Preocupada com as necessárias medidas de contenção do novo coronavírus (Covid-19), a Presidência do Tribunal de Justiça, por meio de entrevista com a participação da médica Daniele Perroni Kalil (diretora da Secretaria de Gestão de Pessoas/SGP5) do TJSP, buscou na conversa com o professor doutor David Uip, infectologista e coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus no Estado de São Paulo, o esclarecimento de algumas dúvidas que pairam entre aqueles que atuam ou se utilizam do sistema de justiça.
Antes de qualquer relato, o presidente do TJSP, desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, em nome dos magistrados e servidores paulistas, agradece a disponibilidade do médico David Uip que, em momento de intensas atividades de orientação e controle do Covid-19, na data de ontem (17), abriu espaço em sua agenda para receber a equipe do Poder Judiciário do Estado de São Paulo.
Desde a última semana, o Conselho Superior da Magistratura (CSM), diariamente, reúne-se para deliberações que garantam o funcionamento do Judiciário, tragam menos prejuízo possível às pessoas que dele se socorrem e aos que nela atuam, com objetivo de distribuir justiça, mas, ao mesmo tempo, preservar vidas. Desde que os primeiros casos começaram na China, há quatro meses, o coronavírus se alastrou em muitos outros países. O Brasil não ficou de fora dessa alarmante progressão. Na data de hoje (18), o Brasil tem 370 casos confirmados em 18 estados e no Distrito Federal, 164 no Estado de São Paulo que registrou a primeira morte no dia de ontem.
Especial para o Poder Judiciário paulista:
TJSP – O Judiciário de São Paulo é um Poder que se diferencia dos outros dois em razão do número de pessoas que transitam por seus edifícios. A instituição tem 40 mil servidores, 15 mil entre terceirizados, estagiários e conciliadores, 3 mil magistrados, 720 prédios divididos em 320 comarcas que têm, em média, se considerarmos as de médio porte, afluxo de mais de 2 mil pessoas/dia. Isso ultrapassa 1 milhão. A Presidência está isolando as pessoas de forma gradativa, só que o vírus ganha força a cada momento. Como profissional de saúde, o senhor, nesse momento, no dia de hoje, já restringiria o atendimento em regime similar ao de plantão, isto é, com o mínimo de pessoas necessárias à não interrupção da prestação jurisdicional?
David Uip – Não tenho dúvidas. Inclusive, os decretos do governador falam bem a respeito disso. Entendo que o Governo do Estado está com uma modulação adequada ao seu tempo. A cada dia, tomamos decisões e essas decisões, obviamente, vêm ganhando maior impacto em forma. Exatamente porque estamos entendendo que o vírus veio forte. Existiam coisas que precisamos aprender… Se o vírus iria se comportar num país tropical, em momento de verão, à semelhança dos outros países. E já aprendemos que sim. A velocidade de transmissão está muito grande e, se quisermos achatar a curva… Por quê? O que ocorre? Esse vírus vem e, de repente, faz um furacão e sobe. Estamos na base, ainda crescente, da presença do vírus. Mas, daqui a pouco, ele vai fazer esse rodamoinho e atingir níveis mais altos. Então, qual é a ideia? É retardar e diminuir, achatar a curva para que consigamos dividir os casos em mais tempo e mais distante. Isso é uma estratégia de prevenção. Em paralelo, toda a tentativa de suprir o Estado com leitos de terapia intensiva. Os casos graves, seguramente, evoluirão num cenário de necessidade de terapia intensiva. Ao mesmo tempo que tentamos mitigar a epidemia, do outro continuamos com todas as medidas de prevenção.
TJSP – Nesse universo de pessoas, do ponto de vista de saúde pública, se hoje o Tribunal de Justiça fechasse todas as unidades e funcionasse só no esquema de plantão, ajudaria muito no combate à propagação do coronavírus?
David Uip – O presidente deve ter nas mãos, e tem, o cenário total daquilo que ele dirige e, como recomendação geral, eu não tenho nenhum receio de afirmar que as pessoas precisam ficar em casa. Tanto que a nossa orientação, especialmente protegendo os de mais de 60 anos e com outras morbidades é – excetuando polícia e pessoal da saúde – que as pessoas trabalhem em casa e se afastem. E isso vai aumentando o topo conforme a necessidade. De qualquer forma, podendo evitar o trânsito, o contato e a aglomeração, entendo que isso é muito indicado.
