para a administração da Justiça, ao lado do ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner do Rosário, do professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, Eduardo Saad-Diniz, e do advogado Matheus Puppe, sob a coordenação do secretário-geral do Conselho da Justiça Federal (CJF), Marcio Luiz Coelho de Freitas.
O representante da Divisão de Assuntos Corporativos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Caio Figueiredo de Oliveira, ressaltou que a recomendação do órgão sobre integridade pública tem por princípio a coordenação dos esforços dos órgãos públicos, com trocas de experiências entre servidores, e citou o trabalho das unidades de gestão da integridade realizado pela Controladoria-Geral da União (CGU). “Têm sido bastante úteis na dispersão da cultura da integridade nos ministérios”, afirmou.
Resposta
O ministro da CGU Wagner do Rosário lembrou a necessidade da integridade como conjunto de práticas voltadas a prevenir, detectar e sancionar casos de corrupção, além da sua importância para a credibilidade da Justiça aos olhos da sociedade. “A corrupção pode ocorrer em qualquer instituição, mas a reação a esses fatos é importante para mostrar que a corrupção não é tolerada. O Poder Judiciário já sabe, por meio dos problemas históricos enfrentados, a quais riscos está exposto. Por isso, a integridade também é gestão de riscos”, disse.
De acordo com o presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) – que também preside o Colégio de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil – desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, com a edição da Resolução CNJ n. 410/2021, a Justiça “assume sua responsabilidade formal com cultura de integridade, mantendo o respeito à particularidade de cada corte. O desafio é transformá-la em medidas de ações efetivas, pois a norma precisa de aplicabilidade prática. Estamos a tratar de ética, com aplicações práticas, e não meramente acadêmicas”.
O desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) Henrique Abi-Ackel afirmou que, em meio à sociedade do espetáculo, é necessário se preservar a instituição como a Justiça, a partir do exemplo que dá para o restante da sociedade. Ele lembrou da sua participação na experiência pioneira da criação do sistema de integridade na Justiça mineira. “As diretrizes já estavam dadas pela Loman e pelo CNJ. Tivemos a preocupação de preservar a atividade-fim da Justiça. O que nos preocupou foi a atividade-meio, por exemplo o procedimento que um juiz diretor de foro tem de seguir para a contratação de empreiteiro para consertar um problema prosaico como um fio desencapado no fórum”, afirmou.
O juiz auxiliar da Presidência do CNJ Walter Godoy lembrou que a elaboração da resolução considerou a evolução dos sistemas de integridade, cuja implantação será coordenada por um comitê gestor central, com representação de todos os ramos do Poder Judiciário. “A partir das experiências dos tribunais, poderemos avançar no aprimoramento nos controles de integridade, sem necessidade de alterações normativas constantes, que tanto confundem magistrados e jurisdicionados”, disse o magistrado.
O desembargador Pinheiro Franco e o desembargador Abi-Ackel formaram o último painel do encontro, ao lado do desembargador e corregedor regional do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), Theophilo Antonio Miguel Filho, e do juiz auxiliar da Presidência do CNJ Walter Godoy.
Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias