Dezenas de cidadãos de Joinville (SC), entre familiares de detentos e pessoas da comunidade, compareceram, na última quarta-feira (7/12), à Penitenciária Industrial para a noite de autógrafos do segundo volume da obra “Contos tirados de mim: a literatura no cárcere”. O livro, resultado de um projeto de oficinas literárias realizado com os presos com o incentivo da Vara de Execuções Penais de Joinville, foi custeado por uma editora paulista.
O interesse dos presidiários pela criação literária começou com a possibilidade de remição (redução da pena) pela leitura, implantada na penitenciária em 2013 nos moldes da Recomendação n. 44/2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Naquele ano, após uma campanha realizada pela Vara de Execuções Penais de Joinville, foram arrecadados livros suficientes para montar duas bibliotecas no complexo penitenciário, que possui 1.500 presos. Nos últimos dois anos foram lidos 3 mil livros por cerca de 400 detentos. Para obter a remição da pena, os presos têm até 30 dias para fazer a leitura da obra e uma resenha a respeito, que é avaliada por professores do complexo ou por universitários que cursam Letras na Universidade da Região de Joinville.
Oficinas de criação
Ano passado, uma editora de São Paulo demonstrou interesse por alguns poemas de detentos do complexo de Joinville, expostos em uma feira literária, o que estimulou a criação de um projeto de oficinas de imersão literária dentro do presídio, com a autorização da vara e do Ministério Público. O livro, que reúne doze contos de tema livre e já está em seu segundo volume, é fruto dessas oficinas que devem continuar em 2017.
O juiz João Marcos Buch, titular da Vara de Execuções Penais de Joinville, acredita que a comunidade tem mudado o olhar em relação às pessoas presas a partir da leitura dos contos. “Houve uma identificação humana, a comunidade percebeu que as pessoas que cumprem pena sofrem das mesmas alegrias e tristezas, o que pode auxiliar na reinserção dos presos após o cumprimento da pena”, disse o magistrado Buch.
De acordo com o juiz, o projeto tem o objetivo de transformação, fazendo com que o detento seja lembrado pelo que ele tem a contar, e não necessariamente pelo seu histórico criminal. “A leitura e escrita possibilitaram que os presos tivessem uma amplitude maior de sua existência, muito além da remição da pena, para refletirem sobre o que cometeram de forma consciente e racional”, afirmou o juiz.
Cotidiano familiar
As histórias de ficção são de tema livre e a maioria delas tem como pano de fundo o cotidiano de cidades de Santa Catarina, especialmente da zona rural. Em “Desafio lançado”, conto de Fábio Colzani, por exemplo, é narrada a história de uma família da Fazenda de Santa Maria do Coco Verde, que sonha ganhar um prêmio em um rodeio para melhorar as condições do local em que moram: “Projetaram uma fazenda dos sonhos e deste projeto, da porteira para dentro, fariam uma linda estrada com pés de fruta que contornaria o antigo lago, que agora seria um açude repleto de peixes. A antiga baia para dois animais ganharia mais oito lugares, e com um trato de construção não choveria mais dentro; e dos cavalos banguelas que tinham virariam história para os mustangues vermelhos, corcéis negros ou pangarés tordilhos, seriam bonitos.”
Outro conto, “Pais e Filhos”, de Flávio Luiz Boer, conta a saga do Dr. Canela, uma saborosa imersão nas relações familiares ao longo de gerações, que atiça rapidamente a curiosidade do leitor: “A afinidade e a harmonia se percebem no carinho e no respeito um para com o outro, e se realmente há a existência de vidas passadas, pode se dizer que essa família, ou esses seres simpatizantes, já estão juntos há um bom tempo. Vivenciando alguns fatos, convivendo de perto com essas pessoas e tendo, por convicção, a certeza de que nada nesta vida acontece por acaso e que para tudo existe uma explicação, é que dou o crédito para essa possibilidade”.
Remição pela leitura
A Recomendação n. 44/2013 do CNJ, que propõe a instituição, nos presídios estaduais e federais, de projetos específicos de incentivo à remição pela leitura, já está consolidada em quase todo o país. A norma trata das atividades educacionais complementares para fins de remição da pena pelo estudo e estabelece critérios para a admissão pela leitura. A edição da recomendação foi solicitada ao CNJ pelos ministérios da Justiça e da Educação porque a Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/1984) não detalhou as atividades complementares que possibilitariam a remição.
Luiza Fariello
Agência CNJ de Notícias