TJSP – Professor, o Tribunal afastou todos os servidores com idade igual ou superior a 60 anos, os imunossuprimidos, as gestantes e todas as outras com morbidades (hipertensão, diabetes etc.). Os servidores estão em casa desde segunda-feira. O senhor acha que alguma outra medida pode ser tomada?
David Uip – No momento, acho que as medidas estão adequadas ao seu tempo. O dia a dia vai nos dizer se precisamos fazer mais do que isso, sempre levando-se em conta que o que é importante é salvar vidas. O Estado fará o que for preciso para que consigamos diminuir a letalidade, mas infelizmente óbitos acontecerão.
TJSP – A situação na Capital merece agora atenção especial, lembrando que o município decretou estado de emergência?
David Uip – Nós estamos trabalhando com isso desde os primeiros dias de janeiro. Num primeiro momento, uma campanha preventiva de bons hábitos de higiene e, agora, medidas de impedimento de pessoas com outras pessoas. Acho que agora é observar um pouco e ter o aprendizado de outros países. Eu temo um pouco por quarentena de toda a população. Para aqui, para ali e, no final, você acaba transferindo o problema para o outro município, para outro Estado. Então, medidas cabíveis, adequadas, não motivadas por impulso, por decisões apressadas, mas muito bem elaboradas.
TJSP – No Interior a situação está diferente?
David Uip – Totalmente. Temos oito casos no Interior, em cidades da Grande São Paulo. Essa é uma ideia que tivemos hoje, no comitê, de tentar diminuir o impacto nas cidades do Interior. São Paulo está beirando 46 milhões de pessoas, 25 milhões na Grande São Paulo. Os outros casos, fora de São Paulo, são diagnosticados nessa área peri capital, que é a área metropolitana. A ideia é que isso vai transcendendo e caminhando. Estamos nos empenhando para conter, na medida do possível, esse avanço.
TJSP – O estado de São Paulo apresenta a pior situação do país…
David Uip – Nem poderia ser diferente. A primeira leva de pacientes foi oriunda dos que viajaram no Carnaval para a Europa ou para os Estados Unidos. Temos 46 milhões de habitantes, maior PIB, nada do que nós não esperássemos.
TJSP – Quem já ‘pegou’ o coronavírus fica imune?
David Uip – A esse tipo sim (covid-19); aos outros, não.
TJSP – Quais seriam os outros tipos?
David Uip – Tem vários. Tem pelo menos mais seis outros. Você fica imune aquele sorotipo e pode estar suscetível a outros.
TJSP – Uma das preocupações dos integrantes do Conselho Superior da Magistratura é em relação à duração do vírus no ar. Trazendo para a nossa realidade, quanto tempo o vírus sobrevive, por exemplo, na capa de um processo, numa caneta, no teclado do computador?
David Uip – O tempo é desprezível, não se tem a resposta absoluta para isso. Mas, tem que se ter os cuidados de sempre. Aquilo que puder ser desinfetado, lavado com água e sabão é melhor. Imagino que vocês têm situações inatingíveis: como é que você vai lavar o processo? Aí a pessoa tem que ser cuidadosa, antes lava as mãos e depois do manuseio lava novamente. Tem que ter cuidados adicionais.
TJSP – Seria o caso do uso de luvas?
David Uip – Não adianta porque você transfere da sua mão para a luva e da luva para outras pessoas… Não adianta.
TJSP – O cenário é novo e, mesmo os responsáveis por decisões que afetam a vida de muitas pessoas (como o fechamento de escolas e a implantação de home office praticamente coletivo) podem ter dificuldades na deliberação de atos que trazem prejuízos às pessoas. É hora de agir mesmo que essas ações possam prejudicar aleatoriamente muitas pessoas? Por exemplo, fechar ou não um fórum… Isso traz problemas para a comunidade jurídica, para os magistrados, servidores e para os jurisdicionados. Mesmo que traga problemas é hora de fechar?
David Uip – A motivação principal é salvar vidas. Tudo o que for possível tem que ser feito. Na saúde vamos manter porque se eu tirar os médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e farmacêuticos acima de 60 anos tiro 45% da força de embate. São coisas que precisam ser elaboradas conforme a profissão.
TJSP – Desde que se começou a falar no coronavírus, o senhor, diariamente, tem mantido a população informada sobre as ações do Governo do Estado de São Paulo. Qual pergunta não lhe foi feita nessas maratonas de entrevistas e que o senhor faria, caso fosse seu entrevistador?
