A necessidade de combate e enfrentamento do racismo no Poder Judiciário ensejou a celebração do Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade racial. Por esse motivo a Resolução 490/23, que instituiu o Fonaer, é fundamental para a efetivação de uma nova realidade. A afirmação é do conselheiro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), durante a abertura do 1º Encontro do Fórum Nacional do Poder Judiciário para Equidade Racial (Fonaer), promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nesta segunda-feira (8/5).
Ele destacou que, segundo pesquisa do CNJ “Negros e Negras no Judiciário”, apenas no ano de 2049 o judiciário brasileiro atingiria a marca de 20% dos cargos da magistratura ocupados por negros e negras. “As cotas raciais não são suficientes para garantir a representatividade racial no Judiciário. É preciso aperfeiçoar a Resolução 203/15, que dispõe sobre a reserva de vagas aos negros e afastar os entraves que foram identificados ao longo desses anos na implementação da política de cotas raciais para o acesso à magistratura e demais cargos no judiciário cargos”, completou.
Monitoramento
O monitoramento da aplicação das políticas de equidade racial no Poder Judiciário deve ser objeto de nova resolução, a ser encaminhada ao plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A decisão foi divulgada durante o 1º Encontro do Fórum Nacional do Poder Judiciário para Equidade Racial (Fonaer).
O debate foi conduzido pela juíza auxiliar da Presidência do CNJ Karen Luise Souza e pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ Edinaldo César Junior. O magistrado lembrou que o fórum é fruto do Pacto Nacional do Judiciário para equidade racial, firmado em novembro do ano passado.
O pacto foi organizado em quatro eixos: a promoção da equidade racial no Poder Judiciário, a desarticulação do racismo institucional, a sistematização dos dados raciais do Poder Judiciário, e a articulação interinstitucional e social para garantia de cultura antirracista na atuação do Poder Judiciário.
O diretor da entidade Educafro Brasil, o advogado Gilberto Álvares dos Santos, afirmou que o tema do racismo é repetido em diversas frentes de luta. “Falo isso com a experiência de uma entidade que tem 43 anos de vida lutando pelo povo negro e pobre. Se não tivermos essa temática abraçada pelas estruturas de poder uma política antirracista no país, nós não teremos como alterar essa conjuntura”. Ele ainda defendeu que o tema tem que estar no orçamento do Brasil.
O advogado lembrou que existem políticas inclusivas, mas de nada adiantam se não forem adequadamente implementadas. Ele exemplificou a necessidade de fiscalizar se as leis de cotas estão sendo realmente cumpridas, com métricas que apurem o cumprimento dos direitos previstos pela legislação.
Sugestões
A partir do que está previsto no pacto, o juiz auxiliar sugeriu o trabalho em três eixos. Os participantes do comitê devem trabalhar em pontos como a produção de dados e pesquisas estratégicas para construção de evidências no enfrentamento ao racismo institucional, além de formação inicial e continuada da magistratura nas questões raciais para a garantia de uma cultura institucional antirracista.
Outra sugestão, foi da criação de um órgão, no âmbito das instituições de justiça, mas hierarquicamente superior, para o enfrentamento do racismo institucional. A defesa foi feita pela Secretária Nacional de Promoção dos Direitos Humanos no âmbito do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Isadora Brandão Araujo da Silva. Ela destacou a necessidade de mudanças estruturais no Poder Judiciário para estabelecer um novo paradigma para olhar as questões raciais.
Para a assessora de ações governamentais do Ministério da Igualdade Racial, Isadora de Oliveira Silva, é importante a adoção de um Protocolo para Julgamento de Raça, e defende a presença de negros nas comissões para a realizações de concursos para o Poder Judiciário.
Marcelino Conti de Souza, representante do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR) ressaltou a importância da sugestão apresentada, no sentido de descentralizar o Fonaer .“Quando você percorre outras regiões, é possível ver realidades distintas, dos quilombolas aos ribeirinhos, da Amazônia ao Rio de Janeiro. São demandas diferentes que precisam ser ouvidas”, argumentou. Ele também sugeriu a inclusão de mais um eixo, o da intolerância religiosa, porque conforme salientou, o judiciário ainda perpetua esse tipo de racismo.
Acesso à justiça
No caso dos quilombolas, a advogada Vercilene Francisco Dias, coordenadora nacional das quase 6 mil comunidades quilombolas existentes no Brasil, destacou a importância da luta pelo território, já que esse direito estrutura todos os outros como educação e saúde, por exemplo.
Porém, ela lembrou que para garantir seus direitos dificilmente o seu povo tem facilidade de acesso à justiça. A advogada sugeriu um formato de tratamento inclusivo e facilitado de acesso à justiça aos quilombolas, que “muitas vezes não conseguem sequer serem entendido pelos juízes ou desembargadores, devido à forma diferente de se expressar”, disse.
A coordenadora geral da ONG Criola, Lúcia Maria Xavier de Castro, afirmou que o fórum não pode ser um local de acomodação para as reivindicações. “Quando as questões de racismo são justificadas como problemas estruturais é como dizer que nada podemos fazer”, criticou. Ela destacou ainda a dificuldade do acesso das mulheres negras à justiça. “É necessário que o sistema olhe as condições dessas mulheres”, reivindicou.
A diretora da Faculdade Zumbi dos Palmares, Camila Vicente, lamenta que a cor pele ainda interfira no acesso a posições superiores. “Somos mais de 50% da população brasileira, mas a maior parte está na base”.
Ao fim do 1º Encontro do Fonaer, a juíza auxiliar da Presidência do CNJ Karen Luise Souza reforçou a importância do fórum e “a pretensão de dar capilaridade para a política que queremos construir, aproximando a sociedade e acolhendo as sugestões trazidas para desmantelar o racismo institucional”.
O evento contou ainda com a presença dos representantes da Defensoria Pública da União, Yuri Michael Pereira Costa, e do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, Daniel Teixeira, entre outros especialistas.
Texto: Michelle Martins e Margareth Lourenço
Edição: Karina Berardo
Agência CNJ de Notícias