O Poder Judiciário desempenha suas funções, no século XXI, por meio de sistemas computacionais para a gestão dos processos judiciais, com a eliminação do papel, e inicia o uso da inteligência artificial e da computação em nuvem. Assim, a Justiça supera a velha imagem sempre associada a montanhas infinitas de pastas de processos que abrigam pilhas de papeis, exigência de inúmeros carimbos e protocolos, entre outras ações burocráticas. Tal modelo de atuação é resultado de inúmeras ações implementadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para racionalizar e agilizar o trabalho dos tribunais nos últimos 15 anos.
Desde o início da sua história, o CNJ apostou na promoção da tecnologia da informação, visualizando ser esse um dos principais instrumentos para o enfrentamento do grande volume de demandas que anualmente chegam ao Judiciário. Em dezembro de 2013, o CNJ aprovou a Resolução n. 185, que instituiu o PJe como sistema nacional de processamento de informações e prática de atos processuais. Nela, estão estabelecidos os parâmetros para a implementação e o funcionamento do PJe. Hoje, o sistema alcança 80% dos tribunais brasileiros. Sua versão atual, 2.1, foi lançada em fevereiro de 2019.
A premissa para tal atuação do CNJ reside no fato de que a informatização do processo judicial é uma política pública fundamental e, como tal, deve considerar padrões ou standards aplicáveis a todos os segmentos de Justiça, independentemente de sua competência ou grau de jurisdição.
Uma das iniciativas mais recentes, por intermédio da Portaria CNJ n. 25/2019, foi a criação do Centro de Inteligência Artificial aplicada ao Processo Judicial Eletrônico (PJe), que integra o Laboratório de Inovação criado especificamente para a plataforma. O Centro introduz uma linha para pesquisa e produção de serviços inteligentes, com o objetivo de auxiliar na construção e no aprimoramento de módulos do PJe. Os produtos são desenvolvidos com tecnologias de código aberto (open source), o que possibilita modificações, adequações e distribuição sem custos de licenciamento.
Para viabilizar a produção de inteligência artificial em larga escala, o CNJ disponibilizou em serviço de nuvem a plataforma Sinapses. Por meio dela, todos os modelos de inteligência artificial (algoritmos especialmente criados para IA) produzidos nos tribunais poderão ser aproveitados de modo comum. O Sinapses permite armazenar, treinar, auditar e distribuir modelos de IA.
Os tribunais também podem contar com o Repositório Nacional de Projetos de Software e Versionamento de Arquivos (Git.jus), uma plataforma que congrega a comunidade de desenvolvedores das diversas unidades do Judiciário do país. O Git.jus viabiliza processos colaborativos de desenvolvimento de softwares e sistemas de interesse comum. Também estimula a conexão, o compartilhamento de informações e a difusão de programas cuja eficiência possa ser replicada em outras unidades da Justiça.
“O CNJ tem um papel único e central na governança da informatização e inovação tecnológica do Poder Judiciário. Não existe nada semelhante em nosso sistema”, de acordo com o juiz auxiliar da Presidência do CNJ Bráulio Gabriel Gusmão, que coordena o Programa PJe e o Centro de IA. Gusmão também afirma que o atual estágio do CNJ no tema da tecnologia indica, pela primeira vez, alinhamento ao que existe de mais avançado nessa área. “Estamos superando a era dos grandes sistemas, monolíticos, que resolviam tudo. Isso é impossível nos dias atuais. A chave é o desenvolvimento colaborativo, descentralizado, com soluções modulares ou distribuídas, computação em nuvem, com forte atenção à ciência de dados e a inteligência artificial”, reforça. Para ela, estão postas todas as condições para que ocorra uma grande transformação digital na jurisdição brasileira nos próximos anos e cabe ao CNJ liderar esse processo.
Tecnologia para produtividade
O verdadeiro oceano de processos, que alcançava uma ordem de grandeza de quase 100 milhões de ações, foi o alerta para a necessidade de ferramentas para se alcançar maior produtividade no Poder Judiciário. Essa avaliação é do juiz Marivaldo Dantas de Araújo, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN). Ele foi juiz auxiliar da Presidência do CNJ vinculado à Comissão Permanente de Tecnologia da Informação e participou das primeiras ações voltadas para a informatização do Poder Judiciário.
Dantas, que chegou ao CNJ em maio de 2009, considera que a adoção de sistemas informatizados no Judiciário é o único caminho para o atendimento da crescente demanda da sociedade por Justiça. “Não existe outra forma de lidar com a diversidade e a quantidade de processos judiciais que tramitam no Brasil”, afirma. A percepção do juiz é a mesma que levou o CNJ, desde a criação, a trabalhar pela informatização do Poder Judiciário.
Quando foi criado em 2005, o Conselho já implementou a Comissão Permanente da Informatização, que formulou as primeiras propostas para estabelecer os parâmetros de informatização do Judiciário. Posteriormente, em 2008, foi constituído o Comitê Nacional de Gestão dos Sistemas Informatizados (CNG-TI) por meio da Portaria n. 361/2008. Dantas lembra que trabalhou com o juiz Paulo Cristóvão e que, antes deles, os primeiros estudos foram conduzidos pelos juízes Rubens Curado e Alexandre Azevedo.
“O processo de informatização do Poder Judiciário é bem anterior à existência do CNJ. Os tribunais, ou os ramos de Justiça, possuíam iniciativas próprias, cada uma em uma direção, sem um foco sintonizado”, afirma. Segundo ele, que atualmente é juiz na comarca de Assú, no Rio Grande do Norte, o CNJ realizou, de maneira paulatina, um trabalho de direcionamento das iniciativas de tecnologia da informação dos tribunais.
Ele conta que, no início, se buscou um sistema com código não proprietário, que também não utilizasse tecnologias proprietárias. Assim, chegou-se ao sistema PJe, que conta com uma ferramenta de Business Process Management (BPM – Gerenciamento de Processos de Negócio) que possibilitava a criação de fluxos (tarefas encadeadas). “Era a ferramenta que oferecia maior flexibilidade na configuração, permitindo adaptação a todos os ramos da Justiça e competências”, destaca.
O sistema PJe começou como um projeto do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), que utilizou as definições de um sistema padrão para a Justiça Federal, desenvolvida com significativa participação dos cinco tribunais regionais federais, mas que não chegou a ser implementado. “Ademais, houve avaliação das equipes técnicas de tribunais. Inclusive a Justiça do Trabalho fez a escolha pelo PJe durante um encontro em Aracaju”, afirma.
O PJe, conforme o juiz, foi uma proposta de sistema de processo eletrônico a ser utilizado por todos os ramos da Justiça. “Além de tender a um plano para redução da diversidade de sistemas, sua adoção também buscou evitar a multiplicação de despesas com sistemas diversos”, ressalta. Ele cita a Resolução CNJ n. 185/2013, que oficializou o PJe como sistema para o Judiciário, e enfatiza que cabe ao CNJ a adoção das medidas necessárias para cumpri-la.
Para ele, o grande desafio a ser vencido para a informatização do Judiciário “tenha sido” cultural. “Digo ‘tenha sido’ porque compreendo que o estranhamento cultural com o processo eletrônico praticamente foi superado. O sucesso do teletrabalho durante a presente pandemia da Covid-19 me parece uma comprovação dessa afirmação”, declara. Já em relação à limitação de recursos financeiros para implantação de sistemas informatizados, Dantas classifica como uma questão de opção e observa que o investimento em tecnologia reflete na redução de despesas em outras áreas.
A nova fronteira a ser superada é o uso de Inteligência Artificial (IA) e outras tecnologias correlatas como aprendizado de máquina e redes neurais. “Os sistemas que utilizamos ainda são muito vinculados a metadados (classes, assuntos, movimentos codificados). As novas tecnologias permitirão uma interação mais natural de pessoas e máquinas e o manuseio de linguagem natural por parte dos computadores”, prevê.
A análise de textos, como os de petições iniciais e contestação, e a apresentação de prováveis soluções baseadas em casos passados são, para ele, uma resposta à imensa judicialização, como ocorre no Brasil. O magistrado ressalta que já existem escritórios e empresas que utilizam a jurimetria, inclusive com predição de possíveis conteúdos de decisões e sentenças, com base no que já foi decidido. “Porém, não acredito que o fator humano possa ser comprometido. Os temas repetitivos já são trabalhados em bloco. As tecnologias podem ajudar – e muito – a separar o que é repetitivo daquilo que é individual, diferente, novo”, conclui.
Cadastros com maior eficiência
Além de garantir maior celeridade para o andamento de processo, a informatização também é utilizada no gerenciamento dos diversos cadastros nacionais mantidos e alimentados pelo CNJ. Instrumentos fundamentais para a formulação de políticas judiciárias, os cadastros organizam – e mantém a atualização – de registros relativos a temas e setores onde a atuação do Poder Judiciário é imprescindível. A administração desses cadastros, no âmbito do CNJ, está a cargo do Comitê Gestor de Cadastros Nacionais (CGCN).
Na relação de registros mantidos no Conselho constam, entre outros, o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), que reúne dados de crianças que aguardam adoção e de famílias interessadas e aptas a adotar; o Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU), que centraliza e uniformiza a gestão de processos de execução penal em todo o país; o Banco Nacional de dados de Demandas Repetitivas (BNPR), com dados referentes às demandas repetitivas nos tribunais estaduais, federais e superiores; e o Sistema Nacional de Bens Apreendidos (SNBA), com informações sobre imóveis, móveis e valores detidos em procedimentos criminais em todo o território nacional.
Outra iniciativa importante, com reflexos para a melhoria da representação política do país, é o Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa e por Ato que Implique Inelegibilidade (CNCIAI). Recentemente, ele que passou por uma revisão e será integrado ao Infodip, sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que coleta dados relativos a direitos políticos, racionalizando a prestação de informações, tanto para o Judiciário, quanto para os eleitores.
Responsável pelo CGCN, o conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues ressalta a importância dos cadastros nacionais para garantir transparência a todos os processos e também orientar a elaboração de políticas públicas pelo CNJ e por outros poderes. Ele destaca que o Conselho está racionalizando todos os cadastros, que chegaram a alcançar 125 relações distintas.
“O SNA é um exemplo. Ele unificou Cadastro Nacional de Adoção e a criação do programa Família Acolhedora, uma política pública muito mais efetiva que a institucionalização das crianças”, declara. De acordo com ele, o programa possibilita que uma família acolha uma criança por períodos de tempo, produzindo reflexos positivos para o progresso da criança, além de facilitar a adaptação posteriormente, em caso de adoção.
Para o conselheiro, a informatização tem o papel importante de facilitar a sistematização das informações constantes dos cadastros, como ocorre também em relação ao SEEU. “Trata-se de uma vitória da tecnologia. No caso do SEEU, ela é decisiva para a política carcerária. Ela garante, por exemplo, o cumprimento correto da progressão de pena. Isso desafoga o sistema e contribuiu para melhorá-lo”, afirma.
Este texto faz parte da série comemorativa dos 15 anos do CNJ. Conheça aqui outros momentos dessa história
Jeferson Melo
Agência CNJ de Notícias