Apenas a paralisação de uma em cada 100 das maiores obras públicas que se encontram paralisadas no país se deve a uma ordem judicial. A conclusão é do Diagnóstico sobre Obras Paralisadas elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e divulgado na terça-feira (19/11) pelo presidente do órgão, ministro Dias Toffoli. Entre 3.922 projetos públicos, o estudo identificou 48 (1,2%) com valor acima de R$ 1 milhão que se encontram barrados pela Justiça.
“Embora sejam poucos processos, as obras discutidas neles somam R$ 149 bilhões em recursos públicos pendentes. E, dadas as dificuldades na localização, podem haver outros”, informou o Presidente Dias Toffoli, em reunião aberta à imprensa para apresentar a análise. Dias Toffoli anunciou a meta de entregar o relatório ainda no discurso de posse, em setembro de 2018. A intenção é resolver as pendências judiciais, destravar investimentos e retomar o crescimento do país. “Estamos propondo para o Encontro Nacional do Poder Judiciário ter como meta para 2020 identificar e impulsionar processos dessa natureza”, afirmou.
O estudo traça o perfil das obras alvo de medida judicial. Ao menos uma em cada cinco (22,9%) é da área da educação — 11 no total. Projetos de mobilidade urbana e fornecimento de água vêm a seguir entre os mais comuns. Quanto ao tipo e assunto do processo, predominam ações civis públicas sobre improbidade, licitações e questões ambientais. “Precisamos identificar todos os casos — dentro do Executivo, nos tribunais de contas, no Judiciário — e buscar acordos para viabilizar soluções, sem abrir mão das responsabilidades legais. A ideia é priorizar as obras que superem o patamar de R$ 1 milhão e todas que envolvam creches e escolas públicas, independentemente do valor”, explicou Toffoli.
No primeiro estudo próprio sobre o tema, o Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho (DPJ/CNJ) constatou quadro similar ao de análises anteriores. Em 2018, o Ministério do Planejamento apontou 4.669 projetos parados do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) — 48,3% com valor acima de R$ 1 milhão —, dos quais 58 (1,2%) eram alvo de ordem judicial. Já o TCU indicou que, entre abril e maio do mesmo ano, 3% de 38,1 mil obras foram paradas pela Justiça.
Questões ligadas às paralisações são ilustradas a partir de três casos: Aeroporto de Cargas de Anápolis (GO), Centro de Educação Infantil (CEINF) – Vila Nasser (MS) e Construção do Centro Administrativo do Distrito Federal (DF). Em todos eles, o projeto foi alvo de mais de uma ação por razões diferentes, o que multiplica as diligências necessárias ao julgamento em cada vara e instância.
A amostra foi definida pelo comitê criado para o trabalho, via acordo de cooperação entre CNJ, Tribunal de Contas da União (TCU) e Associação dos Membros Tribunais de Contas do Brasil (Atricon). Ela inclui também dados da ONG Transparência Brasil.
Em ofício aos presidentes dos tribunais, o CNJ enviou link do padrão de resposta. A coleta indicou cada processo, município, unidade judicial, tipo e data da decisão, tipo e valor da obra. Em seguida, os órgãos receberam a relação dos projetos listados a partir do termo de cooperação, para nova checagem.
Para melhor monitorar o tema, o Conselho avalia incluir, nas Tabelas Processuais Unificadas (TPU), assunto específico para as grandes obras públicas paralisadas. Diversos tribunais relataram dificuldade em localizar os casos justamente por não controlar o teor dos autos ligados ao tópico. Grande parte deles tampouco possui software para minerar dados.
A Secretaria Especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica (SEP) do CNJ incluiu a questão no debate das Metas Nacionais do Judiciário para 2020. Com isso, os tribunais buscarão meios de resolver os processos, como mutirões. Investimentos educacionais são a prioridade.
Plano de ação
Um plano produzido pelo grupo de trabalho foi apresentado pelo secretário-geral da Presidência do TCU, Maurício de Albuquerque Wanderley. “Vamos ativar as redes de controle estaduais para aprofundar esse diagnóstico e criar um espaço de diálogo. Com essas informações, podemos dialogar com o Congresso, com os tribunais de contas”, disse durante evento sobre o diagnóstico. “A ideia é dar conforto ao gestor, para ele saber qual caminho pode ou não trilhar. Há situações muito díspares nos municípios e as creches também são muito importantes para o Pacto da Primeira Infância, coordenado pelo CNJ”, completou.
“Vamos evoluir para uma rede de controle e apoio ao gestor. A lógica de atuação será invertida, para que a rede seja proativa, sugira medidas”, disse o secretário de Programas, Pesquisa e Gestão Estratégica do CNJ e juiz auxiliar da Presidência do Conselho, Richard Pae Kim. “Com o levantamento feito pelo Judiciário e tribunais de contas, teremos os casos que admitem composição. A fase final será a homologação judicial nos casos necessários, sempre que possível com participação do Ministério Público para segurança jurídica dos envolvidos. Acredito que até o primeiro semestre do próximo ano tenhamos a relação dos casos a ser levada ao grupo de trabalho”, afirmou.
A reunião para apresentar os resultados contou com representantes da Advocacia-Geral da União (AGU), Ministério Público Federal (MPF), Ministério da Infraestrutura, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Controladoria-Geral da União (CGU), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Associação dos Membros do Tribunais de Contas (Atricon), entre outros.
O corregedor nacional de Justiça, Humberto Martins, irá orientar as corregedorias locais a replicarem o formato. “Podemos, assim, alcançar o maior número de ações judiciais e retomar as obras locais”, afirmou.
“Tão grave quanto a corrupção é o mau uso do recurso público. Creches têm valor social imensurável. Se as crianças passam dos cinco anos sem devido estímulo, não acompanham as demais. As mães também perdem oportunidades de estudo e trabalho, o que perpetua o ciclo de pobreza”, afirmou o presidente da Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle (CTFC), senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL).
“É inconcebível que, num momento de crise, haja recursos públicos que não atendem à população”, defendeu a deputada Flávia Morais (DPT/GO), coordenadora da Comissão Externa de Obras Inacabadas da Câmara. Segundo ela, a maior causa são projetos mal elaborados, que alteram o valor ou dificultam o fim da obra. “Deveríamos ter um cadastro único de todas as obras do país, com dados diários”, disse.
“Não é fácil ser gestor público no Brasil, por medo de ser responsabilizado. E talvez parte da culpa seja de nós que aqui estamos”, afirmou o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), José Múcio Monteiro. “Com essa iniciativa, podemos inaugurar o entendimento entre os governos de plantão, antigos e futuros gestores, para que os bons queiram fazer gestão”, completou.
Ao final da reunião, o ministro Dias Toffoli salientou a importância da estratégia aprovada, a ser executada no primeiro semestre de 2020, para que as partes envolvidas, os tribunais de contas, o Ministério Público, a advocacia pública e o Judiciário encontrem soluções seguras, construídas em conjunto, a viabilizar a conclusão dessas obras e possibilitar que o país volte a crescer, prestando os serviços adequados a todos os seus cidadãos.
A íntegra do Diagnóstico sobe Obras Paralisadas pode ser acessada aqui, onde também estão disponíveis documentos e planilhas utilizados para a realização do levantamento.
Isaías Monteiro
Agência CNJ de Notícias