A relação entre um grupo de internas do Centro Prisional Feminino de Colatina (CPFCOL), no Espírito Santo, e mulheres carentes portadoras de câncer tem trazido benefícios para ambos os lados. Suas histórias se cruzaram a partir de projeto que reúne a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus) e a entidade social Amigas para o Bem Viver: as detentas atuam como voluntárias na fabricação de perucas, para as quais doam os próprios cabelos; próteses mamárias, lenços e turbantes que são entregues gratuitamente às pacientes. Com esse trabalho solidário, feito dentro do presídio, elas são estimuladas a cultivar sentimentos e valores importantes para uma vida melhor após o cumprimento da pena. A iniciativa está alinhada com o projeto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que prevê ações para ressocialização de presos e egressos do sistema prisional, visando à redução da reincidência criminal.
“Para nós é uma experiência muito gratificante, porque, apesar de estarmos privadas de nossa liberdade, e longe das nossas famílias, nos sentimos úteis e felizes, pois estamos ajudando a amenizar a dor de mulheres que, infelizmente, passam por momentos difíceis, por que todas nós estamos expostas a passar”, diz trecho de mensagem assinada por Dyane Martins Bruna do Nascimento, Izabela Cesário Beling e Madiely de Oliveira Brito, três das cinco internas participantes do Projeto Mãos Solidárias.
Elas acrescentam que “a ação que nós praticamos também nos beneficia muito, porque, além de estarmos remindo nossa pena (redução do tempo da pena em um dia a cada três trabalhados, conforme previsto na lei penal), nos sentimos acolhidas por pessoas que apostam na nossa capacidade e acreditam na nossa ressocialização”. Segundo a direção do presídio, as outras duas participantes não assinaram a mensagem porque estão em gozo do benefício da saída temporária.
Iniciativa – O Projeto Mãos Solidárias foi criado há quatro anos pela ONG Amigas para o Bem Viver, de Colatina, com o objetivo de amenizar o drama de mulheres da região que enfrentam os efeitos do tratamento do câncer. A iniciativa foi introduzida no CPFCOL em janeiro deste ano, por meio de acordo com a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus) pelo qual as detentas passaram a receber capacitação profissional. Em maio as pacientes começaram a ir à unidade prisional para retirar seus produtos. Desde então, cerca de 40 mulheres foram beneficiadas. A maioria faz tratamento no Hospital e Maternidade São José, de Colatina.
Segundo a gerente de Educação e Trabalho da Sejus, Regiane Kieper do Nascimento, o objetivo do projeto vai além da produção de perucas e outros itens. “É uma oportunidade para as internas terem contato com pessoas que podem ter um sofrimento muito maior do que o sofrimento que elas vivem na prisão, que é um sofrimento temporário. Elas estão presas por prazo determinado”, diz Regiane, que acrescenta: “Essa troca de experiência com a mulher que está doente serve para que a mulher presa reveja os seus conceitos e sua vida, para que ela possa pensar no que vai fazer após o cumprimento da pena”.
Emoção – Uma das 40 pacientes cadastradas no projeto é Selma Lopes Nunes, de 42 anos de idade e mãe de três filhos. Ela recebeu o diagnóstico da doença em abril e, um mês depois, em função dos efeitos da quimioterapia, buscou ajuda na ONG Amigas para o Bem Viver, sendo prontamente atendida. Quando entrou no presídio para pegar sua peruca, soube que a doadora do cabelo e fabricante do produto se chamava Dyane e quis conhecê-la. Segundo Selma, foi um encontro emocionante.
“Eu nunca me imaginei entrando num presídio, foi a minha primeira vez, mas Deus sabe o que faz. Ele une as pessoas. Nós conversamos muito; eu só não perguntei por que ela estava lá, porque fiquei constrangida. Eu dei um abraço nela, e hoje minha peruca se chama Dyane, em homenagem a ela. Eu também abracei todas as outras que estavam lá”, conta Selma, agradecida pelo apoio recebido. A paciente também comemora o fato de, agora, com a peruca, poder voltar a frequentar o forró e outros eventos sociais em Colatina. “Antes eu não saía muito porque ficava com vergonha, as pessoas ficavam me olhando na rua”, lembra ela.
A preocupação com as mudanças no corpo é comum a praticamente todas as pacientes, destaca Sandra Helena Barros Portugal, colaboradora da ONG Amigas para o Bem Viver. Ela conta que a autoestima dessas mulheres aumenta muito após o acesso às perucas, próteses mamárias e outros produtos. “O nosso projeto tem o objetivo de ajudá-las a enfrentar essa fase com mais tranquilidade. Para nós mulheres, que somos vaidosas, não ter uma mama, não ter um cabelo, não ter dinheiro para fazer as coisas, é muito difícil. Então a primeira coisa que essa iniciativa procura trabalhar é a autoestima”, informa Sandra.
Oportunidades – O Centro Prisional Feminino de Colatina (CPFCOL) é uma das poucas unidades prisionais do país que não estão superlotadas. Ele abriga um total de 281 internas, bem abaixo de sua capacidade, que é de 328 vagas. Além disso, oferece oportunidades de estudo e de trabalho às custodiadas. Das cinco participantes do Projeto Mãos Solidárias, por exemplo, duas executam trabalho remunerado na cozinha, uma faz curso de informática, e duas frequentam a escola no próprio local.
Segundo a diretora do CPFCOL, Kátima Sangali Aurich, essas mulheres têm apresentado uma mudança significativa de comportamento desde que passaram a ter contato com as portadoras de câncer. “Quando a gente faz o bem, é impossível entrar num projeto como esse e sair da mesma forma. Isso serve tanto para as internas quanto para nós. Nós também mudamos muito depois que começamos a realizar esse projeto”, relata Kátima.
A diretora conta também que as internas acabam se apegando a esse trabalho solidário. “A gente nota que elas ficam emocionadas, todos os dias; vejo isso porque conversamos muito. Para você ter uma ideia, uma delas, que em breve terá direito ao regime semiaberto, não quer ir; ela perguntou se pode ficar aqui para continuar ajudando as pessoas porque ela nunca teve uma importância tão grande na vida; nunca se sentiu tão bem na vida dela”, relata.
Kátima conclui dizendo que o sucesso das atividades desenvolvidas no CPFCOL mostra que a valorização das qualidades das pessoas presas é uma estratégia fundamental para sua reinserção social: “Quando a gente consegue mexer, realmente, com a mente desses seres humanos, demonstrar que eles ainda são úteis, porque muitas vezes eles acham que a vida acabou ali, a gente começa a resgatar esses sentidos dentro deles, a gente percebe a mudança e a ressocialização. Realmente ainda é possível. Eu acredito”.
Jorge Vasconcellos
Agência CNJ de Notícias