David Uip – Isso é difícil, me perguntam tanto! A cobertura jornalística está sendo muito bem-feita. Mas, acho que, como somos nós que decidimos, decidimos em cima da história antiga, história atual e da experiência que está sendo adquirida. Uma jornalista me perguntou: você não está com medo? Eu em 73/74, como aluno de Medicina, convivi com a epidemia de meningite meningocócica, foi um desastre. Depois já dirigindo o hospital [ ex-diretor-executivo do Instituto do Coração de São Paulo (Incor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e diretor do Instituto de Infectologia Emílio Ribas desde fevereiro de 2009] H1N1, H3N2, e como secretário [secretário de Estado da Saúde por 5 anos] zika, chikungunya, dengue, febre amarela. Quem conviveu com isso dificilmente se assusta. Então essa é a pergunta: qual a referência? A referência é a história e já vivi essas. Quando falo que não tem nada de novo, as pessoas dizem que estou minimizando. Não estou minimizando nada, é só ler a história. Não é minimizar, estou configurando para que o Brasil entenda que isso não é novo, que nós já passamos, vamos enfrentar e um dia essa história acaba.
TJSP – E amanhã ou depois enfrentaremos uma outra que aparecerá por aí… E esperamos estar vivos para isso.
David Uip – A doença é ruim, a alternativa é pior.
TJSP – Qual o papel da Justiça como aliada da Saúde frente ao Covid-19?
David Uip – Importantíssimo. Estava dizendo até para o secretário da Saúde que tem deliberações que vão passar por vocês e acho que a integração dos sistemas será fundamental. Sei a conta que pago até hoje por ter sido secretário. Costumo brincar que a gente, como servidor público, briga, briga e se defende sozinho. Talvez isso seja uma provocação para que tenha mais segurança. O que acontece? Ninguém quer ser gestor público porque responde por uma porção de coisas que não tem a ver com você. Acho que, talvez, esse desafio modernize e atualize quem está decidindo também nessa área.
TJSP – Temos um corpo de enfermeiros e médicos do TJSP que atende magistrados e servidores. São excelentes profissionais e não perderia a oportunidade de levar uma palavra do professor David Uip para esses profissionais. Qual orientação para os enfermeiros e médicos do TJSP o senhor daria?
David Uip – Primeiro, estou nisso há muitos anos e já enfrentei muitas dificuldades. Na qualidade de médico, depois de diretor de hospital, presidente de comissões, secretário por quase 5 anos, só tenho palavras de elogios, especialmente aos servidores públicos. O pessoal fala servidor público não trabalha, não os que conheço. Os que conheço, e a grande maioria, trabalham demais. Há… Tem aquele. Aquele tem em todo o lugar. Então, primeiro uma palavra de solidariedade, de amizade e gratidão. Nessa hora esse profissional se reinventa, ele fica mais forte do que sempre foi e faz o que tem que ser feito. Um abraço afetivo e carinhoso. Vamos ganhar essa luta.
TJSP – Como proceder com funcionários ou familiares com gripe? É aconselhável fazer quarentena preventiva ou realizar o teste?
David Uip – Gripe é cama, repouso, nutrição e hidratação em casa. Não mais do que isso.
TJSP – Alguma mensagem especial para o Judiciário?
David Uip – Confiem em nós, somos muito experientes. Não é a primeira passagem por coisas difíceis e tudo o que começa um dia acaba. Qual é a torcida? Que acabe o quanto antes e da forma mais rápida e menos dolorosa.
TJSP – De três a quatro meses?
David Uip – É a expectativa que temos.
Dicas rápidas:
– Gestantes: “Se proteja porque, nesse momento, seu estado imune é diferente. Tem você e um bebê que está carregando. Até o momento não se provou a transmissão periparto do coronavírus. Mas, pelo contato, você pode transmitir. Como parte de uma população vulnerável tem que estar poupada, se possível em casa.”
– Idosos: “Ficar em casa (falo isso e vão dizer que tenho que ir pra casa também).”
– Crianças e adolescentes: “São transmissores, chega ao número de 30%. A eles digo, cuidem-se e cuidem de seus pais, seus avós. É importante a sua participação no embate da prevenção.”
– Grupo de risco (cardíacos / asmáticos etc.): “Fique mais esperto. A qualquer sinal procure o serviço médico.”
Confira vídeo com orientações do especialista.
Fonte: TJSP