Luiza (nome fictício), tinha três filhos, quando a quarta criança nasceu. Ela já havia pensado na opção de entregar o filho para adoção, mas sua família sabia da gestação e não a apoiou, por isso ela se viu obrigada a permanecer com o filho.
Quando descobriu a gestação do quinto filho, decidiu não contar a ninguém para conseguir fazer a entrega sem pressões da família. Ela procurou a justiça espontaneamente no final da gestação. Durante o atendimento, foi acolhida e recebeu as orientações sobre os trâmites da entrega protegida. Após o nascimento, recebeu alta da maternidade e, em seguida, foi para a Vara de Proteção à Infância e Juventude da Comarca de Porto Velho e entregou o bebê.
No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu a resolução nº 485, de 18 de janeiro de 2023, uma importante diretriz sobre as gestantes ou parturientes que manifestam o desejo de entregar o filho para adoção. Esse procedimento é conhecido como entrega voluntária. A partir daí, o Núcleo Psicossocial da Vara de Proteção à Infância e Juventude da Comarca de Porto Velho, em Rondônia, criou a campanha denominada “Entrega Protegida”. Esse processo regulamentado pretende garantir um caminho seguro, evitando práticas ilegais e garantindo a proteção da criança.
Conscientizar é o melhor caminho
A importância da conscientização das mulheres sobre o procedimento correto para a entrega de um bebê é fundamental. A assistente social – gestora de equipe do Núcleo de Proteção à Infância e Juventude da Comarca de Porto Velho, Viviani Bertola, explica que é essencial orientar as mães que não entreguem a criança para vizinhos, enfermeiras ou qualquer outra pessoa. “Cabe ressaltar que a entrega protegida é um direito da mulher que não deseja exercer a maternidade por diferentes motivos e é importante não julgar suas decisões”, pontuou.
O procedimento busca oferecer segurança e dignidade tanto para a mãe quanto para a criança, garantindo que ela seja acolhida em um ambiente onde possa crescer e se desenvolver plenamente ao lado de uma família por adoção. “A pessoa que se encontra em uma condição de entregar o filho já está em uma condição bastante vulnerável. Não cabe aos profissionais uma conduta investigativa sobre o porque ela quer entregar o filho, ou o que está por trás dessa decisão. Vamos respeitar o que ela traz, ouvir, acolher, orientar e principalmente não julgar”, destaca a assistente social.
Viviane conta que neste ano de 2023, o Nups já atendeu cinco casos de mães que foram até a Vara de Proteção à Infância e Juventude da Comarca de Porto Velho/RO informando que tinham o desejo de entregar seu filho para adoção.
Como foi o caso de Maria (nome fictício) que, aos 22 anos, chegou à vara encaminhada pela assistente social de um hospital particular. Durante o atendimento com a assistente social, ela contou que sua gravidez não foi desejada. A descoberta da gravidez ocorreu justamente quando havia começado em um novo emprego e estudos.
Maria não tinha rede de apoio, não sabia quem poderia ser o pai do bebê e, por isso, resolveu esconder a gestação de seus familiares. O desejo de entregar a criança foi sendo amadurecido ao longo da gestação. E, ao final, decidiu que não estava preparada para ser mãe e que outras pessoas cuidariam da sua filha e daria o amor que ela merecia num lar seguro e protegido.
A assistente social conta que esses são casos comuns de mães que optaram por entregar seu filho para adoção de forma legal e segura. “São histórias de vida impactantes, de mulheres batalhadoras, como é o caso de Luiza que cuidava sozinha de quatro filhos e todos que estão com ela estão bem cuidados”.
O juiz da Vara de Proteção à Infância da Comarca de Porto Velho, Flávio de Melo revela que nas unidades de acolhimento em Porto Velho há um alto índice de crianças que foram entregues desprotegidamente. “Normalmente a mãe deixa com alguém, que fica com a criança e depois passa para outra pessoa, que posteriormente entrega a um outro terceiro, até que ninguém quer mais e no fim acaba indo para uma unidade de acolhimento. “A entrega desprotegida traz impactos negativos na vida da criança, que muitas vezes são irreversíveis. Justamente para proteger a criança é que a lei traz o direito à mulher de entregar seu filho para adoção”, pontuou.
