Uma decisão judicial que teve como foco o combate ao trabalho análogo ao escravo em comunidades ribeirinhas no Amazonas foi premiada no I Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SDH), do Ministério da Justiça. Na sentença, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que tem sede em Brasília/DF e jurisdição em 14 estados, acolheu o pedido ajuizado pelo Ministério Público Federal (MPF) em uma ação civil pública contra comerciante de piaçavas que mantinha treze pessoas empregadas em condições de extrema precariedade de trabalho.
Em 2014, uma investigação constatou diversas práticas ilícitas na cadeia de exploração do trabalho comandada por empresário com atuação no Amazonas. A apuração foi feita em conjunto pelo MPF e Ministério Público do Trabalho (MPT), com participação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e do Exército Brasileiro. Segundo o MPF, após as vistorias feitas em várias localidades situadas entre os municípios de Barcelos/AM e Santa Isabel do Rio Negro/AM, foram encontrados trabalhadores sem carteira assinada, recebendo menos de um salário mínimo mensal ou nenhum salário, sem direito a férias ou 13º salário, ainda que trabalhassem todos os dias da semana.
Na sentença, a juíza federal Jaíza Maria Pinto Fraxe apontou que a ação do MPF demonstrou a violação “intensa e persistente” dos Direitos do Trabalho, submetendo indígenas e ribeirinhos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas e condições degradantes de trabalho, sem as condições mínimas de higiene ou eventuais equipamentos de proteção necessários ao exercício da atividade.
Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ |
Presidente do CNJ e STF, Ministra Cármen Lúcia entrega o prêmio na categoria Combate e Erradicação ao Trabalho Escravo à Juiza Federal Jaiza Maria Pinto Fraxe, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. |
Durante a cerimônia de entrega do Prêmio, realizada em fevereiro, no CNJ, a magistrada revelou que os piaçabeiros não tinham direito à alimentação digna ou moradia. “O mesmo local onde dormiam era o local onde exerciam seu trabalho. O mesmo rio de onde eles tiravam a água para beber era onde faziam suas necessidades. Não havia instalação sanitária, alojamento, cantina, nada disso”, completou.
Em razão dessas condições e da servidão por dívida, que caracterizam trabalho em condições análogas a de escravo, e reconhecendo os danos causados aos povos tradicionais, a magistrada determinou o bloqueio de valores e a indisponibilidade de bens dos requeridos até o limite de R$500 mil e a adoção de diversas ações, sob pena de multa diária, em benefício dos povos tradicionais da região.
Povos tradicionais
A alegação dos patrões para tais práticas, segundo a juíza, era de que aquela forma de trabalho fazia parte da cultura daquele povo “e que era assim mesmo que eles tinham de viver”. “Não é diminuindo o modo de vida e o cotidiano do caboclo ribeirinho ou do piaçabeiro que os requeridos vão conseguir se defender das acusações que lhes imputou o Ministério Público”, ponderou, a magistrada, na sentença.
Para a magistrada, o Direito não pode, de forma alguma, declarar válida uma forma de vida indigna, que explore a pessoa humana em condição de escravo. “No passado, acreditava-se que o trabalho escravo estava relacionado unicamente à raça. Atualmente, ele pode envolver qualquer pessoa”, disse.
Para a juíza, como signatário de convenções internacionais de promoção dos direitos humanos, o Brasil não pode permitir a continuação da exploração do trabalho escravo. “Esperamos que ele [trabalho escravo] seja erradicado definitivamente da vida da população brasileira. Não há mais espaço no Estado de Direito esse tipo de exploração”, afirmou.
Veja entrevista concedida pela juíza Jaíza Maria à Agência CNJ de Notícias.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias