O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) concluiu mais uma edição do Encontro Nacional dos Grupos de Monitoramento e Fiscalização (GMFS) nesta semana, em Brasília, reunindo cerca de 90 representantes de tribunais de todas as unidades da federação. Durante os cinco encontros ao longo do mês de julho, cada um com representantes de cinco estados, os participantes puderam discutir temas como a institucionalidade dos GMFs e seu papel enquanto articulador no campo penal e socioeducativo; ações em andamento alinhadas às políticas do CNJ, fortalecimento do enfrentamento a tortura e maus-tratos e melhoria gestão de dados.
Nos dois últimos encontros, em 13 e 17 de julho, participaram representantes de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará e Tocantins. “Reunimos diversos tribunais do país, de diferentes configurações, para que todas as experiências pudessem ser compartilhadas e vivenciadas. Para que um problema ou uma situação em determinado GMF pudesse dialogar com a de outro, assim como boas práticas e boas experiências. Neste encerramento, estou certo de que que saímos daqui com perspectivas renovadas, com uma nova visão sobre possibilidades de atuação, e com vontade de fazer mais e melhor pela qualificação da política penal e socioeducativa˜, disse o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, Luís Lanfredi, no último dia do encontro.
O Encontro dos GMFs aconteceu entre 3 e 17 de julho, com reuniões em sequência voltadas exclusivamente para a temática da Justiça Juvenil. A iniciativa tem apoio técnico do Programa Fazendo Justiça, executado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e diversos apoiadores.
Para o juiz auxiliar da Presidência do CNJ com atuação no DMF, Edinaldo César Santos Júnior, ter um dia especialmente voltado para debater o socioeducativo foi um marco histórico. “Estamos aqui falando de um determinado adolescente, em conflito com a lei, que também é sujeito de direitos, é pessoa em desenvolvimento e também precisa ser visto como prioridade absoluta, como determina nossa Constituição Federal”, pontuou. “O CNJ continua de braços abertos para recebê-los, ouvi-los, e vamos fazer muito pelos sistemas carcerário e o socioeducativo”, reiterou o juiz.
Estrutura
A partir de uma pesquisa realizada pelo CNJ com GMFs em todo país, identificou-se que 18 deles elaboram plano de ação anual com metas e indicadores, sendo que apenas quatro contam com previsão orçamentária e seis com equipes interdisciplinares. Planejar as ações dos GMFs como forma de fortalecer sua institucionalidade foi um dos temas abordados no encontro.
“Nós precisamos ter planejamento estratégico para 2024. Hoje atendemos mais de maneira reativa – quando demandados, respondemos. Agora, com nossa atuação cada vez mais consolidada, estamos em um ponto em que podemos planejar o futuro”, disse o coordenador do GMF do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, juiz Antônio Carlos Castro de Neves Tavares. “Quanto mais estamos alinhados ao CNJ e ao Fazendo Justiça, percebo que mais nos fortalecemos para criar políticas mais longevas”, concluiu.
Do Pará, a desembargadora e supervisora do GMF Eva do Amaral Coelho afirmou que o levantamento feito pelo CNJ expõe a necessidade de uma estrutura mínima para que os GMFs funcionem de forma adequada. “O Pará tem uma estrutura bem pequena em termos de GMF. Nós não temos, por exemplo, um orçamento próprio. Falta uma estrutura mínima da equipe administrativa e interdisciplinar. Uma sugestão seria, portanto, que o DMF, por meio do CNJ, recomendasse essa configuração mínima”.
Supervisor do GMF no Tribunal de Justiça Mato Grosso do Sul, o desembargador Luiz Gonzaga Mendes Marques sugeriu que as informações apresentadas e discutidas ao longo desses encontros fossem repassadas também às presidências dos tribunais e corregedorias: “Isso facilitaria para a supervisão do GMF o desenvolvimento e encaminhamento de medidas que são necessárias e que demandam de compreensão adequada dos sistemas que administram os tribunais”.
Visibilidade e articulação
Garantir maior visibilidade e reconhecimento do trabalho do GMF entre o Judiciário e demais atores da política penal e socioeducativa foi apontada como fundamental para que as incidências tenham maior alcance e sustentabilidade. “Em São Paulo são 330 comarcas, 200 mil presos no sistema prisional, mais de 120 mil em regime fechado. Nosso desafio primeiro é que todos os juízes saibam da importância do GMF e de tudo que envolve o nosso trabalho”, disse o supervisor do GMF do TJSP, desembargador Gilberto Leme Marcos Garcia.
Integrante do GMF do TJRJ, o juiz André Francicis falou sobre a experiência com a criação de subgrupos – socioeducativo, identificação civil, central de custódia e penas alternativas – com autonomia de ação, o que trouxe mais celeridade ao trabalho.
No campo do diálogo interinstitucional, o supervisor do GMF do TJES, desembargador Fernando Zardini, destacou a relevância desses espaços, citando como exemplo as audiências de custódia. “Realizamos reuniões periódicas com Poder Executivo, Secretaria de Justiça, polícias, Defensoria Pública e Ministério Público para tratar de assuntos emergenciais com uma resolutividade mais rápida, evitando burocracias”.
O desafio para se impulsionar o trabalho com uma rede ampla, capaz de atender todas as demandas do campo penal e do socioeducativo foi apontado pelo juiz integrante do GMF no Tocantins Allan Martins Ferreira. “Nós temos que conhecer como é o sistema de saúde, como é o sistema da assistência social, psicologia, para poder fortalecer essas áreas também nas unidades prisionais”.
Implementação das políticas
A partir do debate sobre as ações difundidas pelo CNJ no portfólio do programa Fazendo Justiça, os magistrados falaram sobre as experiências em seus estados. “No Paraná, uma prioridade é a questão da saúde mental, e uma súmula vinculante sobre o tema seria bem-vinda enquanto base para a consolidação das políticas”, disse o supervisor do GMF do Tribunal de Justiça do Paraná, desembargador Ruy Muggiati, informando ainda sobre a preocupação com a criação de fluxos para dependentes químicos e moradores de rua nas audiências de custódia.
O supervisor do GMF-MS Luiz Gonzaga Mendes Marques destacou o apoio técnico do Fazendo Justiça para articulações e construção de fluxos em cenários complexos. “Nas audiências de custódia, na capital está funcionando muito bem onde houve a assinatura de um Termo de Cooperação com o município para o atendimento de assistentes sociais. Hoje são três médicos para fazer o exame de corpo de delito no mesmo local da audiência de custódia”, informou, citando ainda temas que vêm demandando atenção como alternativas penais, saúde e saúde mental.
O coordenador GMF no Mato Grosso, juiz Geraldo Fernandes Fidelis Neto, destacou uma mudança de perfil para avanços das políticas nos últimos anos. “Existe hoje uma vontade muito forte, dos diferentes poderes, de quem trabalha na área, para fazerem as coisas funcionarem. O Conselho da Comunidade copiamos do Paraná a ideia da Confederação dos Conselhos, temos a Rede de Atenção às Pessoas Egressas funcionando. São muitas atividades acontecendo, uma mudança radical nos últimos quatro anos, especialmente com um olhar na saída para não ter a reentrada”, disse, avaliando que a criação de parâmetros pelo CNJ neste campo seria bem-vinda.
Coordenador técnico adjunto do Fazendo Justiça, Talles Andrade de Souza avalia que as experiências trazidas ao longo dos encontros evidenciam que o Judiciário está assumindo um protagonismo no contexto da privação de liberdade para além do campo processual, de forma alinhada ao entendimento do STF ao reconhecer o estado de coisas inconstitucional nas prisões brasileiras. “Percebemos que tratar a questão penal apenas no campo da criação de mais vagas não é a resposta. O Judiciário vem atuando para alcançar mais que isso, a qualificação geral das políticas”.
Inspeções e denúncias
No campo das inspeções e tratamento de casos de tortura e maus-tratos, surgiram diálogos sobre a capacidade dos GMFs diante do número de unidades penitenciárias, necessidade de melhor definição sobre competências de ação e inclusão das inspeções como atividade prioritária na rotina de trabalho dos magistrados, com definição de critérios para monitoramento das recomendações pós-inspeções.
“Estamos buscando a humanização do sistema prisional e socioeducativo, especialmente no fortalecimento da questão das inspeções”, afirmou o supervisor do GMF do TJMG, desembargador José Luis de Moura Faleiros, informando que preparam um evento sobre o tema no segundo semestre. “Precisamos não ter apenas a vivência, mas a convivência efetiva da prestação jurisdicional do Estado com os indivíduos que estão com a sua liberdade tolhida, porque é a partir da convivência que nós, de fato, aprimoramos nossas ações”.
Coordenadora do GMF do TJGO, a juíza Telma Alves destacou a importância do aspecto humano no trabalho dos GMFs. “Nós lidamos não só com a demanda jurisdicional, processual, mas a parte social, nós lidamos com as pessoas, que acredito ser a parte mais importante de nosso trabalho”.