Sigilo
A preservação do sigilo é um dos pilares do processo de entrega protegida. A mulher que realiza a entrega tem o direito absoluto ao sigilo, e apenas as pessoas estritamente necessárias têm acesso às informações. O juiz Flávio explica que a maioria das mulheres que procuram entregar o filho ocorre por vários contextos. “Seja por medo da revelação, ou porque o filho é fruto de incesto (relação entre parentes do mesmo sangue), abuso sexual ou de relação extraconjugal. Não cabe ao judiciário investigar o que está por trás da história da mulher. Mas sim, sensibilizar, orientar, acolher de forma ética e prestar todas as orientações de que ela precisa”, pontuou.
Em relação às informações do bebê a Vara de Proteção busca obter o máximo de informações possíveis sobre a criança para garantir o direito dela de saber sua identidade e origem biológica no futuro. Informações como a história da família, se são ribeirinhos ou agricultores, contribuem para o desenvolvimento psicossocial da criança ao preencher lacunas sobre sua vida enquanto adulto em busca de suas raízes. Por isso é importante sensibilizar essa importância à mulher que deseja entregar seu filho à adoção.
Porém, é essencial respeitar o direito da mãe de não falar sobre certos aspectos. A lei não exige buscar o suposto pai, a menos que haja um registro de nascimento, evitando assim revelações indesejadas.
Como funciona
A entrega protegida é realizada por meio de um fluxo que envolve equipes multidisciplinares, desde o serviço social do hospital até a decisão da Vara de Proteção sobre o destino da criança. Esse processo busca cuidar e proteger tanto a mãe quanto o bebê.
Gestantes ou parturientes que desejam entregar o filho para adoção devem procurar a Vara de Proteção à Infância e Juventude, que será atendida por profissionais e ouvida pelo juiz em uma audiência única, evitando retornos desnecessários. Após a audiência, a mãe tem um prazo de 10 dias para se arrepender da decisão. Durante esse período, o bebê permanece em um local de acolhimento adequado e, caso a mãe não mude de ideia, a criança é encaminhada para adoção. É importante destacar que a decisão de entrega é irreversível após o prazo estabelecido.
O juiz Flávio explica que já houve casos da mãe se arrepender de entregar o filho para adoção. Como foi o caso de Raquel que engravidou aos 19 anos quando ainda estava terminando os estudos. De início, sua mãe não aceitou a gravidez, então decidiu esconder a gestação. Após o nascimento do bebê ficou desesperada pois não tinha um lugar para ficar, ou condições para criar, então resolveu entregar a criança. “Eu entreguei, pois acreditava que assim minha filha poderia ter um futuro melhor”, disse Raquel. Após quatro dias ela se arrependeu da decisão e queria sua filha de volta. A equipe da vara da proteção da infância diante do conhecimento do desejo da mãe em querer ficar com a filha, realizou visita domiciliar, conversou com Raquel e sua família. Inclusive o pai reconheceu a paternidade. Hoje Raquel cria sua filha Alice e conta que ela é o “xodozinho” da família.
Quando o desejo de entregar o filho ocorre na unidade hospitalar, seja na fase do pré-natal ou após o parto, os profissionais de saúde deverão acionar a Vara de Proteção à Infância e Juventude, que imediatamente um profissional irá realizar o atendimento.
Todo procedimento é realizado com o objetivo de proteger a criança e possibilitar a sua inclusão em uma família.
A preservação do nome da criança é um ponto relevante no processo de entrega protegida. Caso a mãe não queira fornecer o nome, o juiz informará que o nome será escolhido a partir de um dos nomes dos avós. No entanto, há casos em que a mãe quer escolher o nome do bebê. “Houve um caso recente que a mãe não quis que colocasse o nome dos avós e ela decidiu escolher o nome do bebe”, ressaltou o juiz.
Por fim, o juiz Flávio de Melo enfatiza que o procedimento da entrega protegida busca a segurança de todos os envolvidos. “A adoção nem sempre é um caminho tranquilo. Os pretendentes, às vezes, acabam tomando um caminho mais curto, mas que não é legal. Os resultados dessa atitude podem ser traumáticos”.
Fonte: TJRO.