Depoimento especial: Belém instala três salas para escuta de menores

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Tribunal adotou padru00e3o previsto em lei e em resoluu00e7u00e3o do Conselho Nacional de Justiu00e7a (Ricardo Lima/TJPA)

Relembrar fatos negativos não é uma situação agradável para ninguém, mais difícil ainda é para as crianças ou adolescentes que tenham sido vítimas ou testemunhas de crimes e precisavam repetir suas histórias em todas as etapas de apuração e julgamento de um crime. Em atenção a essa realidade, e em cumprimento à Lei nº 13.341/2017, o Judiciário paraense está expandindo o quantitativo de salas para tomadas de Depoimentos Especiais, que passam agora a atender um padrão de estrutura e funcionamento.

Através do Provimento Conjunto nº 01/2019, assinado pela Presidência, pelas Corregedorias de Justiça das Comarcas da Região Metropolitana de Belém (RMB) e do Interior e pela Coordenadoria Estadual da Infância e Juventude (CEIJ) do Tribunal de Justiça do Pará, ficou estabelecido o padrão de funcionamento das salas de depoimento especial, que requer um espaço físico (inclusive com mobiliário) adequado ao emprego das técnicas de entrevista investigativa, garantindo ambiente acolhedor, conforto e privacidade na coleta do depoimento. O provimento foi publicado no Diário de Justiça Eletrônico em janeiro deste ano.
O Fórum Criminal de Belém já conta com três salas para a prestação de depoimentos. Uma será destinada às duas Varas de Crimes contra Crianças e Adolescentes, outra será destinada às demandas das 1ª, 2ª e 3ª Varas de Violência Doméstica e familiar contra a Mulher, e a terceira está reservada para as outras 19 Varas Criminais de Belém. O agendamento para a utilização das salas, profissional técnico e gravação é feito pela Secretaria do Fórum. Por meio de um ofício circular encaminhado aos magistrados de Belém, o juiz diretor do Fórum, Raimundo Moisés Alves Flexa orienta sobre como proceder o agendamento e quais passos devem ser seguidos.
Uma Comissão Intersetorial especial, presidida pelo desembargador José Maria Teixeira do Rosário, coordenador da CEIJ do TJPA, designada pela Presidência do TJPA, está atuando na implantação e adequação de salas especiais em todo o Estado. Em muitas comarcas o serviço já é prestado, mas não em ambientes que atendam o padrão delimitado pelo Provimento Conjunto nº 01/2019. O atendimento de depoimento especial já é adotado em comarcas como Belém, Abaetetuba, Ananindeua, Marabá, Santarém, Castanhal, dentre outras. A Comissão Intersetorial elaborou um Plano de Implantação Progressiva de Salas de Depoimento Especial no âmbito do Poder Judiciário do Estado, que deve ser cumprido neste ano.
De acordo com o desembargador José Maria, a edição da lei e as medidas que ela proporciona são um grande avanço na colheita de provas e na preservação dos direitos das crianças e adolescentes. “Antes as crianças eram muito expostas a ter que relembrar as situações negativas que viviam. Com esse depoimento especial a criança não será mais revitimizada e não terá que ficar repetindo as informações mais de uma vez, para não reforçar o trauma. Se nem o adulto gosta de relembrar os fatos negativos, imagine uma criança”.
Com a edição da referida Lei, a necessidade de aplicação de depoimentos especiais não se restringe mais apenas às crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, mas a todas que sejam vítimas ou testemunhas em qualquer situação de violência. Nos últimos anos, somente a 1ª Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes (a 2ª Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes foi instalada em dezembro de 2018), procedeu uma média de 470 depoimentos especiais.
Antecipação de provas na fase investigativa
A Lei nº 13431/2017 normatiza e organiza o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, cria mecanismos para prevenir e coibir a violência e estabelece medidas de assistência e proteção à criança e ao adolescente em situação de violência. Dessa maneira, em seu artigo 11, a lei dispõe que o depoimento especial, regido por protocolos, “sempre que possível, será realizado uma única vez, em sede de produção antecipada de prova judicial, garantida a ampla defesa do investigado”. 
O rito cautelar de antecipação de provas é utilizado quando a criança ou adolescente tiver menos de sete anos, ou em caso de violência sexual. A Lei não admite a tomada de novo depoimento especial, salvo quando justificada a sua imprescindibilidade pela autoridade competente e houver a concordância da vítima ou da testemunha, ou de seu representante legal.
Conforme explicou a juíza Mônica Maciel Fonseca, auxiliar da Corregedoria das Comarcas do Interior do TJPA e titular da 1ª Vara de Crimes Contra a Criança de Belém, a tomada de depoimento na fase da investigação, como produção antecipada de prova, é importante porque a criança ou adolescente não precisará mais ser ouvida posteriormente.
“A produção antecipada é requerida antes do oferecimento de denúncia, da formação de culpa, resguardados a ampla defesa e contraditório do suposto agressor. Essa medida, determinada de forma expressa pela lei, é adotada nos casos de violência contra crianças até sete anos, como forma de preservação da memória e evitar a memória falsa, e nos casos de crime sexual contra crianças e adolescentes”, explicou a magistrada.
A juíza ressaltou a importância da antecipação de prova, porque assegura que a criança será ouvida, preferencialmente, apenas uma vez, não sendo mais questionada em outro momento do inquérito ou instrução criminal. “A produção antecipada preserva a criança ou adolescente e incide na redução dos danos causados quando são ouvidas sobre o mesmo caso diversas vezes”.
Abordagem individual e padronizada
O ambiente da sala especial possui um mobiliário simples, em virtude da necessidade de não dispersar a atenção da criança ou do adolescente. Geralmente, o espaço possui duas poltronas, almofadas e os equipamentos de filmagem e áudio.
Conforme explicou a pedagoga Kelly do Rosário, da equipe multidisciplinar de apoio às Varas de Crimes contra a Criança, o atendimento às crianças e adolescentes, bem como de suas famílias, obedece todo um rito. “No primeiro momento, o responsável recebe a intimação para que a criança seja ouvida em depoimento e, junto a esse documento, enviamos um material didático com desenhos ilustrativos que explicam, de forma lúdica, o motivo do chamamento da Justiça”. Essa forma de intimação visa, sobretudo, esclarecer tanto a família quanto a criança ou adolescente para que não fiquem preocupados ou se sentindo culpados.
O depoimento especial é uma forma humanizada e acolhedora de ouvir crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de crimes no sistema de Justiça. Através do Provimento Conjunto nº 14/2018, das Corregedorias de Justiça das Comarcas da RMB e do Interior do TJPA, o Judiciário do Pará determinou os procedimentos que devem ser obedecidos para a tomada de depoimentos especiais, os quais seguem o protocolo de entrevista cognitiva, que utiliza conhecimentos científicos de psicologia social e cognitiva.
A assistente social da equipe multidisciplinar da Vara de Crimes contra Criança, Walderez explicou as etapas do atendimento que inicia com o planejamento e a preparação, seguido do acolhimento inicial e a construção do Rapport (trazer de volta, construir relação). Na sequência se dá o depoimento especial (relato livre), a clarificação, a finalização e os encaminhamentos necessários. “Em todo o processo de atendimento, a família acompanha a criança. Esclarecemos todos os detalhes para deixar a criança acolhida para tratar de assuntos que não agradáveis. Por isso a necessidade do protocolo de atendimento cognitivo e do profissional capacitado”, enfatizou.
Capacitação e prática simulada
A Coordenadoria Estadual da Infância e Juventude do TJPA está finalizando a preparação de mais uma edição do “Curso Básico em Técnicas de Entrevista Investigativa e Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes no Sistema de Justiça – Formação do Entrevistador”, que capacitou, nos meses de agosto e setembro do ano passado, 40 analistas judiciários integrantes das equipes multidisciplinares atuantes em diversas comarcas do Estado. A data de realização do curso ainda será definida.
O curso, executado em parceria com a Coordenadoria de Desenvolvimento de Pessoal do TJPA, é ministrado pelas psicólogas Mayra Lopes e Nayra Carvalho, que integram o setor de apoio psicossocial da Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes da Comarca de Belém, e dá sequência às formações iniciadas em 2011 e 2014, quando o Judiciário paraense capacitou 16 analistas judiciários das áreas específicas (Psicologia, Pedagogia e Assistência Social) para procederem as entrevistas em depoimento especial.
Além do Curso Básico, voltados apenas aos técnicos das equipes multidisciplinares, o Judiciário também oferece, através da Escola Judicial do Poder Judiciário, o curso “Aspectos Teóricos e Práticos do Depoimento Especial”, ministrado pela juíza Mônica Maciel e pela psicóloga Mayra Lopes, voltado aos magistrados e demais servidores do Judiciário.

Fonte: TJPA