A avaliação do trabalho dos magistrados deve ser feita por juízes, por meio de diretrizes institucionais que possibilitem a colaboração e o diálogo entre os pares. Essas posturas favorecem a saúde dos trabalhadores, segundo o juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-PR) e especialista em Direitos Humanos, Leonardo Vieira Wandelli, que expôs na quarta-feira (25/11), durante o 9º Encontro Nacional do Poder Judiciário, um novo método para avaliar a produtividade da magistratura brasileira, que atualmente é analisada pelas metas nacionais. As quantidades e os percentuais mínimos de processos que os diferentes ramos da Justiça se comprometem a julgar no ano seguinte são definidos anualmente pelos presidentes dos tribunais reunidos no evento promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Em palestra no painel “Saúde e qualidade de vida no trabalho”, o magistrado trabalhista defendeu que as atividades produtivas dos juízes não sejam avaliadas apenas quantitativamente, por meio de estatísticas. Segundo Wandelli, esse método estimula a competitividade entre a categoria. Incentivar a competição entre colegas é problemático na medida em que gera, segundo o especialista, efeitos negativos sobre o trabalho realizado pela Justiça, como uma tendência à individualização dos trabalhadores, desinteresse pelo trabalho dos colegas, falta de solidariedade entre os pares e riscos para a saúde.
As consequências negativas se justificam pelo fato de o trabalho ser “recurso fundamental para a saúde”, por contribuir para a construção da identidade dos sujeitos, constituição da ética e da participação de um bem comum dos trabalhadores, em geral. De acordo com o magistrado, que coordenou pesquisa sobre a visão de seus colegas do TRT-PR, sob a perspectiva da psicodinâmica do trabalho, o ambiente da atividade requer condições que deem sentido ao trabalho realizado. “Só com números e estatísticas sobre os resultados do trabalho dos juízes, nos desconectamos do ethos e do sentido da Justiça. Isso gera um custo psíquico”, disse.
“Sem cooperação entre os pares, sem diálogo sobre o trabalho realizado, não há solidariedade nem saúde no trabalho. No nosso ambiente de trabalho, não são raros casos de uso e abuso de drogas psicoativas, álcool e até suicídios”, disse o magistrado, que também é doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Wandelli concorda que é preciso celeridade na prestação jurisdicional, mas aponta que os conceitos de eficiência e efetividade são confundidos na definição de metas para as rotinas produtivas. “Eficiência é a otimização dos recursos humanos e materiais para se chegar a determinados fins, enquanto efetividade é o grau de atingimento desse objetivo. Não há dúvida que é preciso celeridade, mas julgar processos para nossa profissão é meio, não um fim em si”, disse.
De acordo com o conselheiro do CNJ que presidiu a palestra, Carlos Eduardo Dias, as estatísticas não são suficientes para medir a qualidade do serviço prestado pelo Poder Judiciário à sociedade. “Como colocou nosso conferencista, as estatísticas são um instrumento científico de pesquisa dos mais importantes. Mas é preciso ir além e o desafio do CNJ, que inicia sua segunda década (de existência), é justamente buscar mecanismos de aferição, do grau de efetividade e de eficiência na sua atuação”, afirmou. Dias criticou o que chamou de “lógica empresarial” que seria transportar para a gestão judiciária. “Dentro das próprias empresas, todos sabemos disso, há muitos problemas que são causados sobretudo aos trabalhadores que, como bem disse o professor Leonardo, são coisificados cada vez mais nesse processo de desconstrução da centralidade do trabalho”, disse.
Coordenador de Saúde Ocupacional e Prevenção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o médico Andral Codeço Filho destacou a necessidade de uma visão mais ampla sobre a saúde dos trabalhadores. “Quando se fala do ser humano na sua capacidade de execução das tarefas e da organização do trabalho, é preciso um olhar tanto para sua saúde física quanto para sua saúde mental. Não se separa o homem da sua essência humana na sua eficácia no trabalho”, afirmou o doutor Codeço Filho, que participou da elaboração do texto que se tornaria a Resolução CNJ 207, que criou a Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e Servidores do Poder Judiciário.
“As análises que estão sendo propostas pela Política são para a satisfação da saúde física e da saúde mental. De que adianta fazermos grandes análises para medir o colesterol (dos trabalhadores do Judiciário) se não tivermos o indivíduo em equilíbrio emocional. Há necessidade de fazermos as pessoas entenderem que a saúde é muito mais ampla que apenas o bem-estar biopsicossocial. A saúde é um conjunto de equilíbrios, equilíbrio interno e equilíbrio do indivíduo com seu ambiente”, disse o médico.
De acordo com o secretário de Saúde do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Polo Dias Freitas, as doenças mentais são a principal causa do absenteísmo no Poder Judiciário, correspondendo a 20% a 30% das faltas registradas nos tribunais. Por isso é preciso identificar condicionantes e determinantes no trabalho realizado no Judiciário que acabam adoentando servidores e magistrados. “É preciso então transformar esses dados em informações para depois atuar nas causas”, afirmou Dias.
O conselheiro Carlos Eduardo Dias encerrou o painel ressaltando um ponto comum entre todas as falas, a necessidade de subjetividade na elaboração de metas. “Creio que, com esses pontos de vista convergentes, mas com a necessária percepção interdisciplinar, tenhamos cumprido o objetivo deste painel colocar para reflexão de todos a importância de inserirmos elementos subjetivos na aferição do planejamento do Poder Judiciário”, afirmou.
Resolução – A norma que o CNJ aprovou em agosto teve como objetivo assegurar que servidores e magistrados tenham um ambiente de trabalho seguro e saudável. A resolução trata sobre orçamento, estrutura e ações educativas favoráveis à saúde dos trabalhadores do Poder Judiciário. De acordo com a norma, o CNJ atuará na implantação da política em parceria com os tribunais, que deverão enviar indicadores sobre a saúde de servidores e magistrados a partir de 2016. A Rede de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e Servidores do Poder Judiciário será composta pelo Comitê Gestor Nacional e por comitês gestores locais, que serão criados pelas Cortes e coordenados pela Comissão Permanente de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas do CNJ.
Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias