Em Roraima, CNJ defende união institucional para superar desafios das pessoas em situação de rua

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Audiência Pública na Assembleia Legislativa de Roraima. Foto: Gláucio Dettmar/Agência CNJ
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“A desigualdade social, em particular a situação de extrema pobreza percebida nas pessoas em situação de rua não é um fenômeno apenas brasileiro, é uma questão de humanidade, de empatia. Nós todos temos a obrigação, a responsabilidade e o dever de fazer algo por isso”. A fala foi do conselheiro Mário Goulart Maia, representante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) durante audiência pública ocorrida nesta sexta-feira (3/3) na Assembleia Legislativa de Roraima (RR) para tratar sobre políticas públicas para pessoas em situação de extrema pobreza. Nos últimos cinco anos, a Justiça de Roraima já atendeu mais de 10 mil imigrantes venezuelanos, fora pessoas que, por alguma situação, se viram sem lar.

As histórias são diversas. Muitos perderam o emprego e não puderam mais sustentar a casa. Outras buscaram a rua para fugir da violência de casa. Também há quem sofra de transtornos psiquiátricos ou dependência química e também aqueles que acabaram em um abrigo ou na calçada. Segundo dados do Ipea, a população de rua no Brasil supera 220 mil pessoas. Boa Vista atualmente possui o maior número de pessoas vivendo em ruas entre todas as capitais, a cada 100 mil habitantes, 411, segundo levantamento do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua/POLOS-UFMG.

“Cada um de nós tem um conceito de Justiça; são muitos os conceitos porque a Justiça é mesmo plural. Mas o conceito de injustiça só tem um. Sofra uma injustiça e você saberá o que é esse sentimento. Sofra um preconceito e você vai saber o que é o preconceito. […] O que está a nos matar é a indiferença”, completou Mário Maia, que coordena o Comitê Nacional Pop Rua Jud e preside a Comissão de Políticas Sociais e de Desenvolvimento do Cidadão do CNJ. O conselheiro também ressaltou o olhar que o CNJ passou a ter em relação a esse desafio social e buscando assegurar o amplo acesso dos cidadãos brasileiros à Justiça. Em 2021 foi publicada a Resolução n. 425/2021, que instituiu, no Poder Judiciário, a Política Nacional Judiciária de Atenção a Pessoas em Situação de Rua.

Realidade e burocracia

A juíza federal Luciana Ortiz, do CNJ, conclamou os representantes de entidades e órgãos públicos a conseguirem ultrapassar as burocracias para ajudar as pessoas e enfrentar a crise humanitária. “Pessoas em situação de calçada precisam da ajuda de muitas instituições, de muitas áreas. Não podemos esquecer que essas pessoas estão passando fome. Como exigir que, para ela ter acesso a um documento, ela precisa pagar por uma cópia? As pessoas não estão conseguindo fazer CadÚnico na cidade. É preciso reforço em nível federal”, disse a magistrada, que vê, no cadastro, uma ferramenta fundamental para permitir o acesso aos benefícios sociais.

Em sua fala, a magistrada citou atos da própria Justiça que atrapalham o cidadão ao acesso de seus direitos como, por exemplo, a exigência de que ele tenha roupas adequadas e sapatos fechados para entrar em um Fórum. “Esquecendo que são milhões de pessoas que passam fome, restrições alimentares, moram em moradias precárias, sem banheiro, e, mesmo assim, passamos orientações para que elas não entrem de chinelo nos nossos prédios. Todas as portas foram fechadas para que elas tenham seus direitos sociais assegurados, para que possam ser atendidas de forma desburocratizadas”, afirmou a juíza que criticou o não comparecimento de órgãos convidados para a audiência.

Já o deputado estadual Renato Silva, autor da proposição da audiência pública, lembrou que o agravamento do número de pessoas em situação de rua ocorreu após a crise migratória da Venezuela, assim como da pandemia de covid-19. “Há famílias inteiras vivendo em situação de risco, com o agravamento da situação da Venezuela. Falta de alimentação, higiene e acesso à direitos, vivendo na pobreza, sem documentos, sofrendo preconceitos diários”, disse.

Representando o Movimento Nacional da População de Rua, José Vanilsson Torres da Silva ressalvou que a população de rua é um público heterogêneo. “Quem está nas ruas não são só drogados ou vagabundos, como alguns dizem. São pessoas com os direitos historicamente violados. Eu vim para as ruas por questões familiares, com 12 anos de idade. Não consegui terminar o meu ensino médio porque eu não tinha casa. Saí das ruas em 2014. Mas as ruas me ensinaram todos os dias a lutar por direitos nesse país.”

Esforço integrado

O vice-presidente do tribunal de Justiça de Roraima (TJRR), Ricardo Oliveira, concordou que a situação de rua é uma das mais graves questões sociais do país. “A invisibilidade é a violência mais cruel”, disse, citando o padre Júlio Lancellotti. O magistrado citou que a situação dos hiper vulneráveis é consequência do baixo desenvolvimento econômico, de diversas desigualdades sociais, da deficiência educacional, “e, muitas vezes, da pura omissão estatal. O Estado brasileiro precisa assumir a responsabilidade de promover políticas públicas efetivas para garantir a inclusão social, a dignidade, e os direitos humanos para essas pessoas”, afirmou.

Ricardo Oliveira ressaltou a importância de um esforço conjunto institucional para ajudar essa parcela da população e recuperou o trabalho da Justiça Itinerante do estado, que já atendeu mais de 2 mil refugiados em abrigos, postos de triagem e rodoviária por meio da parceria do Tribunal com o Alto Comissariado para Refugiados (ONU). Entre os casos que a Justiça Itinerante resolveu, estão reconhecimento de paternidade, união estável, fixação de alimentos, registros de nascimentos de crianças nascidas no Brasil, casamento, causas cíveis e fazendárias.

Os números de atendimentos também se estenderam aos indígenas, atingindo mais de 35 mil pessoas que passaram a ter acesso a documentação básica e foram retirados da invisibilidade pela atuação desse trabalho. A Justiça Itinerante é preconizada pelo CNJ, pois permite maior acesso à Justiça de populações menos favorecidas, mas atua em rede, em cooperação com outras instituições do Sistema de Justiça.

Além dos representantes do Judiciário, tiveram oportunidade de apontamentos os representantes do Escritório do Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), do Comando da Operação Acolhida, do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e do Movimento Nacional da População de Rua, que também participaram da audiência pública que se estendeu por quase quatro horas.

Texto: Regina Bandeira e Mariana Mainenti
Edição: Jônathas Seixas
Agência CNJ de Notícias

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