Quando tinha 10 anos, Wilkinson Fabiano de Arruda acompanhou seus pais a uma delegacia de polícia para que registrassem ocorrência de um assalto sofrido na pizzaria da família. O episódio foi traumático para o garoto, que não esquece o medo que sentiu dentro da unidade de polícia. E foi pensando em proteger meninos e meninas dessa experiência que, ao se tornar delegado titular da cidade de Marmeleiro/PR, Wilkinson idealizou o projeto Delegacia Amiga da Criança, que transformou o município em modelo de acessibilidade e de tratamento humanizado, em especial para os pequenos cidadãos.
O projeto ganhou o Prêmio Prioridade Absoluta Eixo Protetivo – Categoria Poder Público – conferido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a iniciativas voltadas a promover o respeito aos direitos das crianças e dos adolescentes. Ao todo, 15 iniciativas foram reconhecidas na 2ª edição do Prêmio, concedido em agosto de 2022.
A delegacia de Marmeleiro, cidade a 500 km de Curitiba, centraliza o atendimento não só da própria cidade como também dos municípios de Renascença e Flor da Serra do Sul, englobando aproximadamente 25 mil habitantes. A unidade registra todo tipo de ocorrência, mas aproximadamente 60% dos casos registrados dizem respeito a violência contra idosos, mulheres e crianças.
A reforma proposta pelo projeto Delegacia Amiga da Criança fez algumas mudanças físicas que contribuíram especificamente para o atendimento a esse público, que, por lei, tem prioridade no atendimento de acordo com a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Marco Legal da Primeira Infância.
Entre as mudanças propostas e realizadas estão a criação de sala acolhedora para o atendimento de adultos e de brinquedoteca para manter as crianças longe do contato de narrativas ou imagens violentas. No local também foi construída uma parede de vidro, para que as crianças possam ver seus pais enquanto eles estão sendo atendidos.
“Esse local especial evita que elas sofram violência psicológica, ficam próximas de pessoas alteradas, machucadas, ou que simplesmente escutem episódios de violência sendo contados no balcão. As crianças são levadas a uma sala lúdica, com brinquedos, videogame e TV, para que possam estar livres – ao menos naquele momento – do contato com a violência”, diz o delegado.
O projeto vencedor também elaborou outras mudanças a fim de permitir um melhor atendimento dos grupos vulneráveis, como um lavabo que permite a entrada de pessoa portadora de deficiência e um fraldário. As mudanças também foram estendidas para fora do prédio, que passou a contar com uma pracinha de convivência arborizada na entrada.
“É uma área de refresco, de respiro. E não apenas ela, mas todas as mudanças refletiram sobre nós, sobre aqueles que vivem o dia a dia da rotina policial”, conta o delegado, que percebeu melhoras significativas não apenas na reação do público externo, como também do interno.
Mudança de cultura
Outro ponto instituído pelo projeto foi a capacitação de todos os profissionais da unidade em depoimento especial e escuta especializada. Segundo o delegado, essa especialização coordenada por membros do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) permitiu melhor preparo dos colaboradores e policiais em questões afetas aos direitos humanos.
“Isso se refletiu no ambiente de trabalho. A mudança no comportamento de todos foi notável”, diz Wilkinson. “Estamos criando uma nova geração que terá orgulho em fazer parte do serviço de segurança pública. E que terá cuidado ao lidar com o cidadão, que muitas vezes chega desequilibrado, assustado por ter vivido uma situação de violência”, diz.
O delegado acredita que o novo perfil de delegacia também pode impactar positivamente na visão que os futuros moradores da cidade terão em relação à segurança pública, desfazendo a histórica desconfiança que a população sente em relação à polícia.
“As crianças que chegavam à delegacia choravam de medo, hoje choram para não sair daqui”, diz o delegado, que já recebeu grupo de 30 crianças de uma escola municipal, interessada em conhecer o projeto. A Delegacia Amiga da Criança também recebeu o Prêmio Medalha Zilda Arns de Boas Práticas para a Primeira Infância.
Texto: Regina Bandeira
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias