Garantir o acesso ao livro e à leitura no campo penal e socioeducativo é uma das iniciativas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como forma de apoiar novas trajetórias de pessoas que estiveram em conflito com a lei. Neste Dia Mundial do Livro – 23 de abril -, conheça as ações em curso que compreendem a leitura como um pilar de transformação social, educacional e de integração para pessoas restritas e privadas de liberdade.
“Como nós bem sabemos, [a leitura] é transformadora e essencial para ampliar o conhecimento e a compreensão do mundo. Assim, além de ampliar os processos educativos, contribui para o desenvolvimento de habilidades sociais, emocionais e cognitivas que são essenciais no processo de reintegração social das pessoas encarceradas”, destacou o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso durante a 5.ª Sessão Ordinária do CNJ em 2024.
Desde 2019, o tema tem sido trabalhado pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ por meio do programa Fazendo Justiça, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Desde o subsídio técnico à construção de normativas até a organização de eventos nacionais com a participação de pessoas privadas de liberdade, o programa fomenta a ação em diversas frentes e com o apoio de uma rede de parceiros interinstitucionais.
No caso do sistema penal, essas ações vêm acompanhadas da implementação da Resolução CNJ n. 391/2021, que fomenta a remição de pena pela leitura. “A promoção da leitura no sistema prisional e sua vinculação com a remição da pena são pilares indispensáveis não apenas para adequada reintegração social dessas pessoas na vida pós-cárcere, mas para a prevenção da reincidência criminal, contribuindo diretamente para a segurança da população como um todo. Além disso, contribui para a superação do estado de coisas inconstitucional das prisões brasileiras que está sendo trabalhado pelo plano Pena Justa, oriundo da ADPF 347″, explica o coordenador do DMF/CNJ, Luís Lanfredi.
“Quando tratamos do sistema socioeducativo, a leitura compõe a perspectiva central da dimensão pedagógica da medida aplicada, e, por isso, é em si mesma uma ferramenta estruturante da socioeducação. Algo que deve e está sendo desenvolvido pelo CNJ em conjunto com esses e essas adolescentes”, afirma o juiz auxiliar da Presidência do CNJ com atuação no DMF na área socioeducativa, Edinaldo César Santos Junior.
Confira o depoimento de adolescentes sobre práticas transformadoras da leitura no sistema socioeducativo
Leitura e remição de pena
Segundo a Resolução CNJ n. 391/2021, a leitura de qualquer livro de literatura emprestado da biblioteca da unidade prisional pode significar menos tempo de pena a cumprir. Para tanto, a pessoa presa deve apresentar um Relatório de Leitura que será remetido à Vara de Execuções Penais (VEP) ou Comissão de Validação instituída pela VEP. Cada obra lida, após o reconhecimento da Justiça, reduz a pena em quatro dias, com limite de 12 livros lidos por ano e, portanto, 48 dias remidos.
Na última semana, o CNJ promoveu o lançamento de duas iniciativas para incentivar a leitura, a remição de pena e a qualificação de acervos nas unidades prisionais: o prêmio “A Saída É pela Leitura” e o projeto Mentes Literárias reforçaram um movimento mais amplo para implementação da Resolução CNJ n. 391/2021: a Estratégia Nacional de Universalização do Acesso ao Livro e à Leitura em Estabelecimentos Prisionais.
Em outubro de 2023, durante encontro de gestores em leitura no sistema prisional realizado em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) e a Biblioteca Nacional, foi lançado o primeiro Censo Nacional de Práticas de Leitura no Sistema Prisional. Entre 2021 e 2023, a pesquisa que deu origem ao Censo avaliou a estrutura e condições que permitem atividades educativas e acesso à leitura nas 27 unidades federativas, além de investigar a existência de bibliotecas, iniciativas, práticas e atividades de leitura. Foram coletadas informações em 1.347 estabelecimentos prisionais, com a participação de diversos atores de interesse na etapa qualitativa.
Os insumos obtidos pelo Censo permitiram a proposição de um Plano Nacional de Fomento à Leitura em Prisões, que atualmente passa por atualizações a partir de discussões sobre a proposta inicial. “Nossa legislação é taxativa quanto à garantia do direito à educação para todos os cidadãos, incluindo aqueles encarcerados e encarceradas. O Plano de Leitura busca assegurar uma abordagem integrada que inclua tanto a educação formal quanto práticas educativas não escolares, estratégia que também integra os esforços em resposta à ADPF 347”, explica Pollyanna Alves, coordenadora das ações de cidadania no sistema prisional do programa Fazendo Justiça.