A qualificação dos laudos periciais e os desafios na composição de equipes multidisciplinares de perícia também foram mencionadas. O juiz membro do GMF-RJ André Ricardo Ramos relatou que quando a pessoa declara que foi torturada no momento da prisão em seu estado, o juiz encaminha para o exame de corpo de delito. “Essa organização e qualificação do laudo pericial já existe e de lá também extraímos peças de flagrantes”, disse.
No âmbito do Fazendo Justiça, o CNJ está reformulando um fluxo de referência nacional e apoiando na elaboração de fluxos estaduais para lidar com a identificação, registro, tratamento e apuração de casos de tortura em audiências judiciais e nos estabelecimentos prisionais. Os estados do Rio de Janeiro, Ceará e o TRF-1 já publicaram normativas neste sentido. Goiás, Rio Grande do Norte e Minas Gerais instalaram comissão para estudar o tema.
De acordo com a coordenadora técnica do Fazendo Justiça, Valdirene Daufemback, é imperativo que os papeis e atribuições fiquem definidos, além de que se qualifique o olhar de quem inspeciona. “Não basta só olhar, é preciso ver as coisas, e nisso vamos avançar a partir da expertise do Judiciário para realizar inspeções para os avanços necessários, garantindo também que haja um acompanhamento do que foi registrado. Não adianta registrar a mesma coisa todo mês e nada mudar.”
Gestão de dados
Garantir que a formulação, implementação e monitoramento de políticas partam de evidências é fundamental para efetividade e sustentabilidade das incidências, e o tema da gestão de dados e sistemas no campo penal e no campo socioeducativo foi um dos temas do encontro.
Entre os pontos trazidos pelos participantes, estão a complexidade de garantir uma boa coleta e sistematização, a disponibilidade limitada de profissionais de dados nos tribunais, a integração incompleta entre diferentes sistemas, instabilidades técnicas e a categorização de informações. “Dados são extremamente necessários para disparar qualquer ação, mas ainda tem baixa qualidade de alimentação a depender do sistema, alguns são mais confiáveis que outros. Também fica difícil cobrar a alimentação de diferentes sistemas de nossos servidores”, avalia o coordenador do GMF-PA, juiz Caio Berardo.
Segundo o desembargador Ruy Muggiati (TJPR), ainda é necessário produzir levantamentos específicos para dados relativos a especificidades, a exemplo de lactantes, presos responsáveis por pessoas menores de idade e pessoas com deficiência, pessoas indígenas e pessoas LGBTQIA+. Mencionou, ainda a importância de que haja mais dados sobre o sistema socioeducativo, notadamente sobre o cumprimento em meio aberto.
Próximos passos
O fortalecimento dos GMFs é um dos temas do manual da Resolução CNJ 214/2015, em fase final de produção. O intercâmbio de informações produzidas nos encontros resultará em insumos para a construção desse material, que deve trazer, entre outros temas, um modelo de plano de ação abarcando desde um modelo de ato normativo até recomendações para a configuração de equipes, estruturas físicas e orçamentárias e boas práticas para os GMFs nos territórios.
Confira os depoimentos de representantes dos GMFs que participaram do quarto dia do evento: desembargador José Luiz de Moura Faleiros (supervisor GMF/TJMG); desembargador Fernando Zardini Antonio (supervisor Varas Criminais e Execuções Penais/TJES); desembargador Gilberto Leme Marcos Garcia (supervisor GMF/TJSP); juíza Telma Aparecida Alves (coordenadora GMF/TJGO); juiz Antonio Carlos de Castro Neves Tavares (coordenador GMF/TJRS); juiz André Ricardo de Franciscis Ramos (integrante GMF/TJRJ).
Confira os depoimentos de representantes dos GMFs que participaram do quinto dia do evento: desembargadora Eva do Amaral Coelho (supervisora do GMF/TJPA); desembargador Luiz Gonzaga Mendes Marques (supervisor GMF/TJMS; desembargador Ruy Muggiati (supervisor do GMF/TJPR); juiz Allan Martins Ferreira (membro do GMF/TJTO); juiz Geraldo Fernandes Fidelis Neto (coordenador GMF/TJMT).
Texto: Renata Assumpção, Isis Capistrano, Leonam Bernardo, Débora Zampier
Edição: Nataly Costa e Débora Zampier
Agência CNJ de Notícias