O engajamento para a implementação do Plano de Leitura deve ocorrer em três níveis: nacional, estadual e municipal. No âmbito nacional, o foco é na mobilização e o aporte de parceiros estratégicos, na promoção de campanhas de conscientização e na realização de eventos formativos. Já a esfera estadual terá a integração das políticas de educação, cultura e trabalho, focando na qualificação da leitura e na universalização do acesso aos livros. No nível municipal, o plano propõe a articulação de políticas sociais locais e o mapeamento de organizações da sociedade civil para a implementação de estratégias adaptadas às realidades específicas de cada unidade prisional.
Desde 2020, o CNJ realiza edições anuais da Jornada de Leitura no Cárcere, uma parceria com o Observatório do Livro e da Leitura – já foram reunidos mais de 125 mil participantes entre especialistas, autoridades e pessoas interessadas, além de aproximadamente 22 mil pessoas em privação de liberdade. A edição de 2024 está prevista para novembro e contará com novidades na programação, possibilitando a institucionalização desta iniciativa pelo CNJ e parceiros para sustentabilidade e continuidade.
Uma novidade para a 5.ª edição será a introdução de atividades “pré-Jornada” com pessoas privadas de liberdade para reunir propostas para a qualificação da política com a perspectiva dessa população. Já no “pós-Jornada”, a previsão é a realização de eventos específicos para o Poder Judiciário, com o objetivo de qualificar o entendimento e a aplicação da Resolução CNJ 391 pelos magistrados e magistradas, instrumentalizando a magistratura no apoio à política de remição de pena pela leitura.
Confira o depoimento sobre práticas transformadoras da leitura no sistema penal
Direito humano à cultura para adolescentes
No sistema socioeducativo, as iniciativas reforçam o direito humano à cultura, ao livro e à leitura, focando especificamente nos e nas adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas. O objetivo é reconhecer a leitura não apenas como um direito essencial, mas também como um caminho para o desenvolvimento pessoal e educacional dos jovens.
Nesse sentido, já foram realizadas duas edições do evento Caminhos Literários no Socioeducativo, somando a participação de mais de 6 mil adolescentes e profissionais de diversas unidades de privação de liberdade e demais interessados. Na edição de dezembro de 2023, foi lançado o primeiro Censo Nacional de Práticas de Leitura no Sistema Socioeducativo para permtir o desenho de políticas públicas mais assertivas.
Com dados coletados em mais de 90% das unidades, o Censo também permitirá a elaboração de Plano Nacional de Leitura focado na universalização do acesso ao livro no sistema socioeducativo, considerando a acessibilidade e a integração com outras atividades educativas. As diretrizes operam em níveis nacional, estadual e municipal, engajando desde a coordenação de diagnósticos até a implementação de ações concretas. Essas ações buscam expandir e atualizar bibliotecas e os acervos literários, qualificar profissionais e promover a leitura como ferramenta fundamental para a reintegração social e desenvolvimento pessoal dos adolescentes em contexto socioeducativo.
“Apesar de o Brasil ter um importante arcabouço legislativo que garante o direito à cultura e à educação, o Censo demonstrou que essa não é a realidade dentro das unidades socioeducativas e será essencial para pensarmos ações que asseguram esses direitos com base em evidências. O objetivo da ação é valorizar iniciativas e fomentar políticas públicas que ampliem o seu acesso por adolescentes atendidos pelo Sistema Socioeducativo, de forma integrada às demais práticas e políticas intersetoriais, sob uma perspectiva de protagonismo e participação de adolescentes, para que a eles seja possibilitado a construção de novos projetos de vida”, explica a coordenadora das ações voltadas ao sistema socioeducativo do programa Fazendo Justiça, Fernanda Givisiez.
Sobre o Dia Mundial do Livro
Comemorado em 23 de abril, o Dia Mundial do Livro é a data escolhida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), uma das agências da Organização das Nações Unidas, para celebrar o livro e incentivar a leitura no mundo todo. Este dia foi indicado pela Unesco em sua 28ª Conferência Geral em em 1995, em referência à data de falecimento de três importantes escritores: Miguel de Cervantes, Inca Garcilaso de la Vega e William Shakespeare.
Texto: Natasha Cruz e Pedro Malavolta
Edição: Nataly Costa e Débora Zampier
Agência CNJ de Notícias